"O amor de Deus ocupa o primeiro lugar na ordem dos preceitos", evidentemente, "mas o amor do próximo ocupa o primeiro lugar na ordem da execução": é o que ensina Santo Agostinho, no Ofício das Leituras deste dia 3 de janeiro. A razão disso é bem simples e consta das próprias Escrituras: "Quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê" (1Jo 4, 20).
Atentos à preciosa lição deste santo padre da Igreja, disponhamos o nosso coração ao serviço do próximo, na certeza de que, servindo à carne que o próprio Deus assumiu para a nossa salvação, seremos elevados à plena participação da natureza divina (cf. 2Pd 1, 4) e alcançaremos vitória sobre as paixões de nossa própria carne.
Do Tratado sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho, bispo
(Tract 17, 7-9: CCL 36, 174-175)
O duplo preceito da caridade
Veio o Senhor, mestre da caridade, cheio de caridade, cumprir prontamente a palavra sobre a terra (cf. Rm 9, 28 Vulg.), como dele foi anunciado, e sintetizou a lei e os profetas nos dois preceitos da caridade.
Recordai comigo, irmãos, quais são esses dois preceitos. É preciso que os conheçais profundamente, de tal modo que não vos venham à mente só quando vo-los lembramos, mas os conserveis sempre bem gravados em vossos corações. Recordai-vos em todo momento de que devemos amar a Deus e ao próximo: a Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, e de todo o nosso entendimento; e ao próximo como a nós mesmos (cf. Mt 22, 37-39).
Esses dois preceitos devem ser sempre lembrados, meditados, conservados na memória, praticados, cumpridos. O amor de Deus ocupa o primeiro lugar na ordem dos preceitos, mas o amor do próximo ocupa o primeiro lugar na ordem da execução. Pois, quem te deu esse duplo preceito do amor não podia ordenar-te amar primeiro ao próximo e depois a Deus, mas primeiramente a Deus e depois ao próximo.
Entretanto, tu que ainda não vês a Deus, merecerás vê-lo se amas o próximo; amando-o purificas teu olhar para veres a Deus, como afirma expressamente São João: "Quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê" ( 1Jo 4, 20).
Ouviste o mandamento: Ama a Deus. Se me disseres: "Mostra-me a quem devo amar", que responderei senão o que disse o mesmo São João: "A Deus, ninguém jamais viu" ( Jo 1, 18)? E para pensares que está absolutamente fora de teu alcance ver a Deus, o mencionado apóstolo afirma: "Deus é amor: quem permanece no amor, permanece com Deus" (1Jo 4, 16). Ama, pois, o teu próximo e procura no teu íntimo a origem deste amor; lá verás a Deus o quanto agora te é possível.
Começa, portanto, a amar o próximo. Reparte o pão com o faminto, acolhe em casa o pobre sem abrigo; quando encontrares um nu, cobre-o, e não dês as costas ao teu semelhante (cf. Is 58, 7).
Procedendo assim, o que alcançarás? "Então brilhará a tua luz como a aurora" ( Is 58, 8). Tua luz é o teu Deus; ele é a aurora que despontará sobre ti depois da noite desta vida. Essa luz não conhece princípio nem ocaso, porque existe eternamente.
Amando o próximo e cuidando dele, vais percorrendo o teu caminho. E para onde caminhas senão para o Senhor Deus, para Aquele que devemos amar com todo o nosso coração, com toda a nossa alma, de toda a nossa mente? É certo que ainda não chegamos até junto do Senhor; mas já temos conosco o próximo. Ajuda, portanto, aquele que tens ao lado, enquanto caminhas neste mundo, e chegarás até junto daquele com quem desejas permanecer para sempre.
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