“As coisas misteriosas”, dizia René Chateaubriand, “são o que há de mais belo, grandioso, e doce na existência” [1]. Para provar seu pensamento, o autor de O Gênio do Cristianismo demonstrava como é grata a vida das crianças, que, tudo ignorando, são capazes de espantar-se com a mínima flor no jardim de casa, enquanto os adultos — que tudo sabem — lamentam a própria velhice e só voltam a admirar-se quando “principiam os mistérios da morte”.

Felizmente, as almas religiosas têm a graça da “infância espiritual” que as mantém abertas ao mistério. Diferentemente dos incrédulos, elas não exigem explicações “meticulosas” e “científicas” para tudo e qualquer coisa, mas se dão por satisfeitas quando a razão humana encontra o próprio limite. Porque, de fato, existe algo para além da sabedoria dos homens, e é esse algo que torna a nossa vida mais interessante e digna de ser vivida.

Vejamos um exemplo. No último dia 14 de novembro, a Comissão Médica do Vaticano, formada por profissionais altamente especializados, reconheceu o presumido milagre atribuído à intercessão do jovem italiano Carlo Acutis. Segundo o parecer da comissão, não há explicações médicas para a cura do menino Matheus Viana, que sofria de uma grave doença neonatal. Com dois anos de idade, ele havia sido diagnosticado com pâncreas anular, e, por conta disso, precisaria passar por uma cirurgia. A doença o fazia vomitar frequentemente, de modo que o seu organismo foi enfraquecendo e, com efeito, a cirurgia seria um procedimento demasiado arriscado. Sendo assim, a família resolveu recorrer à intercessão de Carlo Acutis.

Em 12 de outubro de 2010, Matheus e sua família foram à Missa de Nossa Senhora Aparecida, na Paróquia São Sebastião, em Campo Grande (MS), onde residem. Durante a celebração, o pároco, Pe. Marcelo Tenório, abençoou a todos com a relíquia de Carlo Acutis, e Matheus pediu a graça de não mais vomitar. Certo de que já estava curado, o menino voltou para casa pedindo aos avós um jantar com bife e batatas fritas. E a cura realmente aconteceu, como confirmaram os laudos médicos, pedidos posteriormente pela família. Hoje Matheus está saudável e é um fervoroso devoto de Carlo Acutis.

A página oficial do apostolado brasileiro de Carlo Acutis ainda relata outros milagres. Para uma alma verdadeiramente católica, esses prodígios são, como recordávamos no início deste artigo, belos, grandiosos e doces, ou seja, são motivo de ação de graças à Providência divina, que se dispôs a agir contra o curso natural da natureza para misteriosamente revelar a sua misericórdia e soberania. Esgotadas as possibilidades de explicações pelas causas segundas, o católico não hesita em prestar o obséquio da fé, diante dos argumentos externos dAquele que é a causa primeira de todo o ser.

Sem dúvida, um católico não deve ser ingênuo ao ponto de sair acreditando em qualquer fato aparentemente extraordinário, e é por isso que, desde a Idade Média, a Igreja tem recorrido a médicos especialistas para certificar a existência ou não de um milagre. Se a fé pede a razão, nada mais prudente que submeter os efeitos às causas. Mas a partir do momento em que a razão se encontra diante do mistério, então é ela que deve pedir a fé para crer nas palavras inequívocas de Nosso Senhor: “Aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas, porque vou para junto do Pai” (Jo 14, 12).

A Igreja precisa, pois, anunciar a vitalidade do Corpo de Cristo, mostrar o seu poder e celebrar alegremente o mistério de um Deus que se fez homem para acostumar o homem a ser de Deus. Porque, no fim das contas, se esse Deus se deu ao trabalho de realizar tais milagres, o mínimo que podemos fazer, dizia Carlo Acutis, é divulgá-los para que outros, vendo esses mesmos sinais, também creiam e encontrem a vida eterna.

A teologia modernista, por outro lado, não acredita em milagres nem se submete ao mistério. Orgulhosa de seu método “científico”, ela declara soberbamente: “Não se pode utilizar luz elétrica e aparelho de rádio, em casos de doença empregar modernos meios médicos e clínicos e, simultaneamente, acreditar no mundo dos espíritos e dos milagres do Novo Testamento” [2]. Para os teólogos dessa estirpe, a Igreja precisaria abandonar a hermenêutica “mitológica” e “mágica” dos primeiros cristãos para assumir, em seu lugar, uma visão histórico-crítica. E assim eles negam a multiplicação dos pães, negam a cura dos cegos e leprosos, negam a transformação da água em vinho e, como era de esperar, negam até a Ressurreição.

Ora, não podemos deixar de constatar como essa mentalidade incrédula tem privado os católicos da beleza dos mistérios divinos, tornando tudo feio, medíocre e amargo — sobretudo a liturgia, que passa a ser apenas um momento de pantomimas e esquisitices arbitrárias. Chesterton estava certo quando disse que o louco é aquele que perdeu tudo, menos a razão. A teologia moderna produziu frutos loucos porque, julgando-se muito racional, quis sepultar o mistério e qualquer forma de ação sobrenatural na vida dos homens. Ela jogou fora a “infância espiritual” que crê nos milagres — crê, por exemplo, na misteriosa presença de Cristo na Eucaristia —, para amargar com carolices comunitárias e celebrações autorreferenciais que, no fundo, não dizem nada com nada.

É por isso que ninguém deve se espantar quando uma pesquisa revela que a maioria dos católicos americanos já não crê na transubstanciação da Eucaristia. Uma coisa como essa é apenas consequência lógica da forma como temos ensinado e vivido o cristianismo. Uma teologia menos misteriosa, porque supostamente mais crítica, só pode dar nisso. E assim os católicos vão, pouco a pouco, debandando para as seitas e outros cultos onde acreditam que encontrarão, ao menos, algum resquício de mistério, de milagre, de profecia, de um Deus capaz de intervir na história e realizar a sua soberana vontade.

Uma teologia que não acredita em milagres nem celebra a profundidade dos mistérios cristãos não passa de uma teologia velha, que perdeu de vista o próprio Senhor. A ela bem cabem as palavras do profeta Jeremias: “Abandonou-me, a mim, fonte de água viva, para cavar cisternas, cisternas fendidas que não retêm a água” (2, 13). Foi para preservar a Igreja dessa apostasia, desse horrível mistério da iniquidade, que São Pio X forçou muitos teólogos a reconhecerem e admitirem “como sinais certíssimos da origem divina da religião cristã os argumentos externos à Revelação, isto é, os feitos divinos, e em primeiro lugar os milagres e profecias” [3]. Com isso, ele apenas repetia a mesma reprimenda de Cristo aos fariseus que, sabendo interpretar os aspectos do céu e da terra, recusavam-se, todavia, a acreditar nos sinais do tempo presente (cf. Lc 12, 56).

Ainda no limiar deste terceiro milênio, os homens continuam a ter sede de respostas para os mistérios mais profundos de sua existência; eles continuam a desejar um poder transcendente que seja capaz de sanar suas dores e angústias; eles continuam, enfim, a maravilhar-se com as belezas inexplicáveis, com o impossível e o extraordinário. Fujamos de uma teologia racionalista, que só consegue produzir mais crise nos corações. Tenhamos nós, católicos deste século, a coragem de devolver aos homens as misteriosas verdades do cristianismo, que devem tornar a existência mais bela, grande e doce.

Referências

  1. René Chateaubriand, O gênio do cristianismo, Trad. de Camilo Castelo Branco. São Paulo: Editora W. M. Jackson, p. 15.
  2. Rudolf Bultmann, Crer e Compreender. São Leopoldo: Sinodal, 1987, p. 16.
  3. “Juramento antimodernista” de São Pio X, em: Motu proprio Sacrorum Antistitum (1.º de setembro de 1910).

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