A presente pandemia do novo coronavírus desenterrou os temores de muitas pessoas de fé com relação ao fim dos tempos. As igrejas católicas fechadas no mundo inteiro e o culto público a Deus suspenso por tempo indeterminado remetem-nos quase de imediato à supressão do holocausto perpétuo, tal como profetizada no livro do profeta Daniel (cf. 9, 27). Some-se a este cenário praticamente inaudito na história da Igreja a apostasia geral que há da verdade, e é como se todas as peças do quebra-cabeça se encaixassem…
A bem da verdade, embora não haja Missas públicas, nem por isso o santo sacrifício deixou de ser rezado pelos sacerdotes, com o que não seria exato falar de “cessação” ou até “abolição” do sacrifício em nossos tempos. Além disso, por mais terrível que esteja a situação da estrutura humana da Igreja, nossos templos continuam a guardar o Corpo e o Sangue do único e verdadeiro Deus. Por isso, a “abominação desoladora” de que fala o mesmo profeta Daniel (cf. 11, 31; 12, 11) — e que tantos já evocaram recentemente — tem suas aplicações à nossa época, sim, mas cum grano salis. Certamente há coisas muito piores por vir.
Comecemos lembrando que os sinais que precedem o fim do mundo foram dados pelo próprio Senhor. Ainda que Ele tenha alertado: ninguém sabe o dia nem a hora (cf. Mc 13, 32), mas nem por isso seus discípulos ficaram completamente “no escuro”. Precederiam a segunda vinda de Cristo a pregação do Evangelho por todo o mundo, a conversão dos judeus, a apostasia da fé, a aparição do Anticristo e, além disso, grandes calamidades (cf. Ott, T. Dogm., pp. 712-714) — de cuja lista não estão excluídas as pestes (cf. Mt 24, 7).
Tudo isso está no Evangelho, para quem quiser ler, e em fidelidade às palavras de Jesus, também o atual Catecismo fala amplamente sobre o tema (cf. nn. 668-682). Tocar nesse assunto, portanto, não é alimentar “teorias da conspiração”, mas simplesmente falar de nossa fé católica. No Credo, todos os fiéis são chamados a confessar que Cristo, do Céu, “há de vir a julgar os vivos e os mortos” — e não de qualquer modo, sed cum gloria, como diz o Símbolo niceno.
Mas uma coisa é crer nisso, outra bem diferente é transformar essas verdades em objeto de uma curiosidade malsã.
Pois é sentença certa em teologia que “os homens desconhecem o momento em que Jesus virá de novo” (Ott, T. Dogm., p. 714), e ponto final. A nós não cabe conhecer os tempos e momentos que o Pai fixou com sua própria autoridade (cf. At 1, 7). A curiosidade humana pode tornar-se pecaminosa por várias razões, e uma delas, segundo Santo Tomás de Aquino, é
quando alguém ambiciona conhecer uma verdade superior às suas possibilidades, pois assim cai, facilmente, em erros. Por isso, diz o livro do Eclesiástico (3, 22): “O que é muito difícil para ti, não o procures; o que está acima de tuas forças, não o investigues nem sejas curioso a respeito das muitas obras dele”. E depois acrescenta (v. 26): “Muitos se transviaram por suas especulações; sua imaginação perversa falseou seus pensamentos” (STh II-II 167 1 c.).
Acontece muitas vezes, é verdade, de o Céu adiantar-se, por assim dizer, revelando de maneira privada os desígnios divinos para determinadas épocas. Foi o que aconteceu em La Salette, em Lourdes e em Fátima, e pode acontecer também agora, porque Deus é livre para comunicar-nos a sua vontade da forma que achar mais conveniente. O que não podemos é perder de vista a intenção e a essência do que Ele nos quer transmitir. Não é correto, diante dos apelos e mensagens autênticas do além, comportar-nos como “adivinhos católicos”, usando-os simplesmente para fazer conjecturas e roteiros apocalípticos, como se fosse menos verdade, agora, que o futuro de fato a Deus pertence, e que, “quanto àquele dia e àquela hora, ninguém o sabe, nem mesmo os anjos do céu, mas somente o Pai” (Mt 24, 36).
Quando nos envia seus mensageiros (e Deus realmente no-los envia); quando Ele manda, por exemplo, que sua Mãe santíssima apareça (como em tantos lugares apareceu), predizendo castigos e anunciando desgraças, os avisos celestes vêm sempre acompanhados de condições: se não se fizer isto, dar-se-á aquilo. Os alertas das revelações privadas são sempre um eco da Palavra eterna que diz: “Se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo” (Lc 13, 3). Porque, no fundo, o que importa é isto: a nossa conversão, o arrependimento dos nossos pecados, a reforma da nossa vida.
Assim como não interessava, naquela ocasião, se os galileus mortos por Pilatos e os homens sobre os quais caiu a torre de Siloé eram mais pecadores que o resto, também hoje tampouco nos interessam as minúcias dos próximos capítulos do presente flagelo ou os eventos finais de nossa salvação. O fato é que, se não nos convertermos; se não aproveitarmos o que Deus bondosamente tem permitido em nossas vidas para fazer penitência por nossas faltas, lembrar-nos que temos uma alma, meditar em que, com ou sem coronavírus, todos um dia morreremos e seremos julgados... nós pereceremos. E não de uma morte física, mas da morte eterna.
Concentremo-nos nesta verdade, meditemos sobre isto em oração: a vida eterna é o que ficará; por isso, é com ela que devemos nos preocupar, acima de tudo. Nesses dias em que só se tem notícia de infectados e mortos, complôs e desinformações, crises e colapsos, somos constantemente tentados à curiosidade e à angústia, à ansiedade e até ao desespero. Mas eis com que palavras Nosso Senhor quer consolar-nos nestes dias:
Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas essas coisas vos serão dadas em acréscimo. Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado (Mt 6, 31-34).
Isso é muito difícil, porque somos assaltados de todos os lados pelo mundo, e as vozes parecem gritar-nos na cabeça: “Preocupe-se! Preocupe-se! Preocupe-se!” Mas o que Jesus nos manda é possível, sim, se pedirmos cada vez mais fé no Deus providente, que cuida com muito mais desvelo de nós que dos pássaros do céu e das ervas do campo; se meditarmos em que o amanhã desta vida não nos está garantido (ou seja, eu posso morrer hoje), mas o amanhã da vida eterna virá e, se eu estiver na graça de Deus, viverei com Ele e serei feliz para sempre ao seu lado.
Quando o Céu nos visita, é para recordar-nos isso (e quando nos castiga, é para evitar que nos condenemos ao inferno). Não se trata de pôr-nos um medo mundano e encher-nos a cabeça de preocupações e previsões de um futuro terreno, mas de convidar-nos ao amor, e à meditação do único futuro que não passará jamais. Se entendermos isso, olharemos de outro modo tanto para as notícias de todos os dias, quanto para as profecias dos últimos dias (sejam elas ou não dignas de crédito).
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