Ao estudar a Paixão de Cristo, há um ponto recorrente na exegese [1]: a expressão “um dos Doze” é usada quase exclusivamente para Judas. Esse detalhe revela o grande escândalo que marcou significativamente os primeiros cristãos: a traição veio precisamente de um dos Apóstolos escolhidos por Cristo.
Nos primeiros tempos da Igreja, esta ideia era profundamente marcante: não foram Pilatos, Caifás, Anás, Herodes, os soldados do Templo, os soldados romanos ou os fariseus que iniciaram a tragédia da Paixão, senão “um dos Doze”. Isso significa que Judas foi escolhido por Jesus, recebeu a graça para ser um grande santo e poderia ter seguido outro caminho. Se tivesse se arrependido verdadeiramente, hoje talvez houvesse igrejas dedicadas a São Judas Iscariotes, o arrependido. Mesmo após a traição, e com as malditas trinta moedas de prata em mãos, bastaria que ele tivesse olhado para Jesus e pedido perdão.
Jesus lançou sobre Judas o mesmo olhar de misericórdia que dirigiu a Pedro. São Lucas narra que, ao cantar o galo, “o Senhor olhou para Pedro” (Lc 22, 61) — um olhar de amor e de chamado ao arrependimento, não de acusação. No Horto das Oliveiras, quando Judas traiu Nosso Senhor com um beijo, esse olhar certamente foi o mais terno e compassivo; foi uma oferta singular de perdão e de misericórdia.
Contudo, Judas não acreditou que a misericórdia de Cristo fosse maior do que o seu pecado. Este, portanto, foi o seu verdadeiro erro: não a traição em si — para a qual teria volta —, mas a falta de fé no amor com o qual ele mesmo foi amado. Judas quis salvar-se por si mesmo, confiando em suas próprias forças, em vez de se entregar à graça do Senhor. Por isso, sua condenação não veio do pecado cometido, mas da recusa em receber o perdão — ele esperou de suas próprias forças e não das forças de Nosso Senhor. Assim, hoje, ele é o ser humano que está mais próximo de Satanás, nas profundezas do Inferno.
Neste tempo de Quaresma, somos chamados a pedir perdão a Deus. No entanto, há muitas pessoas que, equivocadamente, pensam que seus pecados são maiores que a misericórdia e o amor de Jesus e que, por isso, não adiantaria sequer ir à Confissão. Porém, o olhar de Jesus está sobre nós, dizendo que o amor de Deus é sumamente maior do que qualquer pecado. A Primeira Carta de São João recorda-nos: “Se o teu coração te acusa, Deus é maior do que o teu coração” (1Jo 3, 20). A misericórdia divina não conhece limites. Portanto, tenhamos coragem, levantemo-nos, como o filho pródigo, e digamos: “Voltarei para a casa do meu Pai”.
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