Tudo começou com um vídeo que não deu certo. Protagonizada por atores da Rede Globo para defender a legalização do aborto, a campanha “Meu corpo, minhas regras” foi tão escrachada pela opinião pública que acabou expondo não apenas a firme posição pró-vida do povo brasileiro, mas também a completa falta de sintonia entre o que pensam os artistas de elite — cada vez mais apegados a ideologias anticristãs — e as pessoas comuns — que, graças ao fenômeno da internet, não têm mais de aceitar passivamente o que a grande mídia impõe como valor.

As polêmicas recentes envolvendo exposições artísticas e campanhas publicitárias só reforçaram essa ojeriza à imposição da mídia, que parece quase desesperada, porque não consegue mais ludibriar o povo tão facilmente como antes.

O que os cristãos precisam entender, no entanto, é que essa onda de ataques aos valores ocidentais não é ocasional. Trata-se, antes, de manobras premeditadas para chocar e dessensibilizar as pessoas sobre assuntos importantes como pedofilia, gênero e aborto.

Exemplo de anticristianismo na recente exposição Queermuseu, promovida pelo Santander Cultural, em Porto Alegre.

De fato, nas palavras do historiador Roberto de Mattei, “o grande debate de nosso tempo não é de natureza política nem econômica, mas de caráter cultural, moral e, em última análise, religioso” [1]. A reação a esses ataques, portanto, precisa ser sábia e ir à causa primeira do problema, àquilo que está na base de todo projeto revolucionário e sustenta o seu discurso, uma vez que o “protesto de internet” acaba resumindo a questão a causas secundárias. Do contrário, acabamos caindo na armadilha de apagar pequenos focos de incêndio, enquanto a chama principal continua a arder. E é justamente isso o que os revolucionários desejam.

O Cardeal Joseph Ratzinger acertou o alvo em abril de 2005 quando, no meio de sua homilia da Missa “pro eligendo pontifice romano”, desferiu críticas severas contra essa cultura do mundo moderno. O então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé expôs com clareza a “ditadura do relativismo” e a pretensão de obrigar as consciências a nada reconhecer como definitivo para deixar “como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades” [2].

A “ditadura do relativismo” é, na verdade, uma vigarice intelectual para converter em direito qualquer atitude subversiva e instaurar no governo um bando de tiranos, porque, sem normas comuns e naturais, “o único critério que permanece para determinar o que é bom ou mau é o uso da força, quer a dos votos, quer a da propaganda ou das armas e da coerção” [3].

Incapaz de entender o óbvio, mesmo quando dito por uma simples senhorinha de 70 anos, a geração atual se agarra desesperadamente aos chavões ideológicos, às propagandas midiáticas, à opinião mais agradável e aparentemente “científica”, para esconder sua insegurança e falta de referência. A sociedade termina se convertendo, assim, em um campo de guerra, todos lutando contra moinhos de vento, sem se darem conta da manipulação que sofrem em mãos de burocratas diplomados de terno e gravata.

O relativismo consiste justamente em uma anestesia da razão, em um reducionismo da inteligência, “porque, de fato, chega a afirmar que o ser humano nada pode conhecer com certeza, para além do campo científico positivo” [4]. Esse reducionismo teve origem no século XIV, com a propagação do pensamento nominalista, que, entre outros absurdos, nega a capacidade da razão humana de conhecer verdadeiramente as coisas. Antes dessa onda de ceticismo que tomou conta da cultura ocidental, os homens sempre confiaram na razão e no seu poder, embora limitado, de abstrair a essência do ser e, a partir dela, formar conceitos universalmente válidos. Havia, sobretudo, uma confiança no senso comum, “um acervo das primeiras elaborações dos primeiros princípios” que, como explica Gustavo Corção, “poderá ser enriquecido ou deformado pelo envoltório cultural” [5].

Acontece que o nominalismo, pondo abaixo a epistemologia tomista, acabou por instaurar um clima de perturbação e ceticismo, tendo como primeiro efeito imediato a desmoralização do senso comum e, por conseguinte, a abolição da metafísica. Como observou G. K. Chesterton, “o homem foi concebido para duvidar de si mesmo, mas não da verdade, e isso foi exatamente invertido” [8].

O senso comum, considerado como um conhecimento vulgar, foi substituído pelo cientificismo e pela opinião dos especialistas. Os homens abandonaram a própria vida intelectual para servir à opinião das enciclopédias. Ou pior: à dos youtubers. E “onde houver descrédito da inteligência, crise cultural, difusão de má doutrina, desprezo da boa”, conclui Gustavo Corção, “processar-se-á quase infalivelmente uma onda de mimetismo e de desumanismo coletivista” [9]. Ou seja, as pessoas deixam de acreditar na verdade para imitar a moda e se comportar sem o mínimo de humanidade.

Notem, por exemplo, o prazer quase obsessivo com que as pessoas se rendem à conversa de qualquer um, apenas porque tem um diploma sabe-se lá onde ou porque tem um canal divertido no YouTube. O homem moderno, perturbado pela “diversidade relativista”, não consegue mais perceber a realidade, não quer estudar, e para tudo agora precisa da opinião desses indivíduos, até para entender que “comer carne estragada pode fazer mal”. E assim, contrariando toda e qualquer evidência, os “formadores de opinião” dizem que “vaso sanitário é obra de arte”, que “carros sobem calçadas e atropelam pedestres” e até mesmo que “homem engravida”. E aquele que ousar discordar disso é intolerante, misógino e homofóbico.

As grandes fundações internacionais têm se aproveitado desse clima de indigência intelectual gerado pelo relativismo para fazer prevalecer a sua agenda e minar os valores do Ocidente. Com seus “especialistas” — antropólogos, sociólogos, filósofos, jornalistas, artistas e, agora, youtubers —, pervertem a cultura e o senso comum para dessensibilizar as sociedades e assumir o controle dos governos e de outras instituições influentes.

Em resposta a essa “ditadura do relativismo”, o Cardeal Ratzinger conclamou os cristãos a uma nova cruzada pela verdade, à busca de uma fé adulta, que não “segue as ondas da moda e a última novidade”, mas que está “profundamente radicada na amizade com Cristo”, uma “amizade que nos abre a tudo o que é bom e nos dá o critério para discernir entre verdadeiro e falso, entre engano e verdade” [10]. Mas isso só será possível se os cristãos, imitando as pegadas dos grandes doutores da Igreja, se debruçarem sobre os livros e estudarem de verdade. Recuperar a cultura e a saúde espiritual do homem não é somente uma questão intelectual, mas um preceito evangélico ao qual todos os cristãos estamos obrigados.

Referências

  1. Roberto de Mattei, A Ditadura do Relativismo (trad. de Maria José Figueiredo). Porto: Civilização, 2008, p. 12.
  2. Cardeal Joseph Ratzinger, Homilia “pro eligendo romano pontifice”, 18 de abril de 2005.
  3. Cardeal Tarcísio Bertone, Conferência à Universidade de Havana, 25 de fevereiro de 2008.
  4. Bento XVI, Audiência Geral, 5 de agosto de 2009.
  5. Gustavo Corção, O século do nada. Rio de Janeiro: Record, 1973, p. 119.
  6. Gustavo Corção, op. cit., p. 119.
  7. Gilbert Keith Chesterton, Ortodoxia, (Trad. de Almiro Pisetta). São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 54.
  8. Gustavo Corção, Dois amores e Duas cidades. Rio de Janeiro: Agir, 1967, pp. 169-170.
  9. Cardeal Joseph Ratzinger, op. cit.

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