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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 17,11b-19)

Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos para o céu e rezou, dizendo: “Pai santo, guarda-os em teu nome, o nome que me deste, para que eles sejam um assim como nós somos um. Quando eu estava com eles, guardava-os em teu nome, o nome que me deste. Eu os guardei e nenhum deles se perdeu, a não ser o filho da perdição, para se cumprir a Escritura.
Agora, eu vou para junto de ti, e digo estas coisas, estando ainda no mundo, para que eles tenham em si a minha alegria plenamente realizada. Eu lhes dei a tua palavra, mas o mundo os rejeitou, porque não são do mundo, como eu não sou do mundo. Não te peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno. Eles não são do mundo, como eu não sou do mundo.
Consagra-os na verdade; a tua palavra é verdade. Como tu me enviaste ao mundo, assim também eu os enviei ao mundo. Eu me consagro por eles, a fim de que eles também sejam consagrados na verdade”.

Celebramos hoje a memória de São Justino, Mártir, que viveu no período que chamamos de idade sub-apostólica, época em que ainda havia pessoas que conheceram os Apóstolos. Trata-se da primeira leva de santos, num momento em que a Igreja já estava sendo perseguida e martirizada. São Justino nasceu na Samaria, o mesmo território onde Jesus encontrou a samaritana no poço de Sicar. Ele foi leigo e um grande estudioso de modo que, além de conhecer profundamente a doutrina cristã, para ele a verdadeira filosofia, também se deu ao trabalho de defender a Igreja diante dos imperadores romanos.

Justino escreveu suas Apologias ao imperador Antonino Pio, nas quais descreve com detalhes a vida dos primeiros cristãos. É interessante ler as apologias de Justino e ver como a Igreja nasceu católica. Nelas, não se vê traço algum da heresia protestante. Justino nunca disse: “Nós cristãos seguimos a autoridade das Escrituras e trazemos a Bíblia debaixo do braço para que cada um a interprete como quiser”. Não! Ao falar da vida cristã para o imperador, ele fala de uma Igreja plenamente católica.

Ele descreve, por exemplo, os ritos sacramentais que nós católicos usamos até hoje. A descrição que ele faz da Santa Missa é extraordinária. Ele diz claramente que os cristãos se reuniam no dia do Sol, isto é, no que hoje chamamos de domingo. E, reunidos nesse dia, os fiéis se punham ao redor do bispo para ler as “memórias dos Apóstolos”, ou seja, os evangelhos, as cartas de São Paulo etc. O bispo então interpretava o que estava ali escrito. Terminada essa primeira parte da Missa, também chamada de “Missa dos catecúmenos” ou “Liturgia da palavra”, tinha início a liturgia propriamente eucarística, ou “Missa dos fiéis”. Traziam pão e vinho, e o sacerdote celebrante rezava uma oração sobre as oferendas e os dons, que se tornavam “eucaristizados” — é o termo que ele usa. Em seguida, todos comungavam; depois, a comunhão era levada para os ausentes e os enfermos [1].

Estamos diante de um apologista, um defensor da fé que depois morreu mártir. Ele não se limitou a defender a fé com escritos, mas com a própria vida derramando o seu sangue, um exemplo extraordinário que nos inspira sobretudo nestes tempos em que precisamos de milhares de Justinos!

Necessitamos de leigos que estudem a doutrina cristã e, convencidos dela, não somente vejam com a inteligência a verdade da fé, mas a experimentem por meio de uma santidade profunda. Sim, porque, quando nos debruçamos sobre as verdades da fé e começamos a buscar um conhecimento mais profundo, terminamos, com a graça de Deus, tendo delas um conhecimento também experimental. Deus pode e quer nos dar experiência das verdades que estudamos, e é por meio dessa experiência que toca o fundo da alma que nos tornamos capazes de derramar o sangue por amor a Cristo.

Vivemos numa época em que a Igreja passa por uma grande apostasia. A tragédia que vivemos é que os católicos não estão mais prontos para o martírio. Por isso, diante do primeiro aperto do mundo, a alma “espana” e abandona a fé! Antigamente, para que os católicos apostatassem, eram necessárias ameaças, cadeias, torturas… Hoje, não é preciso muito: basta uma censura do Facebook ou o medo de que os “amigos” olhem torto para que o fiel já mude de opinião e se conforme ao mundo.

Hoje em dia, infelizmente, muitos leigos, diante das verdades católicas e das falsidades e mentiras do mundo, alegremente abandonam as primeiras para abraçar as segundas. Ideologias como a de gênero, relativismo religioso, indiferentismo, uma moral sexual laxa etc., eis o caminho largo que os católicos de hoje têm preferido ao estreito da verdadeira fé! E essa grande apostasia se dá desde o mais pequeno fiel até homens ilustres e importantes do clero.

E tudo isso está acontecendo bem diante dos nossos olhos! Por quê? Porque não temos mais leigos do calibre de um São Justino, homens que verdadeiramente se ponham a estudar como ele, um filósofo que não quis apenas conhecer as coisas, mas saboreá-las por dentro, fazer esse conhecimento experimental da verdade que o tornou capaz de derramar o sangue para testemunhar a fé.

Que São Justino interceda por nós e nos dê a graça de verdadeiramente experimentarmos as verdades que ele defendeu com seus escritos e com o seu sangue, para que também nós sejamos dignos das promessas de Cristo.

* * *

Jesus ora pelos Apóstolos (v. 6-19[2]. — Essa petição compreende fundamentalmente duas coisas: guarda-os (v. 11) e santifica-os (v. 17):

V. 6ss. Cristo prepara sua oração pelos Apóstolos mostrando o que fez por eles e o que eles mesmos fizeram pela glória de Deus. — Manifestei o teu nome aos homens, i.e., dei-lhes, por minha pregação e meus exemplos, um conhecimento mais perfeito de ti; que tu me deste do meio do mundo na qualidade de discípulos, é sobretudo por eles que rezo. — Eram teus, segundo a tua eterna predileção, ou pela retidão de suas vidas, e tu os confiaste a mim, e eles guardaram a tua palavra, i.e., creram na doutrina que em teu nome lhes anunciei e me seguiram fielmente. — Daqui se vê a importância e o empenho que Jesus dedicou à formação e à preparação dos Doze.

V. 9. Em seguida, começa a orar pelos discípulos. Não te rogo pelo mundo: não rezou agora indistintamente por todos, mas de forma especial pelos discípulos, como se depreende dos motivos e do conteúdo das petições. 

N.B. — Destas palavras não se pode concluir que Jesus tenha excluído o mundo de sua oração, pois assim como morreu por todos (cf. 1Jo 2,2; Col 1,20), também por todos orou e mandou orar (cf. Mt 5,44).

V. 10. Afirma que os discípulos são dignos de ser queridos pelo Pai: primeiro, porque são teus…; segundo, porque eu sou glorificado (δεδόξασμαι) neles, i.e., por sua fé e adesão, enquanto os outros me repudiavam (cf. Jo 6,69), e pela vontade atual de anunciar mundo afora o meu nome e o meu Evangelho.

V. 11. Terceiro, porque permanecem no mundo sem o Mestre: Já não estou no mundo (por prolepse: em breve sairei deste mundo), mas eles permanecem no mundo (i.e., permanecem sem minha presença e custódia visíveis) etc. — Pai santo, guarda-os em teu nome, i.e., no conhecimento de ti, na fé em ti com que os iluminei, em comunhão contigo etc. (outros: sob a tua proteção e tutela). — Os quais me deste: em gr. ᾧ [ὀνόματι] δέδωκας, i.e., o nome que me deste para ser anunciado aos gentios. — Para que eles sejam um assim como nós somos um (ἓν) em natureza, inteligência e vontade, i.e., para que imitem em espírito esta nossa unidade essencial, a saber: pela unidade na fé e na caridade. Este membro depende do verbo guarda-os.

V. 12. Confirma o versículo precedente. Enquanto estive com eles, guardei-os em teu nome, i.e., na confissão do teu nome, ou sob a tua proteção (cf., supra, v. 11). — E nenhum deles se perdeu, a não ser o filho da perdição, Judas Iscariotes, condenado à morte eterna, para se cumprir a Escritura (ἡ γραφή, aquela Escritura em particular; cf. Sl 40,10; 108,8), que prenunciara sua defecção. — Para (lt. ut, gr. ἵνα), aqui, tem sentido antes consecutivo que causativo, i.e., o cumprimento da Escritura é efeito mas não a causa da perdição prevista. Em outras palavras, Judas não se perdeu porque a Escritura o tinha previsto; mas, perdendo-se livremente, manifestou a verdade da Escritura que o previra.

V. 13. Mas agora, que é tempo de sair deste mundo, em alta voz, perante estes meus Apóstolos, eu te suplico, ó Pai, para que eles tenham a minha alegria plenamente realizada em si mesmos (ἐν ἑαυτοῖς), i.e., para que participem da alegria que tenho por amar-te e ser amado por ti, ou seja, pelo gozo proveniente de nossa união (cf. Jo 15,11); alguns interpretam: a minha alegria por eles, pela união deles etc. (Agostinho, Caetano); outros ainda: a alegria deles por mim (Eutímio, Maldonado).

V. 14. Outra razão por que pede ser atendido em favor dos discípulos: o mundo os odeia justamente por não serem do mundo, i.e., por causa do Pai, que os deu ao Filho; é justo, portanto, que os que por causa de Deus são perseguidos pelo mundo sejam assistidos por Deus contra os poderes do mundo. — Eu lhes dei a tua palavra, i.e., preguei aos que me deste a minha doutrina, que também é tua, ou: encarreguei os que me deste de a pregarem também a outros.

V. 15. Ainda se dirigindo ao Pai, responde ao mesmo tempo às dificuldades ou objeções que os discípulos traziam no coração. Nos vv. anteriores, parecia pedir ao Pai que tirasse os Apóstolos do mundo. Não o pede, porque tinham o dever de pregar o Evangelho, mas que os tires do mundo, mas que os guardes do maligno (ἐκ τοῦ πονηροῦ), o que pode entender-se duplamente: do mal em geral (τὸ πονηρόν, cf. Jo 3,19; 7,7) ou do demônio (ὁ πονηρός: cf. 1Jo 2,13s.; 3,12.18s; 5,18s), de seu poder, império e companhia.

V. 16s. Porquanto não são do mundo… santifica-os (ἁγίασον αὐτούς) na verdade, i.e., segrega-os, consagra-os para o ministério do Evangelho, para o múnus de pregar a verdade; pois a tua palavra (o Evangelho), que eu lhes transmiti e os mandei pregar aos demais, é não só verdadeira, mas a própria verdade (ἀλήθειά).

V. 18s. Por fim, manifesta a causa por que roga ao Pai que santifique os discípulos: — a) Porque assim o exige o múnus que receberam. Como tu me enviaste ao mundo, assim também eu os enviei ao mundo (cf. Jo 20,21), i.e., assim como vim não por mim mesmo e por minha própria vontade mas enviado por ti (cf. Jo 7,29; 8,42); assim como anunciei não a minha mas a tua doutrina (cf. Jo 7,16; 14,24); assim como realizei não as minhas obras mas as tuas (cf. Jo 5,30; 6,38), assim também por mim são enviados ao mundo os Apóstolos, para cumprirem a missão de pregar o Evangelho.

b) Porque assim o exige o sacrifício de Cristo: Eu me santifico por eles, i.e., ofereço-me como vítima (cf. Jo 15,13; Hb 10,6s), a fim de que eles também sejam santificados, consagrados (como no v. 17) pelo sacrifício que por eles ofereço, na verdade (ἐν ἀληθείᾳ, em verdade = verdadeira e plenamente), quais vítimas e sacerdotes para o ministério evangélico. — As palavras a fim de que eles também sejam santificados sugerem que a consagração dos Apóstolos é outro sacrifício, de certo modo acrescido ao da cruz.

Referências

  • Tradução de H. Simón–G. G. Dorado, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 6.ª ed., Turim: Marietti, 1944, vol. 1, p. 920ss, n. 685.

Notas

  1. Leia-se, e.g., o seguinte texto, escrito por volta de 150-155 d.C. (Apol. I 66: J 128): “E este alimento [τροφή] entre nós é chamado eucaristia, do qual a ninguém é lícito tomar parte senão ao que crê ser verdade o que ensinamos, se foi purificado naquele lavacro para a remissão dos pecados e a regeneração, e vive do modo como Cristo ensinou. Com efeito, não o tomamos como pão comum nem como bebida comum, senão que, assim como, pelo Verbo de Deus feito carne, Jesus Cristo, nosso salvador, teve carne e sangue para a nossa salvação, assim também nos ensinaram que aquela alimônia — sobre a qual, pela prece que contêm as palavras dele, se deram graças e pela qual nossos sangues e nossas carnes, por mutação, são alimentados —, são a carne e o sangue do mesmo Jesus encarnado. Pois os Apóstolos em seus comentários, que são chamados evangelhos, atestaram que Jesus assim lhes ordenou: Tendo ele tomado o pão, após dar graças, disse: Fazei isto em minha memória; isto é o meu corpo; e tendo igualmente tomado o cálice e dado graças, disse: Este é o meu sangue, e somente a eles o entregou”.
  2. Para um comentário à primeira parte da oração sacerdotal (Jo 17,1-5), veja-se o texto de Homilia Diária 1177: “A vida eterna é conhecer a Deus”.

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