A Quaresma é um tempo propício para revisitarmos os relatos da Paixão. Sabemos que esse período divide-se em duas fases. A primeira enfatiza a penitência, o abandono do pecado e a conversão, conforme enfatiza a pregação da Igreja. No entanto, essa luta espiritual prepara-nos gradualmente para uma etapa mais intensa, vivida no final da Quaresma, conhecida como o Tempo da Paixão. Desse modo, a partir do 5º Domingo da Quaresma, somos convidados a voltar a nossa atenção para a Cruz de Cristo, para a sua Paixão. 

Meditar a Paixão de Cristo significa contemplar o grande ato de fé que nos salva, pois é pela fé que recebemos o amor redentor de Cristo. Contudo, muitos olham para a Paixão sem fé e não compreendem seu verdadeiro significado. Por exemplo, quando foi lançado o filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Na época, fiquei profundamente impactado e fui assistir ao filme várias vezes no cinema, para captar os detalhes da profundidade espiritual. Em uma dessas ocasiões, ao sair da sessão, ainda imerso na reflexão, uma jovem abordou-me e comentou que nunca tinha assistido a um filme de “horror” tão pesado, esse era o referente dela; ela não conseguia perceber a dimensão mais profunda. Isso nos mostra como a Paixão, quando vista sem fé, pode ser reduzida apenas à sua brutalidade, sem que se enxergue o amor que ali se revela.

Assim, àqueles que não têm fé, a Paixão de Cristo real pode parecer apenas um filme de horror, porque, à primeira vista, trata-se de um crime brutal e cruel. Todavia, é preciso enxergar além do visível, com os “óculos da fé”, para compreender seu verdadeiro significado. Mel Gibson, com grande sensibilidade espiritual, intercalou cenas da Paixão com momentos da Última Ceia, onde Jesus revelou o sentido de seu sacrifício. Foi ali, na Eucaristia, que Ele antecipou o amor que nos daria na Cruz, como se a Paixão fosse um filme mudo e a Última Ceia a legenda que explica seu profundo significado: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós” (Lc 22, 19). 

Na crucifixão, vemos Jesus sendo arrastado, pregado na Cruz, aparentemente sem liberdade. Porém, na Eucaristia, Ele nos revela o verdadeiro sentido de seu sacrifício, dando-nos o “roteiro” para compreendê-lo. Ali, Ele nos oferece os “óculos da fé” para enxergar além do sofrimento visível. Os Apóstolos, naquele momento, não entenderam plenamente, mas nós, que vivemos depois de Pentecostes e recebemos o Espírito Santo, podemos compreender melhor seu mistério, pois, como Ele disse: “Ainda tenho muitas outras coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender. Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, Ele vos ensinará toda a verdade” (Jo 16, 12-13). 

Assim, na Quaresma, não lutamos apenas contra Satanás, mas também clamamos pela ação do Espírito Santo. Precisamos da sua luz, que nos dá os “óculos da fé”, para enxergar na Paixão de Cristo o imenso amor com o qual fomos amados. E então, ao contemplarmos esse mistério, reconhecemos que Ele se entregou por nós. Quão grande alegria é enfrentar as dificuldades deste mundo com a certeza desse divino amor.