1. Fundamento teológico. — O povo cristão sempre venerou a bem-aventurada Virgem Maria com o título de Rainha. Dada, com efeito, a íntima relação que existe entre mãe e filho — “glória de seus pais” (Pr 17, 6) —, os fiéis nunca tiveram receio de reconhecer naquela que deu à luz o Rei de toda a criação uma dignidade verdadeiramente régia e, por isso, com direito de domínio sobre quantos somos súditos do fruto bendito de seu ventre. a) Maria é Rainha, em primeiro lugar, em razão de sua maternidade divina, pela qual se lhe pode atribuir uma grandeza quase infinita, proporcional ao bem sublime que é seu próprio Filho. — b) Ela é Rainha, em segundo lugar, por sua participação especialíssima na redenção do gênero humano: trazendo, pois, ao mundo o Salvador do mundo, a bem-aventurada Virgem se associou a Jesus, segundo Adão, como nova Eva e, portanto, “mãe de todos os viventes” segundo a graça. — c) Maria é Rainha, em terceiro lugar, por ser Mãe de Cristo, herdeiro de Davi e Senhor de Israel. — d) Ela é Rainha, enfim, por ter sido exaltada acima de todos os anjos e santos, cujos corações domina e aos quais distribui, “como por direito materno” (Pio X, Carta “Ad Diem Illum”, de 2 fev. 1904), os dons divinos que o Pai derrama sobre a fronte de seu Filho.
2. Fundamento escriturístico. — A ela também compete, segundo as Escrituras, o título de Rainha, porque foi através do nascimento de Maria SS. que se pôde cumprir em plenitude a promessa feita outrora ao rei Davi. Como este quisesse edificar um templo para Javé, alojado até então “sob um tabernáculo improvisado” (2Sm 7, 6), Deus prometeu-lhe por boca do profeta Natã: “O Senhor anuncia-te que quer fazer-te uma casa” (2Sm 7,11), isto é, uma descendência real, da qual nasceria tempos mais tarde o Messias de Israel. A casa de Davi começará a erguer-se a partir do seu primeiro sucessor, o rei Salomão, com quem terá início (cf. 1Rs 2, 19) uma instituição típica da dinastia davídica, a saber: a concessão do posto de rainha à mãe do monarca, chamada em hebraico gebirah, que quer dizer justamente “Rainha Mãe”. Por ter muitas concubinas, dentre as quais era impossível, na prática, escolher uma para reinar ao seu lado, Salomão entronizou a própria mãe, Betsabé, a quem deu não só um trono à sua direita, mas a reverência devida a uma verdadeira rainha e senhora. Esta instituição, que perdurará até o exílio babilônico, encontra-se atestada nas séries genealógicas dos sucessores de Davi, sempre nomeados com suas mães.
3. Conclusão. — a) Maria é verdadeiramente Rainha. — É manifesto, portanto, que ao transmitir a Cristo seu próprio sangue [1], Maria SS. é com todo direito Rainha dos céus e da terra, já que seu Filho é Senhor de toda criatura, das que estão na terra, embaixo e acima dela. Daí que a Virgem SS. seja invocada pelos fiéis, com toda a razão e verdade, como Rainha do céu e da terra, pois seu Filho, sucessor definitivo de Davi, tem poder sobre todo o universo. Tampouco se deve pôr em dúvida que Maria, que tinha bem gravadas no coração a S. Escritura e a história do povo eleito, soubesse perfeitamente que, tornando-se Mãe do Filho de Davi, se tornaria também Rainha do novo Israel.
b) E, ao mesmo tempo, escrava de Deus. — É por isso que admira ainda mais a profundíssima humildade com que ela, sendo de condição real, respondeu às palavras do anjo, repletas de grandiosas promessas: “Eis aqui a serva do Senhor”; e mais tarde, na casa de Isabel: “Minha alma glorifica ao Senhor […], porque olhou para sua pobre serva […], realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo” (Lc 1, 46.48s). Amada por Deus com especialíssima predileção, a Virgem mereceu, pela singular humildade com que transcorreram seus dias, ser proclamada bem-aventurada por todas as gerações e reconhecida como a “Mulher revestida de sol” vista por S. João, com “a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap 12, 1). — Roguemos sempre à Rainha do céu e da terra e peçamos-lhe, com muito amor e confiança, que nos faça um povo santo e submisso ao suavíssimo império de Jesus Cristo. Que ela, regendo com maternal cuidado a herança conquistada pelo sangue derramado no Calvário, nos ajude a guardar as palavras do Senhor e trazer para o seio da Igreja muitas almas que ainda ignoram a alegria de pertencer ao Reino do Salvador.
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