O assunto que eu gostaria de abordar hoje não é fácil. Mas ninguém pode ignorar o que tem ocorrido e fingir que nada aconteceu.
Os escândalos noticiados ao longo dos últimos cinquenta ou sessenta anos são muitos dolorosos para a Igreja. E porque nos machucam, tendemos a não falar a respeito e deixar a água correr em silêncio. Isso, porém, não resolverá nada. Pois a solução do problema não está em negar a sua existência. Temos de ser realistas. Se há algo de errado, devemos aprender a encará-lo. Por isso, precisamos enfrentar esses fatos terríveis que vemos hoje em dia.
São escândalos que abalaram a fé de muitas pessoas boas. Algumas deixaram de crer em Deus, porque foram traídas pelos homens. Mas não podemos esquecer que a nossa fé não se baseia em homens, mas em Deus. É Ele a Rocha da nossa salvação. Cremos porque Deus revelou-se a si mesmo. Ainda que todos os sacerdotes fossem indignos da nossa confiança, isso em nada diminuiria a verdade da nossa religião.
Traidores. Sempre os houve entre nós desde o início da Igreja. Quando Nosso Senhor Jesus Cristo escolheu os doze Apóstolos, havia entre eles um traidor: Judas. Um homem eleito para ser Apóstolo, que durante três anos conviveu com Nosso Senhor. Um homem encarregado de pregar a Verdade e agraciado inclusive com o poder de operar milagres. Um homem ordenado padre na Quinta-Feira Santa… Este homem era um traidor. Ele trocou a vida do Mestre por um punhado de moedas; ele abandonou sua vocação a fim de satisfazer sua paixão. No caso de Judas, foi o amor ao dinheiro o que o fez perder Deus, mas poderia ter sido qualquer outro vício. Judas poderia estar sentado em um trono no céu, mas ele preferiu o Inferno. Oh! quão horrível é contemplar a queda de um “anjo”!
No entanto, convém notar que os primeiros cristãos não perderam a fé diante da traição de Judas; tampouco pensaram eles que, sendo Judas um Apóstolo, também os outros Onze haveriam de ser traidores. Não. Se adotarmos as “proporções” do Evangelho, podemos dizer que, a cada doze homens, um é traidor. Quando ouvirdes, pois, a notícia de um escândalo envolvendo um padre indigno da própria vocação, lembrai-vos, por favor, dos outros onze padres fiéis, cujos nomes não saem nos jornais. Lembrai-vos e consolai-vos, porque, para cada traidor, há onze bons servos de Deus.
Não podemos desconfiar de Pedro, Tiago e João e dos demais por causa de Judas. Sim, havia um traidor entre os Apóstolos, mas os outros Onze permaneceram fiéis. Não permitamos que tais escândalos fragilizem a nossa fé. Essa missão é do diabo: destruir a Igreja de Deus, lançando-lhe no rosto imaculado a vergonha e a imundície de seus membros. Toda essa confusão, todas essas heresias, toda essa imoralidade, tudo isso não passa da fumaça de Satanás que penetrou a Igreja.
Seja como for, a Igreja continua a mesma, a Esposa de Cristo, ainda que o seu rosto se encontre desfigurado pelos pecados de seus membros. A Igreja não se corrompeu, ainda que dentro dela haja muita gente corrompida. Lembrai-vos: a Igreja é, em si mesma, sem pecado, mas não sem pecadores.
Poderíamos, contudo, perguntar-nos: qual é a raiz do problema? Qual é causa de todos estes escândalos?
Irmãos, duas são as causas. Antes de tudo, temos a perversidade, a malícia desses criminosos, que são pessoal e completamente responsáveis por todo o mal que praticaram. E eles fizeram muito mal, feriram muitas pessoas. O mais profundo círculo do Inferno está reservado a essa desgraçada descendência de Judas, a todos os padres infiéis, caso não se arrependam a tempo.
Eis a causa imediata do problema: a malícia desses traidores, que deram as costas a Deus para servir os ídolos de suas paixões perversas.
Há, porém, uma outra causa, que poderíamos chamar “mediata” ou “remota”, mas nem por isso menos importante para compreendermos o problema. E esta causa, irmãos, são os nossos próprios pecados. Os pecados de cada um de nós.
Sei que preferiríeis não ouvi-lo, mas o fato é que os maus sacerdotes são um castigo de Deus devido aos nossos pecados. Deixai-me ler-vos o que há vários séculos escreveu São João Eudes:
O sinal mais claro da ira divina e o castigo mais terrível que Deus pode lançar sobre o mundo é permitir que o seu povo caia nas mãos de padres que o são mais de nome que de coração, de sacerdotes que praticam a crueldade de lobos rapaces em vez da caridade de pastores zelosos. Permitir uma tal coisa é prova evidente de que Deus está irado com o seu povo, sobre o qual faz recair o mais pavoroso efeito de sua ira. É por isso que Ele clama sem cessar aos cristãos: “Voltai, filhos rebeldes, voltai, e dar-vos-ei pastores segundo o meu coração” (Jr 3, 14-15). Nesse sentido, a imoralidade da vida dos padres constitui um flagelo contra os pecados do povo.
Meus irmãos, como nos deviam fazer tremer estas palavras! O triste estado em que vemos hoje a Igreja é consequência dos nossos pecados. Estamos sendo punidos por Deus.
A crise que hoje nos assola é, ao fim e ao cabo, uma crise de santidade. Falta de santidade, em primeiro lugar, no clero; mas falta de santidade também entre os leigos. Por nossa infidelidade, provocamos a ira divina. Eis o ponto a que chegamos hoje.
Mas o que podemos fazer, agora, para ajudar a Igreja nestes tempos tão conturbados?
A primeira coisa a fazer, meus irmãos, é pedir a Deus santos sacerdotes. Nosso Senhor Jesus Cristo disse: “Pedi ao Senhor da messe que envie operários à sua messe”. A Igreja sempre viu nestas palavras a obrigação de todos fiéis a rezar e fazer penitência, a fim de que Deus nos envie santos sacerdotes.
Há cerca de cinquenta ou sessenta anos, a Igreja tinha o costume de dedicar anualmente doze dias de oração e penitência à santificação dos sacerdotes — eram as chamadas “Têmporas”. Doze dias de oração e penitência, que já não existem mais para boa parte dos fiéis, já que o costume se extinguiu com a reforma litúrgica. Com mudanças como esta, não é de espantar o quão baixo tenhamos caído! De fato, quem hoje reza pelos padres? Quem se mortifica por eles? Temo que bem poucos hoje aqui poderiam levantar a mão e dizer: “eu”. Precisamos lembrar que os fiéis têm uma grave responsabilidade na santificação do clero.
A segunda coisa que devemos fazer para ajudar a Igreja é trabalhar em nossa santificação pessoal, pois, como vimos, essa praga de maus padres é um castigo dos nosso próprios pecados. Temos de compreender que formamos um só Corpo, de modo que os pecados de um membro afetam os demais. Nossos pecados têm consequências espirituais, não só para nós, mas para as nossas famílias e para toda a Igreja, e isso de tal maneira que poderíamos dizer que, quando nos degradamos pelo pecado, é a toda a Igreja que envilecemos; mas quando, ao contrário, buscamos elevar-nos por uma vida santa, elevamos conosco toda a Igreja.
Dessa forma, queridos irmãos, todos estes escândalos devem ser para nós um apelo pessoal de conversão, uma chamada a rezarmos mais, a fazermos mais penitência, a pedirmos a Deus que se compadeça de nós e conceda à sua Igreja bons padres, santos sacerdotes, segundo o seu próprio Coração.
Três coisas, portanto, devemos ter em mente ao depararmos com um escândalo. Primeira: nossa fé não se baseia em homens, mas em Deus. Segunda: mesmo entre os doze Apóstolos, havia um traidor. E terceira: os padres precisam das nossa orações.
Reclamar e lamentar-se, irmãos, não basta. Se queremos bons e santos sacerdotes, nós todos precisamos rezar. Amém.
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