Circulou no mundo inteiro um vídeo, gravado durante uma Missa de Páscoa, no qual um homem visivelmente alterado recebe a Hóstia consagrada das mãos do padre e sai andando com ela por toda a igreja, enquanto blasfema e debocha da presença real de Jesus na Eucaristia. Impressiona o fato de o vídeo ter sido filmado pelo próprio criminoso, mas mais impressionante ainda é que ninguém faz nada para contê-lo, tirar-lhe a Hóstia da mão ou impedir, de alguma forma, que ele fizesse o que fez.
O fato passou-se na cidade de Trieste, na Itália, e o vídeo é revoltante do começo ao fim. Tamanha é a desfaçatez do profanador que já na procissão da Comunhão ele está filmando tudo, já ao receber do sacerdote a Hóstia ele está debochando — “Corpo de Cristo”, diz o padre, ao que ele retruca: “E che parte è questa del corpo?” —; ainda, ao deixar a procissão ele anda tranquilamente pela nave da igreja, aponta a câmera para si, profere um sem número de blasfêmias — pergunta, por exemplo: “Ma come puoi fare di una patatina (“batatinha”) il Corpo di Cristo?” — e o vídeo se acaba.
(Deixamos o vídeo disponível abaixo, mas advertimos nossos leitores para o peso do conteúdo. A quem assistir, que as imagens abaixo sirvam para aumentar em nós o espírito de zelo para com o Santíssimo Sacramento e a vontade de reparar as ofensas cometidas contra Jesus Eucarístico.)
A impressão que fica, aos que assistem ao vídeo, é que todo o sacrilégio poderia muito bem ter sido evitado, seja na hora da distribuição mesma da espécie sagrada (pois era muito claro que o homem não estava “devidamente disposto” para receber a Comunhão: CDC, cân. 843, § 1), seja depois, quando o indivíduo foi deixando a igreja sem que ninguém esboçasse a mínima reação de defesa ao ataque que estava acontecendo [1]. Que não houvesse um homem, um único que fosse, para deter o profanador (com força física mesmo, se necessário), já é um sinal muito claro de em que pé está a crise de masculinidade na sociedade ocidental e na Igreja.
Mas é evidente que não é só esta a crise por trás do que aconteceu em Trieste — e que pode acontecer, no fundo, em qualquer capela católica. Se olharmos para o modo como os fiéis católicos de modo geral, sejam leigos sejam sacerdotes, têm tratado o Corpo de Cristo, deveríamos nos perguntar se, afinal de contas, essas pessoas que vivem na igreja, dizem-se católicas, e talvez até participem de um movimento ou de uma pastoral, acreditam mesmo no mistério que está no sacramento da Eucaristia.
A Igreja chama-lhe “Santíssimo Sacramento”; mas, se olharmos para a forma como Ele é tratado no dia a dia — pois passamos em frente às igrejas e, quando nelas estamos, quantos de nós passamos pelo sacrário sem fazer um gesto sequer de reverência! —, na liturgia — pois a Missa se tornou em muitos lugares um verdadeiro espetáculo circense — ou na distribuição da Comunhão — pois Ele é recebido como se fosse pão comum —, nem parece que a Eucaristia seja um sacramento, tampouco que seja santíssimo.
A Igreja ensina que “no venerável sacramento da Eucaristia [...] está contido o Cristo inteiro em cada espécie e sob cada parte da espécie” (Concílio de Trento, s. XIII, cân. 3: DH 1653); mas, se olharmos para a negligência com que se tratam as espécies consagradas e os menores de seus fragmentos, seja no altar, seja na mesa de Comunhão, não há como não perguntarmos se, afinal, os católicos realmente acreditam naquilo que celebram todos os domingos ou se tudo não passa de uma farsa, um teatro ou algo do gênero.
A Igreja tem inúmeras orientações quanto ao modo como se deve distribuir a Comunhão aos fiéis. Há um bom compêndio delas na instrução Redemptionis Sacramentum, nn. 88-96, onde, entre outras coisas, é possível ler:
- “ponha-se especial cuidado em que o comungante consuma imediatamente a hóstia, na frente do ministro”;
- “ninguém se desloque (retorne) tendo na mão as espécies eucarísticas”;
- “a bandeja para a Comunhão dos fiéis se deve manter, para evitar o perigo de que caia a hóstia sagrada ou algum fragmento”;
- “não está permitido que os fiéis tomem a hóstia consagrada nem o cálice sagrado por si mesmos”; e, por fim:
- “Se existe perigo de profanação, não se distribua aos fiéis a Comunhão na mão.”
Mas… bem, nem é preciso dizer como nada disso é posto em prática. Ao contrário, são justamente as iniciativas de mais piedade e reverência para com o Santíssimo Sacramento que parecem incomodar. É como se estivéssemos vivendo num mundo paralelo, onde um louco como esse de Trieste pode “brincar” sacrilegamente com a Eucaristia, mas os fiéis católicos não podem demonstrar em público seu amor e respeito para com Jesus Sacramentado…
O Cardeal Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, observou recentemente “como a fé na Presença Real pode influenciar o modo de receber a Comunhão, e vice-versa”. Disse ele que
a atenção às mais pequeninas partículas, o cuidado na purificação dos vasos sagrados, o não tocar a Hóstia com as mãos sujas de suor, tornam-se profissões de fé na presença real de Jesus, ainda que seja nas menores partes das espécies consagradas: se Jesus é a substância do Pão Eucarístico, e se as dimensões dos fragmentos são acidentes apenas do pão, pouco importa que o pedaço da Hóstia seja grande ou pequeno! A substância é a mesma! É Ele! Ao contrário, a desatenção aos fragmentos faz perder de vista o dogma: pouco a pouco poderia começar a prevalecer o pensamento: “Se até o pároco não dá atenção aos fragmentos, se administra a Comunhão de um modo que os fragmentos podem se dispersar, então quer dizer que Jesus não está presente neles, ou está ‘até um certo ponto’.”
Trieste, portanto, é só mais um exemplo da completa apatia e indiferença de nossos católicos pela Eucaristia: muitos de nós deixamos de crer, e tantos outros são deixados na ignorância a respeito do que a Igreja realmente ensina sobre esse sacramento. Se não voltarmos o quanto antes a uma boa catequese e uma boa liturgia — em atenção à velha fórmula lex orandi, lex credendi —, continuaremos ladeira abaixo… e só Deus sabe se o Filho do Homem, quando voltar, ainda encontrará fé eucarística sobre a terra (cf. Lc 18, 8).
O que achou desse conteúdo?