Após ter erradicado com sucesso a heresia albigense, que, entre outras afrontas, negava a Presença Real, Luís VIII, rei da França, jurou providenciar uma manifestação pública em reparação aos sacrilégios cometidos pelos hereges.

A cidade escolhida para isso foi Avignon e a data definida pelo rei, 14 de setembro de 1226, festa da Exaltação da Santa Cruz. Uma procissão com a Santa Eucaristia estava planejada, com término na nova capela construída em honra à Santa Cruz.

Nela, à espera da procissão, estava o rei vestido de saco, com uma grossa corda à cintura e uma vela na mão. Com ele estavam o cardeal Legate, a corte inteira e uma multidão de fiéis. Encabeçava a procissão o bispo Corbie, que levou o Santíssimo Sacramento pela cidade. Tal era a devoção do rei à Santa Eucaristia, e tão transformada pela graça estava a multidão que compareceu ao ofício, que o Santíssimo Sacramento passou a noite toda exposto e assim ficou por muitos dias, até que o bispo achou por bem que a Eucaristia ali permanecesse exposta perpetuamente, costume a que deram continuidade seus sucessores, com a aprovação do Santo Padre.

O zelo do povo acabou dando origem a uma piedosa confraria conhecida como Penitentes Cinzas. Na Capela da Santa Cruz, durante 200 anos, seus membros aproveitaram o privilégio de fazer adorações perpétuas. Ao cabo desse tempo, aconteceu ali um milagre extraordinário.

Interior da atual Capela da Santa Cruz, em Avignon.

Para compreendê-lo melhor, precisamos considerar primeiro onde a cidade está localizada. Avignon situa-se às margens do rio Ródano, enquanto o distrito em torno da cidade é banhado pelo rio Durance e por um afluente do rio Vaucluse. A cidade sofrera mais de uma vez os efeitos de inundações devastadoras.

Em 1433, os rios ficaram cheios por conta de fortes chuvas e transbordaram, inundando a cidade toda. Em 29 de novembro, as águas puseram em perigo a capela dos Penitentes Cinzas. As chuvas eram tão intensas, que os diretores da confraria temiam que o Santíssimo Sacramento fosse atingido pelas águas em aluvião. Para evitá-lo, decidiram tirar a Eucaristia do ostensório.

Arranjado um barco, alguns membros remaram sobre ruas inundadas até a capela. Ao abrirem a porta, descobriram com grande espanto que a água que entrara na capela tinha-se partido ao meio, como as águas do Mar Vermelho na época de Moisés. Diante deles, havia águas à direita e à esquerda, mas um espaço aberto ia da porta até o altar. Duas testemunhas caíram de joelhos diante do milagre, enquanto os outros se apressaram em espalhar a notícia.

Um trecho dos registros da capela diz o seguinte sobre o milagre:

Grande foi o milagre nesta capela quando a água a invadiu no ano de 1433. Na manhã de segunda, 29 de novembro, as águas começaram a subir muito forte. Dentro da capela, elas subiram à altura do altar-mor. Sob o altar havia livros de papel e pergaminhos, panos, toalhas e relicários, nenhum dos quais estava sequer molhado, apesar de, no dia seguinte, terça-feira, a água não ter parado de subir. No próximo dia, quarta-feira, as águas começaram a recuar… 

No dia 1.º de dezembro, quando a água começou a baixar, uma multidão concentrou-se na capela para testemunhar por si mesma o fato de os livros, papéis e tudo o que fora posto sob o altar estarem perfeitamente secos.

O milagre deu origem a um aumento espantoso da devoção ao Santíssimo Sacramento. Discutiu-se como homenagear e comemorar adequadamente o ocorrido. Decidiu-se por fim que o dia 30 de novembro, no qual o milagre foi reconhecido pela primeira vez, se havia de celebrar como festa especial.

Por muitos anos, neste aniversário, os Penitentes Cinzas tiravam os sapatos e, de joelhos, iam da porta até ao altar da capela.

Infelizmente, em 1793, no auge da Revolução Francesa, a Capela da Santa Cruz foi destruída. Terminado porém esse período terrível, a capela foi reconstruída graças à generosidade de uma família nobre. Após a conclusão da capela, o arcebispo de Avignon renovou o privilégio de outrora: o de ser uma capela de adoração perpétua. Diz-se que o privilégio continua até os dias atuais.

Referências

  • Joan Carroll Cruz. Eucharistic Miracles and Eucharistic Phenomena in the Lives of the Saints. Charlotte: TAN Books, 2010, pp. 153-155.

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