Romeu e Julieta não é a única peça de Shakespeare que o mundo moderno, os críticos modernos e os professores modernos interpretam mal. Verdade seja dita: as interpretações inadequadas de Shakespeare são numerosas. Quase todas as peças estão sendo ensinadas e representadas de forma equivocada. Porém, Romeu e Julieta é ensinada com mais frequência do que todas as outras — provavelmente com mais frequência do que qualquer outra peça do Bardo, exceto, talvez, Júlio César. Por isso, é mais comum que seja mal interpretada, com consequências desastrosas não só para a nossa compreensão da obra, mas também para a perspectiva moral dos inúmeros estudantes do ensino secundário que todos os anos são ensinados de forma incorreta.

A verdade é que Romeu e Julieta é uma tragédia, não um romance. Isto deveria ficar evidente pelo fato de a peça não terminar com as personagens felizes para sempre em um casamento, como é próprio de uma comédia, mas possivelmente infelizes para sempre em um pacto de suicídio, como é próprio de uma tragédia. O problema é que lemos a tragédia com um olhar obcecado pela emoção, característico do Romantismo (movimento artístico e filosófico que só surgiria quase duzentos anos depois da composição da peça). Portanto, a leitura da peça por este prisma não está em conformidade com o que Shakespeare escreveu. Para ser franco, enxergar algo de nobre na paixão auto-obsessiva e autodestrutiva dos amantes é encará-la com uma visão cega para a moral que Shakespeare ensina.

Eis, em poucas palavras, os fatos sobre a peça que dão ênfase à sua moral trágica.

“Romeu e Julieta”, por Jules Salles.

Comecemos pelo contexto: a Julieta de Shakespeare é dois anos mais nova do que no poema de Arthur Brooke, que provavelmente é a sua fonte. No poema ela tem quase dezesseis anos. Shakespeare opta por apresentá-la com apenas treze anos, uma mera criança, que mal chega a ser uma adolescente. A própria filha de Shakespeare, Susanna, tinha mais ou menos a mesma idade de Julieta na época em que Shakespeare provavelmente escreveu a peça. Portanto, a obra foi escrita pelo pai de uma menina que tinha a idade de Julieta. Além disso, e contrariamente à suposição de muitos dos que ensinam a peça, o casamento não era um lugar-comum para as adolescentes no tempo de Shakespeare. Em geral, as mulheres se casavam com cerca de vinte e quatro anos; os homens, com aproximadamente quatro anos a mais. (Não existem dados sobre casamentos de jovens com menos de quinze anos.) Além disso, muitos historiadores sociais acreditam que, na Inglaterra do século XVI, as crianças atingiam a puberdade mais tarde, sendo consenso que as moças amadureciam aos catorze ou quinze anos, e os rapazes por volta dos dezesseis. É incontestável que Julieta teria sido considerada uma criança por Shakespeare e seu público.

É significativo o fato de Shakespeare optar por tornar Romeu mais velho do que é no poema de Brooke, acentuando assim a diferença de idade entre os dois amantes. Embora a idade de Romeu não nos seja revelada, ele tem, claramente, idade suficiente para gracejar com colegas experientes e mundanos, como Mercúcio, e é capaz de vencer o temível Teobaldo num duelo de espadas. É também digno de nota o fato de sabermos pelo coro, o mais próximo que podemos chegar de uma voz objetiva e confiável, que a obsessão de Romeu por Julieta é tão doentia quanto a sua obsessão anterior por Rosalina. O coro nos informa, imediatamente após o primeiro encontro e o primeiro beijo de Romeu e Julieta, que o “velho desejo” de Romeu está morrendo porque “o jovem afeto abre espaço para ser seu herdeiro” (o velho amor dá lugar ao novo). Somos informados de que Romeu “é amado e volta a amar” (sem que haja qualquer distinção entre a obsessão de Romeu por qualquer dos objetos do seu desejo). E o mais importante: o coro nos informa, com a sua objetividade indiferente e imparcial, que Romeu está “igualmente enfeitiçado pelo encanto dos olhares”. Ele está igualmente enfeitiçado por ambas as mulheres, sendo os seus sentimentos, em ambos os casos, regidos pura e simplesmente pelos atributos físicos delas, “o encanto dos olhares”.

“O último beijo dado em Romeu por Julieta”, de Francesco Hayez.

A imagem do primeiro beijo é a do intercâmbio do pecado. É o pecado que passa entre os lábios dos amantes. Esta mesma imagem volta no último beijo, no qual Julieta tenta beber o veneno dos lábios de Romeu para poder morrer com ele. Depois, apunhala-se com o punhal de Romeu, uma poderosa imagem sexual que representa o caráter mortífero da sua relação.

“Deleites violentos têm fins violentos”, alertou Frei Lourenço. As suas palavras não foram ouvidas e, por isso, tornaram-se palavras proféticas e não apenas de advertência. “Todos são castigados”, diz o Príncipe no final sombrio da peça: os Capuletos e os Montéquios, por causa da sua inimizade entre si e da negligência para com os seus filhos; o próprio Príncipe, por causa da sua negligência em fechar os olhos à rixa entre as famílias; e Romeu e Julieta, por permitirem que “deleites violentos” os levassem aos seus “fins violentos”.

Se há uma vítima inocente, essa vítima é Julieta, a criança jogada sem proteção num mundo adulto para o qual não estava preparada. Quanto a Romeu, mais velho e, por isso, com menos razões para não ser mais sábio, é um canalha incorrigível.

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