O coração sempre foi considerado o centro vital do corpo humano. Não há que se falar em morte se o coração de uma pessoa continua a bater. (Ainda que se defenda, hoje em dia, a “morte encefálica”, não deixa de ser no mínimo uma ousadia tremenda arrancar os órgãos de uma pessoa cujo coração continua a pulsar e cujo pulmão continua a inspirar, por mais que toda sua atividade cerebral tenha cessado.)

Seja como for, essa convicção é tão forte, tão evidente, que uma pessoa, quando quer tirar a vida de outra — ao invés de simplesmente machucá-la ou assustá-la —, não mira em outro lugar senão no coração, o órgão vital. 

Não é diferente com o aborto realizado no último trimestre de gestação — exatamente o que se deu na menina de 11 anos, de Santa Catarina, cuja história foi explorada com grande interesse pelos jornais de esquerda e apresentada como uma “gravidez decorrente de estupro” (quando se ficou sabendo, depois, não ter sido o caso).

Mas, fosse a gestação precedida ou não de uma violência, o violento procedimento que pôs fim à vida da criança de 7 meses não mudaria sua natureza: para cessar os batimentos cardíacos do nascituro, administra-se-lhe uma injeção de Digoxina e dentro de algumas horas (até dias, talvez!) sua mãe entra em trabalho de parto e dá à luz uma criança morta. 

Esta não é a única forma de realizar um aborto, mas é a que prevalece em estágios mais avançados de gravidez.

À luz disso, malgrado todo aborto ser uma irracionalidade, salta ainda mais aos olhos o procedimento em circunstâncias como as que se deram em Santa Catarina. Pois, se o argumento, amplamente noticiado, era que a menina em questão não tinha “estrutura física” para levar adiante a gestação, então que se induzisse o parto prematuro do bebê, dando-lhe ao menos a chance de viver — como queria, por exemplo, a juíza que estava cuidando do caso!

Mas não! Era preciso fazer o aborto! De qualquer jeito! Quem essa juíza pensa que é, para impedir um “aborto legal” (embora, como já dito, não houvesse estupro coisíssima nenhuma)? 

Como já dito, no entanto, com ou sem violação sexual, o procedimento de aborto seria o mesmo: parar o coração e tirar um corpo morto. A intenção é a mesma de quem quer matar, porque é disto mesmo que se trata: um assassinato. E só mesmo a sanha incontrolável de matar pode explicar o fenômeno lamentável a que todo um país teve de assistir ontem — mas não sem que tivéssemos rezado, telefonado para o hospital e lutado de alguma forma para impedir que o pior acontecesse. 

Hoje, solenidade do Sagrado Coração de Jesus, somos positivamente surpreendidos pela notícia de que, no norte do continente americano, foi revertida a terrível decisão judicial Roe v. Wade — que em 1973 autorizara o aborto em todo o território dos Estados Unidos. Agora, cada unidade da federação norte-americana é livre para fazer as próprias leis a respeito do tema — inclusive proibir criminalmente a prática (coisa que muitos estados já queriam fazer há tempos!).

“Deixai vir a mim as criancinhas”, de Carl Bloch.

Mas não nos esqueçamos que, ao longo de 49 anos, nenhuma das vidas que foram ceifadas por essa decisão iníqua terá outra oportunidade. Seus corações pararam de bater para sempre, seus corpos foram sepultados (ou, antes, descartados) nos lixos dos hospitais para não mais tornar a viver. Também o bebê de Santa Catarina teve a mesma sorte e, enquanto houver crianças padecendo vítimas de nossos egoísmos, caprichos e irresponsabilidades, haverá no céu um corpo humano (com um coração humano) a pedir de nós oração e reparação. 

A Igreja, nestes dias, celebrou justamente o Corpo de Cristo (Corpus Christi) e agora celebra seu Sacratíssimo Coração, dando ênfase à dimensão humana da nossa salvação. Pois justamente para nos fazer entender como nos ama, Deus se fez um de nós, assumiu o nosso corpo, tomou um coração humano. 

Mas quando os próprios homens se tornam incapazes de respeitar os corpinhos dos mais inocentes e indefesos de seus semelhantes, aplicando-lhes injeções para fazer parar seus coraçõezinhos, como esperar que eles compreendam a grandeza do mistério do Deus que se fez homem? Quando o corpo e o coração humanos, que vemos, já não valem nada, como poderemos apreciar devidamente o Corpo e o Coração de um Deus, a quem não vemos?

Por isso, fazer cessar essa barbárie chamada aborto não é uma exigência religiosa, mas sim uma necessidade civilizacional, um pressuposto básico de humanidade, sem o qual é impossível ao homem elevar-se — inclusive para fazer uma experiência autêntica de fé.

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