A maioria dos santos escreveu sobre a batalha central de nossa vida: o desejo. O que desejamos é crucial porque, no final, nós conseguimos o que queremos. Ou morremos desejando o que Deus oferece, ou morremos sem desejar. Ou amamos o que e quem Deus ama, ou não.
Tendemos a pensar que todo o mundo quer ir para o céu, mas isso não é verdade. O Céu não é o paraíso que as pessoas pessoalmente projetam; é o Reino de Deus com todos os seus valores: perdão, castidade, amor a todos (inclusive aos nossos inimigos) e generosidade, entre muitos outros. Além disso, Deus está no centro, não nós. Muitas pessoas não desejam alguns ou todos os valores do Reino de Deus e, portanto, morrem em um estado de indiferença ou oposição ao que Deus está oferecendo. Por exemplo, alguns não querem amar seus inimigos ou viver castamente. Deus não os forçará a amar o que ou quem Ele ama.
É tolice e presunção pensar que, quando morrermos, de repente começaremos a gostar do que não gostamos em toda a nossa vida ou a amar aqueles a quem não amamos. Quando morremos, nossas decisões e desejos são fixados para sempre. O mais triste dos que estão no inferno é que sua vida terrena demonstrou que eles seriam ainda mais infelizes no Céu.
A vida é uma batalha de desejos. Devemos aprender a querer o que Deus está oferecendo e a evitar coisas inferiores ou pecaminosas. Santo Agostinho escreveu:
A vida inteira do bom cristão é desejo santo. Aquilo que desejas, ainda não o vês. Mas, desejando, adquires a capacidade de ser saciado ao chegar a visão [...]. Desejemos, pois, irmãos, porque havemos de ser saciados [...]. É esta a nossa vida: exercitamo-nos pelo desejo. O santo desejo nos exercita, na medida em que cortamos nosso desejo do amor do mundo [1].
Como Deus oferece mais do que podemos desejar, não apenas devemos ajustar o objeto de nosso desejo, mas também aumentar a sua magnitude.
Santo Agostinho escreveu sobre ampliar nossos desejos. Ele também forneceu uma resposta perspicaz sobre por que Deus costuma nos fazer esperar:
Se queres, por exemplo, encher um recipiente e sabes ser muito o que tens a derramar, alargas o bojo seja da bolsa, do odre, ou de outra coisa qualquer. Sabes a quantidade que ali porás e vês ser apertado o bojo. Se o alargares ele ficará com maior capacidade. Deste mesmo modo Deus, com o adiar, amplia o desejo. Por desejar, alarga-se o espírito. Alargando-se, torna-se capaz.
Um dos Salmos diz: “Correrei pelo caminho de vossos mandamentos, porque sois vós que me dilatais o coração” (Sl 118, 32). Portanto, Deus não apenas muda o nosso coração, mas o alarga para que possa conter ainda mais bênçãos. Sim, Deus é o grande cardiologista e a Igreja é a sua unidade coronariana! Ele espera nossa permissão para realizar o seu trabalho, às vezes doloroso, em nós. Nem sempre é fácil dizer sim, porque somos apegados e preferimos as coisas inferiores. Santo Agostinho escreveu:
Já falamos algumas vezes do vazio que deve ser cheio. Vais ficar repleto de bem, esvazia-te do mal. Imagina que Deus te quer encher de mel. Se estás cheio de vinagre, onde pôr o mel? É preciso jogar fora o conteúdo do jarro e limpá-lo, ainda que com esforço, esfregando-o, para servir a outro fim.
Reze, portanto, para desejar o que Deus oferece, porque não é necessariamente fácil fazê-lo. Fale assim ao Senhor, das profundezas da sua alma:
Curai-me, eu vos suplico, Senhor! Muitas vezes desejo coisas inferiores, passageiras, ao invés daquilo que me quereis dar. Concedei-me a graça de ter fome e sede de justiça, e de tudo o que me ofereceis. Ajudai-me a vencer nesta grande batalha do desejo, amando-vos acima de todas as coisas e de todas as pessoas. Curai o meu coração ferido e seus desejos distorcidos; depois alargai-o, para que possa conter os dons incomparáveis que me desejais conceder, em Cristo Jesus, meu Senhor. Amém.
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