Todos já estão sabendo. A Suprema Corte de nosso país, cujos membros parecem situar-se há muito tempo "acima do bem e do mal", sentenciou há uma semana, no julgamento de um caso concreto, que não é crime o abortamento até o terceiro mês de gravidez.

O argumento do ministro Luís Roberto Barroso — a cujo voto subscreveram igualmente os ministros Rosa Weber e Edson Fachin — é de que "a criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade". Qualquer um pode ler, na íntegra, a explicação do magistrado. No seu parecer, punir o aborto seria incompatível com "os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada", e atentaria até mesmo contra "a igualdade da mulher, já que homens não engravidam (sic) e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria".

Com esses argumentos, na verdade, abrem-se as portas — ou melhor, escancaram-se — para a descriminação total do aborto em nossa nação. A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal atinge um caso específico, de Duque de Caxias (RJ), mas o seu conteúdo não destoa em nada da velha cantilena do movimento feminista e das organizações internacionais para despenalizar a prática. O problema é que isso, agora, consta na jurisprudência da mais alta instância do Poder Judiciário e pode ser usado amplamente pelos juízes país afora. Não resta dúvidas: estamos diante da mais descarada tentativa de legalizar o aborto no Brasil.

Além de nossa mais profunda revolta não só como cristãos, mas como cidadãos brasileiros — afinal, não é necessário ter uma fé religiosa para ser contrário ao aborto —, os argumentos apresentados pelo ministro Barroso para liberar o aborto no primeiro trimestre de gravidez são terrivelmente graves e precisam de uma resposta. O seu parecer pisa nas leis de nosso país, zomba do povo brasileiro — que se sabe ser majoritariamente contrário à descriminalização do aborto — e procura legitimar uma injustiça que, mesmo se não fosse repelida por nossos diplomas legais, sempre mereceu e sempre merecerá a nossa veemente repulsa e oposição.

Comecemos pela mais elementar das lições, compreensível até pelos rábulas: cada esfera do poder político tem as suas competências. Dizer o que é crime e o que deixa de sê-lo é atribuição regular não de quem julga, mas de quem faz as leis; não é tarefa de um tribunal, mas do parlamento; não cabe ao STF, portanto, mas ao Congresso Nacional. A decisão da Primeira Turma do Supremo simplesmente exorbitou de suas funções, para dizer o mínimo. Imaginem só se "a moda pega" e os juízes agora desatinam a julgar arbitrariamente, de acordo com a sua posição política ou ideológica: de que servirão as leis, senão para serem calcadas e lançadas ao lixo?

O ministro Luís Roberto Barroso.

Não que esperássemos uma opinião diferente vinda do ministro Barroso, já que foi ele o advogado da ADPF 54, ação que despenalizou no Brasil, em 2012, o aborto de anencéfalos. O que não se compreende é como as suas opiniões privadas podem valer mais que as leis de nosso país: leis que põem a salvo, "desde a concepção, os direitos do nascituro" (Código Civil, art. 2.º); leis que criminalizam o aborto, incluindo-o na seção de "crimes contra a vida" (cf. Código Penal, arts. 124-127); leis que manifestam, até os dias de hoje, a posição majoritária da população brasileira a respeito do assunto. Se não gostava da atual legislação e pretendia alterá-la, o lugar a que deveria aspirar o ministro era a cadeira não da Suprema Corte, mas da Casa de Leis. Se queria inovar em matéria legal, que mostrasse o rosto diante da nação e apresentasse honestamente e à luz do dia as suas propostas, ao invés de criar "à canetada" as normas que lhe aprazem, passando por cima das que já existem e vigoram.

Quanto ao instante em que começa a vida, o ministro diz, peremptoriamente, que "não há solução jurídica para esta controvérsia", e que "ela dependerá sempre de uma escolha religiosa ou filosófica de cada um a respeito da vida". Resta-nos perguntar, então, que valor têm a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que tutela o direito à vida "desde o momento da concepção" (art. 4), e o Código Civil brasileiro, que "põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro" (art. 2.º). Trata-se de dois diplomas legais ou, novamente, o ministro só consegue enxergar os "direitos fundamentais" e as "soluções jurídicas" que lhe apetecem?

E as ciências, será que não têm nada a dizer sobre o assunto, ou só se recorre a elas quando respaldam as preferências dos magistrados? Já não está "amplamente reconhecido que, biologicamente, o único 'salto qualitativo' relacionado à transmissão da vida advém do ato da fecundação" [1]? O que falta acrescentar a um óvulo fecundado para que ele se torne um ser humano?

A deduzir das teses patrocinadas por Barroso, talvez o que lhe falte seja precisamente a chancela da mulher, a sua decisão livre e "autônoma" de levar adiante a gestação. E é desse modo que, sem nenhum pudor ou remorso, nossos ilustres magistrados reescrevem o art. 5.º da Carta Magna. "Todos são iguais perante a lei", sim, diz o texto constitucional, mas uns são "mais iguais" que outros, interpreta a Primeira Turma do Supremo; iguais "sem distinção de qualquer natureza", sim, continua a Lei, exceto se a vida for intrauterina, intervém o Supremo; garante-se "aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida", sim, é claro, mas só depois de completado o primeiro trimestre da gestação, dizem enfim aqueles a quem compete, "precipuamente, a guarda da Constituição" (CF, art. 102).

Mas para que serve a Constituição, se da simples leitura de suas linhas não conseguimos mais extrair nem mesmo o respeito à "dignidade da pessoa humana", que é um dos fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito? Se assassinar um ser humano inocente no ventre de sua mãe não é crime, então o que será crime? Se não protegemos a vida nem de nossos membros mais frágeis e indefesos, do que seremos capazes de zelar? "Se nós aceitamos que uma mãe pode matar o seu próprio filho", em suma, "como podemos dizer às outras pessoas para não se matarem?" [2]

Ainda que uma "classe de intocáveis" lute por implantar o aborto no Brasil, custe o que custar, ao arrepio das leis e da autonomia dos poderes, o povo brasileiro não pode permitir que isso aconteça. Pressionemos o nosso Poder Legislativo, para preservar "sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes" (CF, art. 49, XI). Os ministros do Supremo Tribunal Federal não podem contrariar a decisão soberana da população, que por inúmeras vezes já rejeitou a descriminalização do aborto por via legislativa. Não permitamos que roubem a vida de nossos filhos!

Referências

  1. Luciano Eusebi, La tutela penale della vita prenatale. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale. Milão. fasc. 3, luglio-settembre 1988, p. 1064.
  2. Madre Teresa de Calcutá, Speech to the National Prayer Breakfast (Washington, February 3rd, 1994).

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