O verdadeiro feminismo, se é lícito assim exprimir-nos, já o esboçam as Sagradas Escrituras, naquele último capítulo do livro dos Provérbios, em que se nos traça o magnífico perfil da “mulher forte”. E note-se que a versão grega, em vez de “mulher forte”, diz precisamente “mulher varonil”, o que representa, mais ou menos, o sonho dourado do feminismo.

A mulher, porém, que aí se equipara ao homem, não é a que abdica os deveres da sua condição e do seu sexo, mas, sim, a que sabe cumpri-los com máscula energia e firmeza. Nela confia o coração do marido, que não precisa de outras riquezas: basta-lhe uma tal esposa. O seu distintivo é o trabalho; nem de noite se lhe apaga a vigilante candeia. As suas mãos não desdenham a roca e o fuso; sabem tecer a lã e o linho. No seu lar não faltam as melhores roupas. Vigia e sustenta a casa. Vende os produtos do seu trabalho, compra terrenos, planta vinhas e provê ao futuro da família.

Mas nem por isso lhe esquecem as obras de misericórdia. Abre a mão para o necessitado e estende os braços ao pobre. Cultiva o espírito, para falar com sabedoria e doçura. Não teme as intempéries do tempo nem da fortuna, porque, à semelhança dos seus vestidos de púrpura e bisso, resplandecem nela tanto a formosura quanto a fortaleza.

Tal é a mulher forte que, no dizer do Livro Santo, vale mais que as pérolas e quantas preciosidades vêm das mais longes terras.

“Judite com a cabeça de Holofernes”, de Ticiano.

Quereis, porém, a síntese de tudo isso? Ei-la, e é o Espírito Santo quem no-la dá aí mesmo: “A mulher que teme ao Senhor, essa é que faz jus a todos esses louvores”, Mulier timens Dominum ipsa laudabitur (Pr 31, 30). Não podia ser mais clara a conclusão. Mulher forte é, pois, a que teme a Deus. Só Deus pode infundir na debilidade inata da mulher esse ânimo viril, que a Escritura louva na mãe dos Macabeus: Femineae cogitationi masculinum animum inserens, “Animando com força viril a sua ternura feminina” (2Mb 7, 21).

Só em Deus vai ela encontrar todas as forças para desempenhar tanto a sua missão natural como, também, essas outras extraordinárias, que por vezes lhe confia a Providência, e que pareceriam mais próprias de varões e gigantes.

Vede a profetiza Débora, que, à sombra duma palmeira, no monte do Efraim, governa o povo de Israel, em meio às maiores calamidades do cativeiro e da guerra. Vede a bela Judite que, ao ser sitiada a sua cidade de Betúlia, pelas tropas de Holofernes, desce ao acampamento inimigo, decepa a cabeça do general e salva a pátria, “desbaratando os assírios com a formosura do seu rosto”.

Vede, sobretudo, essa figura incomparável de Joana d’Arc, em cuja história se entrelaçam o idílio e a epopéia, a cândida donzela de Orléans, que, à frente dum exército, liberta a França, põe-lhe no trono Carlos VII e triunfa hoje nos altares católicos, verdadeira e gloriosa amazona cristã, pastora que se fez cabo de guerra para atestar a todos os séculos o que pode a mulher inspirada por Deus.

Escutai agora esta pequenina história.

Havia em certa cidade um juiz, que não temia a Deus nem respeitava os homens. Havia também na mesma cidade uma viúva, que costumava ir ter com ele, dizendo: “Faze-me justiça contra o meu adversário”. Ele, durante muito tempo, não quis atendê-la. Mas depois disse consigo: “Ainda que eu não tema a Deus nem respeite os homens, todavia, como esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, para que, por fim, não me venha a quebrar a cara”.
“Santa Joana d’Arc”, por Harold H. Piffard.

Que vos parece? Não tendes a impressão de estar ouvindo alguma façanha daquelas celebérrimas sufragistas inglesas, capazes de quebrar caras, como quebravam outrora vidraças nas ruas de Londres? Longe disso. Quando se passou esse fato, não se cogitava ainda de sufragismo nem feminismo. Basta dizer que foi o próprio Divino Mestre quem no-lo contou. Lá está ele no capítulo 18 do Evangelho de S. Lucas. Verdade é que os tradutores, em geral, mitigam aí a expressão, como, por exemplo, o nosso clássico Padre Figueiredo, que, em vez de “quebrar a cara”, diz “carregar de afrontas”. Mas a força do original grego, conforme observam os entendidos, quer dizer propriamente quebrar ou, pelo menos, amassar a cara.

Vede, pois, como Jesus exalta aí o valor do sexo débil. Aquele juiz não temia a Deus nem respeitava os homens, mas teve medo da mulher. O evangelista não diz que ela o tivesse ameaçado de quebrar-lhe a cara, nem é de crer que o fizesse, por isso mesmo que não era feminista. Tal era, porém, o prestígio dessa viúva, a qual naturalmente só confiava em Deus, que o magistrado receou alguma desgraça comparável a essa de ter a cara partida.

Convençamo-nos, pois, de que a mulher não precisa sair fora do sexo, o que equivale a sair fora do sério, para ser forte, igualar-se ao homem, e mesmo excedê-lo. Basta-lhe Deus. É o que lhe ensina a Igreja Católica, desde o simples adjetivo com que usa para qualificá-la.

Notai. Para o paganismo, a mulher era um sexo inferior: sexus sequior. O cavalheirismo a lisonjeou com o título de belo sexo. Todos, em geral, reconhecem nela o sexo fraco. A Igreja, porém, prefere designá-la por um epíteto que lhe recorde o princípio de toda a sua grandeza, elevação e força, e manda-nos orar pelo devoto sexo feminino: pro devoto femineo sexu.

Eis aí o sexo devoto, isto é, o sexo que há de ser mais devotado a Deus, porque de Deus mais precisa. Só Deus é o Todo-Poderoso e o Altíssimo; a mulher que dele se afasta degrada-se na sua fraqueza, mas a que dele se aproxima participa da sua onipotência e sublimidade. Faz-se forte e eleva-se.

Referências

  • Extraído e levemente adaptado do discurso “Elevação da mulher”, proferido a 9 de dezembro de 1934, e contido no livro Discursos, de D. Aquino Corrêa, v. 2, t. II, Brasília, 1985, pp. 140-142.

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