O mês dedicado ao Preciosíssimo Sangue de Jesus pede necessariamente uma meditação sobre a bondade de Deus. Não por acaso um famoso escritor espiritual do século XIX dizia que "a bondade se mostra o melhor paladino do preciosíssimo Sangue" [1]. É que na raiz do sacrifício redentor, bem como de todo o mistério da encarnação, marcado por tanta angústia e sofrimento, não poderia estar outra coisa senão a infinita compaixão que o Senhor tem de Seus filhos, sobretudo daqueles mais necessitados de Sua misericórdia.

"Só Deus é bom" (Mc 10, 18). Essas são as palavras que Cristo dirige ao jovem rico quando este O interroga sobre o caminho para a vida eterna. O jovem desejava uma orientação acerca do que é preciso ser feito para se alcançar a coroa do Céu. Reconhecendo a Sua sabedoria e a autoridade com que pregava, o rapaz Lhe diz: "Bom mestre, que farei para alcançar a vida eterna?" (Mc 10, 17). A resposta de Jesus, embora induza o leitor desatento a questionar a Sua divindade, transmite um ensinamento assaz importante: toda bondade tem como origem a Santíssima Trindade. Jesus, portanto, é um "bom mestre" não porque ensina coisas proveitosas, mas porque Sua doutrina vem da fonte da verdade, do Criador de tudo o que é bom e belo.

O homem, enquanto criatura de Deus, participa de Sua bondade num grau ainda maior que os demais seres existentes, pois é o único criado à Sua "imagem e semelhança" (Gn 1, 26). Mais: como ser que ainda caminha para a perfeição, é convidado por Deus a crescer em bondade, a fim de unir-se à família trinitária.

A mancha do pecado original, porém, provocou uma desordem tão profunda no coração humano, que suas ações ficaram dramaticamente inclinadas para o mal, de modo que aquele chamado de Deus à perfeição acontece de ser não somente negligenciado, mas até ignorado. Essas más inclinações, por sua vez, só podem ser superadas na medida em que o homem se dedicar à vida interior, ou seja, a uma intimidade generosa com a Pessoa de Cristo.

Eis aqui, então, um problema demasiado difícil para os homens modernos que desejam ser bons como pede o Senhor.

De muitos modos, esta época não tem favorecido a virtude da bondade. Há como que uma guerra acirrada contra qualquer coisa que lembre a caridade, a continência, a fidelidade, a sinceridade, a temperança e tantos outros hábitos bons. Veja-se, por exemplo, a maneira como os "heróis" costumam ser apresentados nos filmes, novelas e outros programas de entretenimento vulgar. A sua figura é tão estereotipada e cheia de afetações que chega a causar asco em qualquer espírito viril e sensato, ao passo que os "vilões" aparecem muito mais interessantes: são inteligentes, charmosos, bem-sucedidos, fortes etc. Isso quando os papéis não se misturam, com heróis "pilantras" e vilões "piedosos". Trata-se de uma estratégia realmente perversa de inversão de valores.

Os efeitos dessa confusão não poderiam ser mais desastrosos. Muitos, influenciados pela mentalidade moderna e pretendendo afastar qualquer sombra de fraqueza, adotam um discurso tão rude e severo, que são incapazes de transmitir compaixão ou misericórdia. Para uma alma cristã, poucas coisas há que sejam tão trágicas quanto essa. O rosto do cristianismo termina desfigurado, transformado em uma caricatura de "moralismo".

É preciso entender que a bondade é um atributo divino e, sem ela, nenhum cristão pode realmente exercer um ministério eficaz. Isso já deveria ser claro para os católicos, dada a quantidade de passagens da Sagrada Escritura e do Magistério que se referem ao amor e à misericórdia de Deus por Suas criaturas. Aliás, foi justamente a Sua bondade que Ele fez passar diante de Moisés, proclamando: "O Senhor, o Senhor [YHWH, YHWH] é um Deus clemente e compassivo, sem pressa para se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade" (Ex 34, 6).

É neste sentido que Dom Chautard escreve em seu famosíssimo livro A alma de todo apostolado uma página toda dedicada à busca da bondade. "Quanto mais o coração estiver unido a Jesus Cristo, tanto mais se tornará participante da qualidade principal do coração divino e humano do redentor, da sua bondade, indulgência, benevolência e compaixão", diz o monge trapista [2]. Disto se conclui que a evangelização não depende tanto da eloquência e dos métodos do evangelizador, apesar de serem elementos importantes, mas do grau de unidade com que esse mesmo evangelizador se relaciona com Jesus. Um missionário cheio do Espírito Santo irradia a bondade de Deus e convence os corações, até os mais duros, ainda que a mensagem cristã contrarie seus estilos de vidas e desejos.

Giuseppe Sarto, o Papa São Pio X, em seu leito mortuário.

Essa certeza deve ser acolhida plenamente pelos católicos, e, de maneira especial, por aqueles que, em seus apostolados, ainda insistem numa retórica agressiva e demasiado violenta. Se é certo que bondade não significa frouxidão, firmeza também não significa estupidez. Aqui, portanto, cabe o sábio conselho de São Josemaría Escrivá: "Sê intransigente na doutrina e na conduta. — Mas suave na forma. — Maça poderosa de aço, almofadada. — Sê intransigente, mas não sejas cabeçudo" [3].

Um papa comumente relacionado à defesa da Tradição é São Pio X. A sua heroica luta contra o modernismo, "síntese de todas as heresias", tornou-o um grande cavaleiro da fé para muitos católicos. Mas, atenção, a mera defesa dos costumes cristãos não torna ninguém santo. De fato, Pio X foi uma figura notável no Trono de Pedro porque soube conjugar a fidelidade aos princípios com a caridade necessária para com todas as almas, principalmente com a dos "inimigos". É particularmente tocante o relato que Dom Chautard apresenta em A alma de todo apostolado sobre esse grande pontífice:

"A um leigo eminente ouvimos contar o seguinte fato: Falando com S. Pio X, tinha esse leigo, no decurso da conversação, desfechado algumas palavras mordentes sobre um inimigo da Igreja. 'Meu filho, disse-lhe o papa, não aprovo a sua linguagem. Como castigo, ouça esta história. Acabara de chegar a sua primeira paróquia um sacerdote que eu conheci muito bem. Julgou ele do seu dever visitar todas as famílias: judeus, protestantes, até mações, ninguém foi excluído, e o pároco anunciou do púlpito que renovaria a visita todos os anos. Tanto se admiraram disto os colegas dele que se queixaram ao bispo. Este mandou logo chamar o acusado e repreendeu-o com veemência. Excelência, respondeu-lhe modestamente o pároco, Jesus no Evangelho ordena ao pastor que conduza ao aprisco todas as suas ovelhas, oportet illas addúcere. Como lograr esse resultado sem ir à procura delas? De mais a mais, eu nunca transijo com os princípios; limito-me a testemunhar meu interesse e minha caridade a todas as almas, mesmo às desgraçadas, que Deus me confiou. Anunciei essas visitas do púlpito; e se é desejo formal de V.Exª que cesse de as fazer, queira ter a bondade de me dar por escrito essa proibição, a fim de que se saiba que eu apenas obedeço às ordens de V.Exª. Abalado pelo acerto das palavras, o bispo não insistiu. O futuro veio depois dar razão a esse sacerdote que teve a alegria de converter algumas dessas almas desgarradas e impôs às outras grande respeito pela nossa santa religião. O humilde sacerdote veio a ser, por vontade de Deus, o papa que agora lhe dá, meu filho, esta lição de caridade. Seja, pois inabalável nos princípios, mas estenda sua caridade a todos os homens, mesmo que sejam os piores inimigos da Igreja'". [4]

Jesus foi um exemplo de virilidade na conduta com as pessoas de Sua época. Quando necessário, jogou cadeiras e mesas para o alto, admoestou e corrigiu a muitos. Mas, ao mesmo tempo, não deixou de compadecer-Se dos sofrimentos humanos, sobretudo na hora da crucifixão, hora em que Se calou e aceitou todas as humilhações pelo bem da humanidade. Essa é a bondade de Deus, da qual todos os cristãos devem tornar-se fiéis imitadores. Para tanto, não há melhor caminho que o da união com o preciosíssimo sangue de Cristo, derramado pela remissão dos nossos pecados.

Neste mês de julho, mês do Preciosíssimo Sangue, cada católico aprenda a ser "manso e humilde de coração", pois o Reino dos Céus é dos que assim agem (cf. Mt 5, 5). E que Nossa Senhora das Dores interceda por todos nós aos pés da cruz de Nosso Senhor.

Referências

  1. Fáber apud Jean-Baptiste Chautard, A alma de todo apostolado. São Paulo: Cultor de Livros, 2015, p. 114.
  2. Jean-Baptiste Chautard, A alma de todo apostolado. São Paulo: Cultor de Livros, 2015, 252 p.
  3. São Josemaria Escrivá, Caminho, cap. 17, n. 397.
  4. Jean-Baptiste Chautard, op. cit., p. 115.

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