Há uma crise “sistêmica” em nossa cultura: uma aversão crescente não apenas ao patriarcado, mas a todos os elementos da sociedade influenciados pela masculinidade e pela paternidade. Trata-se de um odium patrum — um ódio aos pais hostil e canceroso para a sociedade ocidental.
Não precisamos ir longe para encontrar exemplos de parricídio na cultura americana. Um artigo de julho de 2019 publicado no Washington Post culpou os homens pelo aumento do alcoolismo entre mães, e citou uma que alegou: “O problema de fundo é nossa sociedade patriarcal que não apoia os genitores, especialmente as mães”.
Supostamente, o “patriarcado” é responsável por todo tipo de maldade: diferença salarial entre homens e mulheres, restrições ao aborto e até mesmo taxas de mortalidade entre os homens e dietas de suco detox. Essa aversão vai muito além de quaisquer resíduos de estruturas sociais predominantemente masculinas. Ela abrange não apenas tudo o que cheira a “velhos homens brancos” e “masculinidade tóxica”, mas também a tradição, o conservadorismo, a religião institucional e até figuras paternas — inclusive sacerdotes e o próprio Deus.
Basta ler atentamente os artigos de opinião do Washington Post ou do New York Times para ver manifestações quase diárias de odium patrum. A colunista do Washington Post Monica Hesse, por exemplo, cobre o bordão “gênero e seu impacto na sociedade” com manchetes provocativas como estas: “Por que tantos pais acham que têm a obrigação de monitorar a virgindade de suas filhas?”, “Precisamos falar sobre o motivo por que atiradores em massa quase sempre são homens” e “Caminhei ‘como um homem’ durante uma semana e eis o que eu percebi”. Comerciais e programas de televisão, por sua vez, acusam os homens de perpetuar a masculinidade tóxica e os retratam como incompetentes e desastrados dignos do nosso desprezo.
O que está por trás dessa aversão a quase metade da sociedade?
Em seu livro recente Primal Screams: How the Sexual Revolution Created Identity Politics [“Gritos Primitivos: Como a Revolução Sexual Criou a Política Identitária”, sem tradução portuguesa], Mary Eberstadt cataloga algumas respostas. Ela cita o “Manifesto do Coletivo Combahee River”, de 1970, como sintomático do paradigma do odium patrum em sua perspectiva de antagonismo frente aos homens [1]. Estes seriam responsáveis pelos “modos de interação habitualmente sexistas com mulheres negras, bem como pela opressão delas”.
Uma geração depois, isso se tornou, de acordo de Eberstadt, “tema de conversas diárias e realidade para todos: um mundo no qual os homens se tornaram cada vez menos honestos e confiáveis, as relações entre os sexos se tornaram cronicamente distantes e consumistas, e o matrimônio se tornou algo incomum”.
Desde a década de 1970, disparou o número de gravidezes fora do casamento nos EUA, particularmente entre os negros, fazendo com que mais de uma geração ficasse marcada pela ausência da figura paterna. “Lares desestruturados tornam distante a figura do pai, às vezes rompendo de vez o vínculo paterno”, diz Eberstadt. De forma mais ampla, a decadência da família resultou numa redução do número de homens que “oferecem afeto e companheirismo sem conotação sexual — menos irmãos, primos, tios e outros”, pessoas que em gerações passadas costumavam proteger as mulheres de homens agressivos e indesejados.
Em vez de serem vistos como protetores e provedores, os homens hoje são tratados como competidores, ou mesmo canalhas. Surgiu um novo paradigma cultural no qual as mulheres aprendem que devem competir com os homens e agir como eles. “Os homens são o padrão pelo qual as mulheres devem ser medidas”, observa Eberstadt. Além disso, como mostra a estatística sobre lares desestruturados mencionada acima — segundo a qual a figura paterna muitas vezes está ausente —, cada vez mais a sociedade tem visto os homens como pessoas não confiáveis, ou até como agressores e manipuladores. Assim, os garotos são criados “num hábitat humano em que seu próprio DNA é visto como um problema desde o nascimento”.
No fundo, é possível encontrar as raízes do odium patrum na narração bíblica da Criação.
No capítulo III do Gênesis, a serpente, representando Satanás, faz a primeira acusação contra a bondade patriarcal de Deus. A fim de tentar a mulher a comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o diabo lhe diz: “Não morrereis! Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal”. Portanto, numa reviravolta cruel, o pai da mentira faz do Pai celestial da humanidade um mentiroso que procura dominar e oprimir suas criaturas.
Essa mentira abala a compreensão que o homem tem de Deus como Pai amoroso. O Salmista escreve: “Como um pai tem piedade de seus filhos, assim o Senhor tem compaixão dos que o temem” (Sl 102, 13). A imagem do pai benevolente atinge seu clímax na parábola do filho pródigo, onde o pai (representando Deus) vê seu filho desobediente de longe, corre em sua direção, abraça-o e restitui seu lugar na família (cf. Lc 15).
Na cosmovisão judaico-cristã, os homens devem imitar o modelo do pai sábio e benevolente. Em outra passagem da Sagrada Escritura, Deus fala de sua relação com o filho do rei Davi: “Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho. Se ele cometer alguma falta, eu o castigarei com vara de homens e com açoites de homens, mas não lhe tirarei a minha graça” (2Sm 7, 14-15). Essa imagem está no coração da tradição ocidental, desde a paternidade espiritual representada perfeitamente pelos maiores santos da Igreja até os Pais Fundadores de nação americana. Não é de admirar que as nossas grandes obras literárias ou apresentem figuras paternais exemplares (O Sol é Para Todos, de Harper Lee) ou chorem sua ausência (Absalão, Absalão!, de William Faulkner).
A epidemia de odium patrum, portanto, abala não somente a civilização ocidental, por atacar seus fundamentos, mas também a relação entre a sociedade e Deus, pois Ele é visto ceticamente como mais um exemplo do patriarcado maligno a ser combatido. Essa epidemia presume, de modo autodestrutivo, que não devemos confiar em Deus e que Ele é mau, egoísta, sedento de poder e manipulador, que procura preservar seu domínio terrível sobre os oprimidos.
Mas, se não podemos confiar em Deus Pai, que esperança há para o pai comum? Afinal, a figura paterna é, por extensão, portadora das mesmas características malignas.
Indivíduos atomizados, separados de famílias estáveis e criados em comunidades carentes de figuras masculinas respeitadas e honradas, são incitados a fazer guerra contra “os pais” a fim de preservarem sua autonomia e se autorrealizarem. No entanto, ao se esforçarem para destruir seu patrimônio por meio de ataques à literatura clássica, à história e à religião do Ocidente, cometem suicídio social e até pessoal por eliminarem as estruturas essenciais à compreensão de si mesmos e do seu mundo. Eles ridicularizam e cospem nos homens que lhes legaram sua tradição intelectual e as próprias categorias de liberdade, moralidade e individualismo, que agora são usadas como armas contra seus pais. Era o que a serpente tinha em mente no jardim do Éden, e é por isso mesmo que talvez não devamos nos surpreender.
Por mais que a sociedade combata nossos pais, o divino e os humanos, não podemos extinguir a verdadeira e natural necessidade que todos temos do vínculo paterno. Somos todos filhos de pais, sejam eles bons ou maus. Tal como nos recordam até a literatura e o cinema contemporâneos, todos estamos desesperados para dar sentido e nos reconciliarmos com nossa origem natural e espiritual.
Como a ciência social já bem demonstrou, precisamos de pais que dêem estabilidade e segurança aos anos conturbados da nossa infância e adolescência. Precisamos que os pais da cultura e da sociedade nos ensinem o que é bom, verdadeiro e belo, para que não nos percamos com coisas que nos deixarão doentes ou nos matarão. Precisamos que os pais espirituais nos ensinem, guiem e ofereçam os sacramentos da vida. E, em última instância, precisamos de um relacionamento com um Pai amoroso e divino, que compreende um mundo desestruturado e nos promete redenção e esperança eterna.
Alguns podem odiar a figura paterna, mas ninguém pode fugir dela.
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