O texto a seguir não foi escrito pelo Padre Paulo Ricardo; é antes a tradução, feita por nossa equipe, de uma matéria a respeito do novo filme Cinderela, presente na plataforma Amazon Prime

Em vários trechos do artigo, a autora Anne Hendershott faz referência a fatos específicos dos Estados Unidos, mas não é novidade para ninguém que a agenda LGBT avança também em nosso país, e com a mesma estratégia do exterior — começando pelas crianças, para que se acostumem desde cedo à desnaturação da família.


Para a criança — e até para o adulto que sabe haver uma criança em todos nós —, os contos de fadas revelam verdades sobre nós mesmos e sobre o mundo. Como o psicólogo Bruno Bettelheim afirmou em seu extraordinário estudo The Uses of Enchantment (1976) [1], “as fantásticas, às vezes cruéis mas sempre profundamente significativas vertentes narrativas dos contos de fadas clássicos, podem ajudar na maior tarefa humana: encontrar um sentido para a vida”. As crianças familiarizadas com os contos de fadas compreendem que essas histórias usam a linguagem dos símbolos — não a da realidade da vida cotidiana.

As crianças sabem que as histórias de fadas não são “reais”, mas os acontecimentos reais de suas vidas tornam-se importantes graças ao sentido simbólico que se lhes atribui. Elas sabem que os eventos descritos nessas histórias aconteceram “muito tempo atrás”, num “reino muito distante daqui”. Os antigos castelos, as fadas mágicas e as florestas encantadas existem numa época única dos contos de fadas, descrita nas linhas iniciais de O Rei Sapo, dos irmãos Grimm, como um tempo muito, muito distante, “quando os desejos ainda podiam ser realizados”.

Os contos de fadas originais dos irmãos Grimm sempre tiveram uma lição moral, um aviso de que devemos ser virtuosos, ou então coisas horríveis acontecerão conosco. Os contos de fadas clássicos sempre terminavam com os ímpios punidos e o bem vencedor do mal. Embora a Disney já tenha distorcido alguns de nossos contos de fadas mais queridos — como em sua produção mais recente de A Bela Adormecida, marcada por uma personagem moralmente ambígua: Malévola —, a versão mais recente de Cinderela, da Sony, promete criar ainda mais caos na mente das crianças. Assim como num conto de fadas não deveria haver tons de cinza numa figura verdadeiramente maligna (como Malévola), será ainda mais difícil para as crianças entender como é possível que a fada-madrinha da nova Cinderela da Sony seja um homem “feroz e fabuloso” de vestido (assim o descrevem algumas resenhas).

Lançado na plataforma da Amazon Prime em 3 de setembro de 2021, o filme Cinderela da Sony apresenta Billy Porter como a fada-madrinha mágica e querida de Cinderela. Em vez da fada-madrinha idosa do clássico original da Disney, as crianças são apresentadas a um jovem gay com um vestido de baile, salto alto e uma varinha mágica na mão.

Alegando que “a magia não tem gênero”, o ator Billy Porter disse, em declaração à revista Out, que sua personagem também não tem gênero. Para os criadores da produção, chamada pelos críticos de Cinderela queer, “a próxima geração já está mais do que pronta para ver esse tipo de representação em sua mídia favorita”. “Você sabe que este é um conto de fadas clássico para uma nova geração, e eu acho que a nova geração está realmente pronta. Sabe, as crianças estão prontas. São os adultos que estão atrasando as coisas”, declarou Porter.

A parte mais triste de tudo isso é que Billy Porter está certo: muitas crianças estão realmente prontas. Para as que estão matriculadas em escolas públicas progressistas de todo o país, a fluidez de gênero vem sendo ensinada desde os primeiros dias no jardim de infância. Elas podem ter participado de uma Drag Queen Story Time [2] na biblioteca local, ou até mesmo recebido visitas de drag queens na escola.

A agenda LGBTQ faz parte do currículo das escolas públicas há quase uma década e, em alguns distritos escolares, os pais não podem mais optar por preservar os filhos da exposição a essa ideologia. Elas já leram que Heather has Two Mommies [3] e foram apresentadas à ideia de que também elas podem mudar de “gênero” a qualquer momento. Existem em muitos distritos escolares Gay-Straight Alliances para crianças, mesmo nos anos iniciais  do ensino fundamental [4], já que elas são incentivadas a abraçar qualquer “gênero” e “orientação sexual” que desejarem.

A partir de agora, a Sony tornará mais fácil para a comunidade LGBTQ alcançar um público ainda mais jovem — as crianças em idade pré-escolar. Embora Billy Porter tenha respondido bruscamente a um repórter de Page Six dizendo: “Se você não gosta, não assista!”, ao ser criticado por usar vestido em sua aparição no programa norte-americano Sesame Street, da PBS, é difícil ignorar o bombardeio constante da mídia contra crianças muito pequenas, até mesmo em idade pré-escolar [5]. Agora que a ideologia atingiu programas infantis e nossos contos de fadas mais queridos, é quase impossível evitá-la.

Isso é triste porque os contos de fadas são importantes. Eles falam diretamente à criança num momento em que o maior desafio dela é trazer alguma ordem ao caos interior de sua mente. Essas histórias ajudam as crianças a se entender melhor, condição necessária para alcançar alguma coerência entre suas percepções e o mundo externo. Confirmando suas experiências e pensamentos íntimos, os contos de fadas ajudam as crianças a se sentir aprovadas.

Na obra Ortodoxia, G. K. Chesterton escreve: “Minha primeira e última filosofia, aquela em que acredito com certeza inquebrantável, eu a aprendi na creche… As coisas em que mais acreditava naquela época, as coisas em que mais acredito agora, são as coisas chamadas de contos de fadas”. Chesterton está falando sobre a moralidade dos contos de fadas:

Há a lição cavalheiresca de Jack, o matador de Gigantes, segundo a qual os gigantes deveriam ser mortos porque são gigantescos. É uma revolta viril contra o orgulho… Há a lição de Cinderela, que é a mesma do Magnificatexaltavit humiles (Exaltou os humildes). Há a grande lição de A Bela e a Fera de que uma coisa deve ser amada antes de ser amável... Estou me referindo a certa maneira de ver a vida que foi criada em mim pelos contos de fadas.

Quando Chesterton diz que os contos de fadas são “coisas inteiramente razoáveis”, Bettelheim afirma que ele “está falando deles como experiências, como espelhos da experiência interior, não da realidade; e é assim que a criança os compreende”.

Embora sejam contos morais, os contos de fadas são mais do que “fábulas”. As fábulas nos dizem o que devemos fazer e, embora possam ser divertidas, exigem muito de nós. Elas são um apelo à ação. Em contrapartida, a mensagem do conto de fadas opera no inconsciente, oferecendo às crianças soluções para problemas que elas nem conseguem reconhecer por si mesmas. Os melhores deles — incluindo os clássicos dos irmãos Grimm ou de Hans Christian Andersen — abordam a situação existencial. Em The Uses of Enchantment, Bettelheim afirma: “O conto de fadas tranquiliza, dá esperança para o futuro e traz a promessa de um final feliz… É por isso que Lewis Carroll chamou ao conto de fadas um presente de amor”.

Essas histórias ainda são importantes hoje. Na verdade, são provavelmente mais importantes do que nunca, à medida que tentamos encontrar um significado em nossas vidas cada vez mais desoladas. É cada vez maior o número de crianças que não são criadas numa comunidade amorosa, na qual a Igreja ofereça uma fonte de significado. Os contos de fadas são “totalmente morais” porque o seu ouvinte compreende que a verdadeira felicidade e a paz dependem de certos preceitos ou condições morais. Quando estes são quebrados, não pode haver paz nem felicidade. 

Como disse um escritor: “A condição pode variar de acordo com o conto, mas os contos imitam o grande ensinamento do Gênesis ao declarar que Deus mesmo fez depender toda a felicidade futura de uma, e apenas uma, condição: tu podes comer de todas as outras árvores, mas desta não”. Quando Eva desprezou a condição, a morte entrou no mundo. Como nos lembra Chesterton, os melhores contos de fadas — como todas as grandes histórias — “documentam o imperativo moral de que existe uma condição e que, se a condição for quebrada, então o inferno pode muito bem acontecer”.

A Cinderela de Billy Porter está longe de ser o “presente de amor” de que fala Lewis Carroll. Porter e a comunidade LGBTQ sabem do poder do conto de fadas e é por isso que estão tentando remodelá-lo à sua própria imagem. Eles não podem permitir que as crianças aceitem a ideia de amor entre um homem e uma mulher como algo natural; não podem deixar as crianças verem que se apaixonar e se casar é “normal”. Billy Porter e a comunidade LGBTQ — entre os maiores apoiadores da Sony — sabem que é preciso distorcer um belo conto de fadas como Cinderela para promover a ideologia depravada e destrutiva segundo a qual é possível escolher um “gênero”, já que a sexualidade não seria um presente de Deus [6].

Notas

  1. Este livro foi traduzido no Brasil sob o título “A psicanálise dos contos de fadas” (N.T.).
  2. Drag Queen Story Time é uma iniciativa da agenda de gênero norte-americana travestida de programa de incentivo à leitura para crianças. Segundo a Wikipedia, “os eventos, geralmente preparados para crianças entre 3 e 11 anos de idade, são conduzidos por drag queens que leem livros infantis e participam de outras atividades de ensino em bibliotecas públicas” (N.T.).
  3. Em língua portuguesa, há um título muito parecido com este, produzido com a mesma finalidade e também vendido para o público infantil: Olívia tem dois papais (N.T.).
  4. Gay-Straight Alliances (GSAs), lit. “Alianças de Gays e Heterossexuais”, são clubes escolares liderados ou organizados por estudantes supostamente tendo em vista “criar um ambiente escolar seguro, acolhedor e aceitável para todos os jovens, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero” (N.T.).
  5. O programa Vila Sésamo, do Brasil, é uma coprodução do programa norte-americano Sesame Street. Salvo engano, não nos consta que a aparição de Billy Porter tenha chegado à versão brasileira do programa (N.T.).
  6. No original: to promote the deviant and destructive ideology that gender is a choice—not a gift from God. Assim como na língua inglesa, também no português o termo “gênero” é usado como sinônimo de “sexo”. Para evitar que os nossos leitores se confundam, no entanto, modificamos a frase, de modo a deixar bem clara a distinção entre a realidade e a ideologia (N.T.).

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