A cidade de Siena, que se tornou famosa por Santa Catarina e São Bernardino, foi escolhida para não um, mas dois milagres eucarísticos. O primeiro ocorreu em 1330 e o segundo exatamente 400 anos depois, em 1730. Há uma grande coleção de documentos atestando os detalhes de ambos os milagres. O primeiro foi um milagre cruento, o segundo incruento. Ambos estão ainda preservados e permanecem sendo objeto de grande interesse e devoção.

O milagre de 1330 refere-se a um padre de Siena que tinha sob seus cuidados os fiéis de uma vila na periferia da cidade. Um agricultor da vila ficou gravemente doente e mandou chamar o padre. Com grande pressa, o padre retirou uma Hóstia consagrada do sacrário, mas, em vez de colocá-la em uma teca, inseriu a Hóstia entre as páginas do breviário.

Depois que as orações foram recitadas, o padre abriu o breviário para dar a Hóstia ao homem doente, mas descobriu, para seu espanto, que a Hóstia estava ensanguentada e quase derretida. Sem dizer nada, ele fechou o livro e retornou para Siena. Diz-se que nem o agricultor nem ninguém na casa estava ciente do milagre ocorrido naquele momento.

Num estado de profundo remorso, o padre foi para o Mosteiro de Santo Agostinho, onde contou os detalhes do milagre ao padre Simão Fidati, um homem de profunda espiritualidade, que era também um célebre orador. (Após sua morte, o padre Simão foi beatificado pelo Papa Gregório XVI, que aprovou um Ofício e uma Missa em sua memória.)

O sacerdote mostrou ao padre Simão as duas páginas manchadas com o sangue da Hóstia, e confiou o  breviário aos seus cuidados. Após receber a absolvição pela maneira pecaminosa com que tratou a Hóstia consagrada, o padre afastou-se da história do milagre, que continuou com o padre Simão.

Após um tempo, o padre Simão removeu uma das páginas ensanguentadas e fez dela um presente para seus confrades, os padres agostinianos em Perúgia. Esse presente, infelizmente, foi perdido em 1866 durante a supressão das Ordens religiosas.

A segunda página estava dentro de um vaso de prata e, durante outro período de agitação, foi levada para Cássia, a cidade natal do padre Simão, onde incitou uma ardente devoção entre os padres, fiéis e autoridades civis. Os registros da cidade de 1387, que são mantidos na Câmara Municipal de Cássia, dão os detalhes de uma festa anual de Corpus Domini (“Corpo do Senhor”). Durante esta celebração, o prefeito e os membros do Conselho, junto com a população em geral, foram instruídos a reunir-se na igreja para honrar a venerável relíquia com uma procissão e uma Missa solene. Para esta observância, a cidade deveria fornecer uma vela de 10 libras às suas próprias custas.

Relicário do milagre eucarístico de Siena e Cássia, presente na Basílica de Santa Rita.

O milagre foi também honrado pelo Papa Bonifácio IX, que oficialmente aprovou a veneração concedida à relíquia numa bula datada de 10 de janeiro de 1401. Sua Santidade concedeu generosamente a Indulgência da Porciúncula para todos os que visitassem a Igreja de Santo Agostinho na festa de Corpus Christi.

Em 7 de junho de 1408, o Papa Gregório XII aprovou a continuidade da devoção da relíquia e acrescentou outras indulgências para aqueles que visitassem a igreja na qual ela foi mantida. A relíquia foi também honrada pelos Papas Sisto IV, Inocêncio XIII, Clemente XII e Pio VII.

Em 1962, houve um exame completo da relíquia. As dimensões do papel manchado de sangue são de 52 por 44mm; o diâmetro da mancha de sangue é de 40mm. A coloração da mancha foi descrita como marrom clara, mas, quando vista através de lentes de ampliação, a cor parecia mais vermelha, enquanto partículas de sangue coagulado foram claramente identificadas. Essa condição ainda se mantém.

Outro fenômeno existe naquela mancha: quando vista por uma lente mais fraca, revela a imagem de perfil de um homem que está visivelmente triste. A mesma imagem pode ser vista nas fotografias da mancha.

Em 1930, um congresso eucarístico foi realizado em Cássia, coincidindo com o sexto centenário de acontecimento do milagre. Para esse evento, foi abençoado um novo relicário.

Assim, estão contidas na venerável Basílica de Santa Rita de Cássia três relíquias sagradas: o corpo incorrupto de Santa Rita, os ossos do Beato Simão Fidati e a relíquia do milagre eucarístico de 1330, que tem sido preservada por mais de 650 anos.


O segundo milagre eucarístico de Siena tem origem no século XIII, quando ritos e festividades especiais foram introduzidas em honra à Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria. Aquelas observâncias tornaram-se tradicionais e ainda eram realizadas na época do milagre. Foi então em 14 de agosto de 1730, durante as devoções da vigília da festa, enquanto a maioria da população sienense e o clero da cidade compareciam aos ritos, que ladrões entraram na deserta igreja de São Francisco. Aproveitando a ausência dos frades, eles foram para a capela, onde era mantido o Santíssimo Sacramento, arrombaram o sacrário e levaram consigo o cibório de ouro que continha as Hóstias consagradas.

O furto só foi descoberto na manhã seguinte, quando o padre abriu o sacrário para a Comunhão, durante a Missa. Depois, um paroquiano encontrou a tampa do cibório jogada na rua e a suspeita do sacrilégio foi confirmada. A angústia dos paroquianos forçou o cancelamento das tradicionais festividades de Nossa Senhora da Assunção. O arcebispo ordenou que se fizessem orações públicas de reparação, enquanto as autoridades civis iniciaram uma busca pelas Hóstias consagradas e pelos delinquentes que as haviam raptado.

Dois dias depois, em 17 de agosto, enquanto rezava na igreja de Santa Maria de Provenzano, a atenção de um padre voltou-se para algo branco que saía da caixa de ofertas anexa ao reclinatório. Percebendo que aquilo era uma Hóstia, ele informou os outros padres da igreja, que, por sua vez, notificaram o arcebispo e os frades da Igreja de São Francisco.

Quando a caixa de ofertas foi aberta, na presença do padre local e dos representantes do arcebispo, um grande número de Hóstias foi encontrado, algumas delas suspensas por teias de aranha. As Hóstias foram comparadas com algumas não consagradas usadas na igreja de São Francisco, e provou-se que eram exatamente do mesmo tamanho e tinham a mesma marca das fôrmas em que foram assadas. O número de Hóstias correspondia exatamente ao número que os frades franciscanos estimavam estar no cibório — 348 inteiras e seis metades.

Como a caixa de ofertas era aberta só uma vez no ano, as Hóstias ficaram cobertas com a poeira e os detritos que se haviam juntado no lugar. Depois de serem cuidadosamente limpas pelos padres, elas ficaram fechadas num cibório e guardadas dentro do sacrário do altar principal da Igreja de Santa Maria. No dia seguinte, na presença de uma grande multidão de habitantes da cidade, o arcebispo Alessandro Zondadari carregou as Hóstias consagradas em procissão solene até a Igreja de São Francisco.

Ao longo dos dois séculos seguintes, as pessoas por vezes se perguntavam por que as Hóstias não foram consumidas por um padre durante a Missa, já que seria esse o procedimento normal a se tomar. Visto que não há uma resposta definitiva, há duas teorias. Uma explicação é que as multidões de pessoas tanto de Siena quanto das cidades vizinhas ficaram reunidas na igreja para oferecer orações de reparação diante das partículas consagradas, forçando os padres a conservá-las por um tempo. Também é possível que os padres não as tivessem consumido devido à sujeira que as envolvia. Embora as Hóstias estivessem superficialmente limpas depois de serem descobertas, elas ainda retinham uma grande quantidade de sujeira. Nesses casos, não é necessário consumir as Hóstias consagradas; é permitido que elas sejam deixadas para se deteriorar naturalmente, até o momento em que não haja mais a presença real de Cristo.

Para espanto do clero, as Hóstias não se deterioraram, mas permaneceram conservadas e com um aroma agradável. Com o passar do tempo, os franciscanos conventuais ficaram convencidos de que se tratava de um milagre contínuo de preservação.

Cinquenta anos depois da recuperação das Hóstias roubadas, uma investigação oficial foi conduzida para averiguar a autenticidade do milagre. O Superior Geral da Ordem Franciscana, frei Carlo Vipera, examinou as Hóstias em 14 de abril de 1780 e, ao provar uma delas, achou-a fresca e incorrupta. Como várias Hóstias haviam sido distribuídas durante os anos anteriores, o Superior Geral ordenou que as 230 partículas restantes fossem colocadas em um novo cibório e proibiu a distribuição posterior.

Uma investigação mais detalhada aconteceu em 1789 pelo arcebispo de Siena, Tibério Borghese, com certo número de teólogos e dignatários. Após examinar as Hóstias sob um microscópio, a comissão declarou que elas estavam perfeitamente intactas e não apresentavam sinal de deterioração. Os três franciscanos que estavam presentes na investigação anterior, de 1780, foram questionados sob juramento pelo arcebispo. Foi reafirmado que as Hóstias submetidas a exame eram as mesmas roubadas em 1730.

Como um teste para confirmar ainda mais a autenticidade do milagre, o arcebispo, durante este exame de 1789, ordenou que várias hóstias não consagradas fossem colocadas em uma caixa fechada e mantidas trancadas na chancelaria. Dez anos depois, elas foram examinadas e encontravam-se não apenas desfiguradas, mas também murchas. Em 1850, 61 anos depois de terem sido colocadas em uma caixa fechada, aquelas hóstias não consagradas foram encontradas reduzidas a partículas de uma cor amarela escura, enquanto as Hóstias consagradas permaneceram com seu frescor original.

Outros exames foram feitos ao longo dos anos, sendo o mais significativo em 1914, empreendido sob a autoridade do Papa São Pio X. Para essa investigação, o arcebispo selecionou um distinto grupo de investigadores, que incluía cientistas e professores de Siena e Pisa, bem como teólogos e oficiais da Igreja.

Testes de ácido e amido realizados num dos fragmentos indicou um teor normal de amido. As conclusões alcançadas pelo teste de microscópio indicaram que as Hóstias haviam sido feitas com farinha de trigo peneirada grosseiramente, a qual foi considerada bem preservada.

A comissão concordou em que o pão ázimo, preparado em ambiente esterilizado e mantido em um recipiente fechado, limpo e asséptico, poderia ser conservado por um tempo extremamente longo. O pão ázimo preparado de modo normal e exposto ao ar e à atividade de microorganismos poderia permanecer intacto por não mais que alguns anos. Mas as Hóstias em questão foram preparadas sem precauções científicas e mantidas sob condições ordinárias, que deveriam ter causado a sua deterioração há mais de um século. A comissão concluiu que a preservação era extraordinária: …e la scienza stessa che proclama qui lo straordinario

O professor Siro Grimaldi, professor de química na Universidade de Siena e diretor do Laboratório Municipal de Química, bem como titular de vários outros cargos distintos na mesma área, foi em 1914 o químico examinador chefe das partículas sagradas. Depois, ele fez afirmações consistentes em relação à natureza miraculosa das Hóstias e escreveu um livro sobre elas, intitulado Uno Scienziato Adora (“Um cientista adora”, sem tradução portuguesa). Em 1914, ele declarou:

As partículas sagradas de pão ázimo representam um exemplo de perfeita preservação… um fenômeno singular que contraria a lei natural da conservação do material orgânico. Esse é um fato único nos anais da ciência.

Em 1922, outra investigação foi conduzida — esta na presença do Cardeal Giovanni Tacci, que foi acompanhado pelo arcebispo de Siena e pelos bispos de Montepulciano, Foligno e Grosseto. Mais uma vez, os resultados foram os mesmos: as Hóstias tinham o sabor de pão ázimo, eram de composição feculenta e estavam completamente preservadas.

Em 1950, as Hóstias milagrosas foram tiradas do velho cibório e colocadas em um mais ornamentado e suntuoso, que chamou a atenção de outro ladrão. Por isso, apesar das precauções do clero, outro roubo sacrílego ocorreu na noite de 5 de agosto de 1951. Dessa vez, o ladrão foi atencioso o suficiente para pegar apenas o cibório e deixar as Hóstias em um canto do sacrário. Depois de contar as 133 partículas, o próprio arcebispo as selou num cibório de prata. Mais tarde, depois de serem fotografadas, elas foram colocadas em um recipiente ornamentado que substituiu o que havia sido roubado.

Relicário contendo as Hóstias milagrosas de Siena.

As Hóstias miraculosamente preservadas são expostas publicamente em várias ocasiões, mas especialmente no dia 17 de cada mês, em que se comemora o dia no qual elas foram encontradas após o primeiro roubo, em 1730. Na solenidade de Corpus Christi, as Hóstias sagradas são colocadas em seu ostensório processional e carregadas triunfantemente em procissão, saindo da igreja e passando pelas ruas da cidade — uma observância da qual participa toda a população.

Um dentre muitos visitantes distintos que adoraram as Hóstias foi São João Bosco. Elas também foram veneradas pelo Papa João XXIII, que assinou o livro de visitantes em 29 de maio de 1954, quando ainda era Patriarca de Veneza. E, embora não tenham visitado as Hóstias milagrosas, os Papas São Pio X, Bento XV, Pio XI e Pio XII emitiram declarações de profundo respeito e admiração a elas.

Com voz unânime, os fiéis, padres, bispos, cardeais e Papas maravilharam-se e adoraram as Hóstias sagradas, reconhecendo nelas um milagre permanente e, ao mesmo tempo, completo e perfeito, que tem durado mais de 250 anos.

Por este milagre as Hóstias permaneceram inteiras e brilhantes, e mantiveram o cheiro característico de pão ázimo. Uma vez que elas estão em perfeito estado de conservação, mantendo as aparências de pão, a Igreja Católica assegura-nos que, embora tenham sido consagradas em 1730, estas partículas eucarísticas são ainda, real e verdadeiramente, o Corpo de Cristo. As Hóstias milagrosas têm sido estimadas e veneradas na Basílica de São Francisco, em Siena, por mais de 250 anos.

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