Duas são as principais orações com que a Igreja de Cristo, desde tempos imemoriais, invoca o patrocínio da Virgem Santíssima: a “Ave-Maria” e a “Salve, Rainha”. Além das menções que em suas preces e antífonas a Liturgia e o Ofício Divino fazem à toda pura Mãe de Deus, estas duas belíssimas orações constituem como que as pedras basilares do culto mariano diário.

Devido à sua importância, não menos que à sua beleza e universalidade — não há fiel que não as tenha nos lábios e no coração —, é de grande proveito transcrever aqui algumas breves considerações de ordem espiritual que o Pe. Gabriel M.ª Roschini, grande mariólogo do século passado, deixou imortalizadas em um trecho de sua obra “La Madonna secondo la fede e la Teologia” [1] dedicado especificamente a essas duas orações.


1. A singular excelência da “Ave-Maria”

A “Ave-Maria” é a mais sublime forma de oração com que a Igreja exalta a grandeza e implora a intercessão de Maria. É o mais belo louvor e a súplica mais eficaz dirigida à Virgem por todas as gerações cristãs. É o hino mais melodioso que podem repetir os lábios dos fiéis e que os ouvidos de nossa Mãe podem escutar. No Coração de Maria, ao ouvir novamente a saudação angélica, renovam-se os divinos e transcendentes sentimentos que Ela experimentou no momento mais solene da história dos séculos, no momento mais sublime, tanto para o céu como para a terra.

Em suas duas partes, a “Ave-Maria” obedece às leis clássicas da oração: o louvor e a súplica. No louvor, exalta a transcendente grandeza de Maria, expressa na “plenitude de graça”, ou seja, em todas as perfeições que o Criador pode outorgar a uma criatura. Por isso, o Senhor está com Ela de um modo inteiramente particular, e é Ela a bendita entre todas as mulheres. Em seguida, na súplica, implora à Virgem o perdão dos pecados e a graça de uma vida santa e de uma piedosa morte. É impossível imaginar oração mais bela.

Tampouco se pode imaginar uma oração mais grata a Maria. “Quando Ela”, escreve o P. Lacordaire, “ouviu pela primeira vez esta saudação dos lábios de Gabriel, concebeu logo em seguida, em seu seio puríssimo, o Verbo de Deus; e agora, cada vez que os lábios humanos lhe repetem aquelas mesmas palavras, que foram como o sinal de sua maternidade, suas entranhas se comovem pela lembrança daquele momento sem igual, nem no céu nem na terra, e toda a eternidade se enche da felicidade que Ela mesma experimenta… O racionalista sorri ao ver passar o povo em procissão repetindo as mesmas palavras; mas quem está iluminado por melhor luz compreende que o amor não tem mais que uma palavra, e que, ainda que a repitamos sempre, jamais a repetiremos o bastante” (Vie de Saint Dominique, c. VI) [2].

2. A singular beleza da “Salve, Rainha”

A razão por que a “Salve, Rainha” teve tanto êxito tão-logo apareceu funda-se em sua singular beleza. Esta singular beleza deriva, por sua vez, do fato de tratar-se de uma oração profundamente humana, isto é, que responde a todas as necessidades de nossa natureza, que ainda sangra pelas chagas do pecado original. É um eco maravilhoso de todas as nossas necessidades. É a saudação do servo à sua augusta Rainha:

  • Salve, Rainha”: é a súplica de nossa miséria Àquela que é “Mãe de misericórdia”;
  • é o recurso instintivo do filho à sua Mãe, Àquela que é a fonte da vida: “vida nossa”;
  • é o espontâneo impulso de quem está amargurado em direção Àquela que é toda doçura: “doçura nossa”;
  • é o refúgio espontâneo do desesperado naquela que é toda a razão da nossa esperança: “esperança nossa, salve”;
  • é o clamor do desterrado Àquela que é a porta da Pátria: “A vós clamamos os desterrados filhos de Eva”;
  • é o suspiro e o gemido de quem chora neste vale de lágrimas Àquela que é a única que sabe e pode confortar-nos: “A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas”;
  • é o confiante recurso do réu Àquela que é a sua poderosa Advogada junto do Juiz supremo: “Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei”;
  • é, enfim, o gemido, a confiante súplica do mortal que se vê ameaçado a todo instante pelo sombrio espectro da morte e pela incerteza de seu eterno destino ao gozo e à glória do céu: “E depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre”.

Todo este recorrer com fé à Virgem SS. está, por assim dizer, afiançado por suas três qualidades, enunciadas ao cabo desta admirável oração: a clemência, a piedade e a doçura: “Ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria!

Efetivamente, é difícil, para não dizer impossível, encontrar uma oração mais humana e, por conseguinte, mais cristã e mais bela do que esta. Súplica “belíssima”, exclama um célebre autor moderno, “um prisma de diamante de mil luzes… Iniciado com uma explosão de pranto, remata-se no êxtase do Paraíso” (cf. L. Pazzaglia, La Donna del Dolore. Turim, 1944, pp. 305-312) [3].

Referências

  1. Servimo-nos da seguinte edição: Gabriel M.ª Roschini, La Madre de Dios según la Fe y la Teología. Trad. esp. de Eduardo Espert. 2.ª ed., Madrid: Apostolado de la Prensa, 1958, vol. 2.
  2. Id., pp. 552-553.
  3. Id., p. 563.

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