Há uma seção na obra O senso religioso, do monsenhor Luigi Giussani, na qual ele identifica várias formas de evasão em que as pessoas se refugiam ao ser confrontadas com as incômodas questões a respeito do fim da vida. É o caso, por exemplo, do sentido da própria existência, no qual muitas pessoas curiosamente parecem não ter interesse. A seção chama-se “Esvaziando o problema”, onde se reproduz uma conversa entre um conhecido jornalista italiano, Augusto Guerriero, autor de uma coluna popular sobre política, e um leitor angustiado, que o procura em busca de respostas a perguntas que não têm nenhuma relação com política, mas que, não obstante, o angustiam dolorosamente. “Recorro ao sr. porque é o único que pode me ajudar”, escreve ele. E após documentar suas dificuldades, que incluem vários anos como prisioneiro de guerra, onde contraiu tuberculose, ele implora por uma carta que “seria um grande alívio para mim e me deixaria mais forte. Eu peço, por favor, que me ajude.”

Como Guerriero poderia recusar? Bem, ele não nega o pedido, mas a carta que escreve não traz nenhum tipo de alívio. Ele pergunta: 

Que bem faria a escrita de uma carta? Só escrevo sobre política, e qual seria a serventia de lhe escrever sobre esse tema? Você precisa de alguém que escreva sobre outros assuntos, e eu jamais escrevo sobre outras coisas; na verdade, nunca penso nelas. E é justamente por não pensar nelas que escrevo sobre política e também é por isso que elas não significam nada para mim. Desta forma eu consigo não pensar em mim e no meu sofrimento. Este é o problema: encontrar uma forma de nos esquecermos de nós e do nosso sofrimento.

Portanto, a solução para os problemas é nunca pensar neles. Assim, a pessoa mergulha em muitas atividades sem propósito para não precisar enfrentar a vida de modo algum. Ou a morte. Não se pergunte para onde está indo sua vida; certifique-se apenas de que chegará ao destino o mais rápido possível. Em outras palavras, a tendência é esquecer a finalidade, ou simplesmente deixá-la de lado por ser muito perturbador, a fim de redobrar os meios. Pascal teria compreendido isso. “Caminhamos de modo irresponsável em direção ao abismo”, diz ele em seus Pensamentos, “depois de colocarmos diante de nós algo que nos impeça de enxergá-lo”. Portanto, dizemos a nós mesmos que só a diversão é capaz de aliviar nossos sofrimentos e deixamos de reconhecer que, como nos recorda Pascal novamente, “ela é a maior das nossas misérias. Pois é aquilo que, acima de tudo, nos impede de pensar em nós mesmos e nos leva à destruição”. Ela nos adormece e deixa anestesiados, impedindo-nos de fazer perguntas verdadeiras, ou seja: Quem sou eu? Qual é o sentido da minha vida? 

Entre as diversões que experimentamos e com as quais nos distraímos, a política é talvez a mais urgente e onipresente. Na verdade, só é possível escapar de suas consequências se entrarmos num mosteiro cartuxo. “Pessoas decentes deveriam ignorar a política”, recomendou William Buckley em 1965, “caso pudessem ter certeza de que a política as ignoraria”. É claro que, naquela época, ele estava disputando as eleições para prefeito de Nova Iorque. Portanto, obviamente a política não o ignorava. Na verdade, boa parte de sua vida foi consumida pela política ao mesmo tempo que ele a censurava, rotulando-a de “preocupação dos parcialmente educados”. 

“Se você não consegue suportar o calor, então saia da cozinha”, costumava dizer Harry Truman. E, como todos sabem, a política acontece na cozinha; portanto, está em todo lugar. O que devemos fazer em relação a ela?

A resposta resumida é que não devemos absolutizá-la. Não queremos trilhar esse caminho, pois ele está coberto de ídolos. Nenhum bem finito, por mais necessário ou nobre que seja, pode carregar um fardo tão pesado.

Somente Deus é digno de uma busca sublime, somente Ele nos pode divinizar. A Sagrada Escritura nos diz: Nolíte confídere in princípibus, in fíliis hóminum, in quibus non est salus, “Não coloqueis nos poderosos a vossa confiança, são apenas homens nos quais não há salvação” (Sl 145, 3). Nenhum governante nos salvará; somente Deus nos pode salvar [1]. Ele está disposto a fazer isso, desde que não o troquemos por algum bem menor.

Se você quer salvar o mundo (algo que todo jovem idealista deseja fazer), é melhor começar em casa; assim, depois de tentar se aperfeiçoar, você terá algo a oferecer ao mundo.

Por outro lado, como Cristo veio para consagrar a humanidade inteira, e como a política é uma parte inescapável da vida humana, seria imprudente ignorá-la de todo ou (o que poderia ser pior) relegá-la a outros para que seu exercício não nos maculasse a alma. O fato é o seguinte: a religião, que é a vida da fé, é parte do bem comum humano, que, por sua vez, deve ser buscado e assegurado pela política.

“A religião não diz respeito somente à vida futura”, diz o Cardeal Jean Daniélou em seu notável opúsculo Oração: problema político; “é um elemento constitutivo desta vida. Como a dimensão religiosa é uma parte essencial da natureza humana, a sociedade civil deveria reconhecê-la como um elemento constitutivo do bem comum pelo qual ela mesma é responsável”. Negá-lo, argumenta ele, “nos transformaria em vítimas da forma mais detestável de idealismo, que separa a existência espiritual de seu substrato material e sociológico”.

Devemos sempre lembrar que a política não é Deus; pensar o contrário é uma afronta a Ele. Todavia, a política pode mostrar-se útil para facilitar a nossa aproximação de Deus, particularmente nesta época, em que se tornou mais urgente do que nunca recordar a condição daquelas coisas que ela não fará por seus cidadãos.

Notas

  1. Nesta parte do texto original, o autor, norte-americano, faz uma referência direta e inequívoca ao atual presidente de seu país: “Joe Biden não nos salvará, tampouco o sistema de conscientização (woke) por ele despertado em todo o país”. Cada um aplique a afirmação da Escritura a sua situação concreta, pois, seja qual for a orientação política a que pertençam os poderosos deste mundo, nenhum deles nos pode salvar (N.T.).

O que achou desse conteúdo?

0
0
Mais recentes
Mais antigos