O ponto central da Revelação, no sentido católico, é que o mundo existe, em si mesmo, como uma arena na qual pessoas individuais — cada uma com um nome próprio, em suas relações umas com as outras, seja qual for o tempo ou o lugar — trabalham tendo em vista a sua salvação. A salvação não corresponde à preservação de apenas alguns homens ao longo das eras deste mundo. Cedo ou tarde, a raça humana desaparecerá deste planeta. A salvação reconhece que a espécie humana tem se reproduzido, geração após geração, desde o seu início. O atual número de pessoas, sete ou oito bilhões, é o maior de que temos notícia na história. Os bens naturais do mundo foram postos nele a fim de que o homem aprendesse o que são e como deve usá-los. Os bens sub-humanos só adquirem propósito definitivo por meio desse propósito do homem. 

Essa dependência permanente em relação à riqueza natural existente no planeta era, ela mesma, uma função da inteligência e da capacidade criadora do homem. Depois de sua criação, o homem não recebeu tudo pronto. Ele foi criado, no dizer de Aristóteles, não com garras ou couraça, mas com “uma mente e uma mão” para que pudesse aprender a se sustentar. Esse poder implícito da mente foi a confiança inicial que Deus teve ao criar no mundo um ser racional.

Porém, este mundo não foi dado ao homem para que este dele cuidasse como seu fim último, senão para que, vivendo nele e tratando dele, ele pudesse alcançar a salvação pessoal de cada ser humano, que de modo concreto significa participar da vida trinitária interior de Deus. Isso sugere que não somente a existência de Deus é central para o que somos. Também as nossas mentes nos foram dadas, não apenas para que as possuíssemos, mas para que, por meio delas, pudéssemos conhecer a verdade das coisas. Ademais, esse Deus é trinitário, um único Deus com uma diversidade de pessoas, uma comunhão ou, se preferir, uma amizade.

O catolicismo alega ser verdadeiro, mas apenas com base na evidência, na razão e em testemunhos confiáveis. Essa alegação é, hoje, apenas uma cega veleidade. Se ele for apenas mais uma forma de humanitarismo inconclusivo que se dá bem com qualquer coisa por não se distinguir de nada, não vale a pena dar muita atenção a ele. Mas ele não é apenas mais uma forma de relativismo ou opinião sem fundamento. Por isso, não pode deixar de lidar com posicionamentos que o consideram falso. Escrevi um livro cujo título é justamente The Mind That Is Catholic [“A Mente Católica”, sem tradução portuguesa]. O catolicismo é uma religião intelectual. Se nenhum argumento puder ser feito em favor de sua validade, ele não será crível. Chesterton encerra seu livro Hereges, publicado em 1905, afirmando que os últimos defensores da razão no mundo moderno seriam os crentes naquela inconfundível Revelação que é a única que se dirige à razão.

Se a minha compreensão da mente moderna estiver correta, já atingimos o ponto que Chesterton anteviu há mais de cem anos. O catolicismo defende praticamente sozinho a razão que é baseada na integridade da mente em relação ao que é. Somos os últimos a sustentar que o mundo nos foi dado, e não criado por nossa própria mente. Porém, com essa mesma mente, nós descobrimos e articulamos o que é. Num mundo onde o relativismo é institucionalizado, qualquer reivindicação da verdade é repreendida como arrogante ou fanática. Os católicos parecem presunçosos metidos que duvidam dos preconceitos básicos da mente moderna — e de fato eles duvidam.

A reivindicação da verdade, tanto da razão como da Revelação, de fato enlouquece o mundo moderno. Como sugere o Evangelho de João, a verdade incita a perseguição que Cristo disse que seus discípulos deveriam esperar. As doutrinas mais razoáveis do catolicismo parecem loucura num mundo que nega qualquer ordem, na natureza ou no ser humano, que não tenha sido estabelecida pelo próprio homem. Também parece loucura para aqueles que se habituaram a considerar normais aberrações como o aborto, vícios oriundos da internet, divórcio e experimentos com fetos, só porque eles se tornaram frequentes. Mas até a palavra “loucura” perde o sentido quando não há nenhuma ordem ou nada normal que possa ser usado como termo de comparação.  

No Ofício Divino para o Domingo da Santíssima Trindade, Santo Atanásio (morto em 373) fala da vida interior da Divindade. Essa é a doutrina sobre a realidade que mais desafia nossa razão a ser, ela mesma, mais razoável. Atanásio nos aconselhou a estudar o antigo e tradicional ensinamento da Igreja Católica. Ele foi revelado pelo Senhor, proclamado pelos Apóstolos e protegido pelos Padres da Igreja. Se o abandonássemos (lapse from this teaching), não seríamos católicos “de fato nem de nome”. Sem dúvida, vivemos num mundo cheio de católicos não praticantes (lapsed Catholics), num mundo que costuma rejeitar qualquer proposição que inclusive alegue ser verdadeira.  

De algum modo, a rejeição da Revelação nos torna menos capazes de conhecer e enxergar o que é. Desde o início dos tempos foi-nos revelado o que precisávamos saber para a nossa salvação — em si mesmo, o propósito da Encarnação — a fim de que escutássemos, isto é, entendêssemos a Palavra que agora se tornou carne e assim pudéssemos aprender em nossa própria língua. Deus não foi negligente por não nos ter dito mais. Ele não revelou todos os outros detalhes para que não houvesse nada de que nos pudéssemos dar conta por nós mesmos. É difícil superestimar a importância desse fato. Ele nos deixou amplas lacunas a fim de que pudéssemos usar nossos próprios cérebros. Essa revelação sobre a vida interior de Deus foi dada a nós. Como consequência, nós também viemos a conhecer mais do que poderíamos saber sobre todo o resto.

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