Assim como muitas outras peças do mosaico europeu, a Bélgica tem uma relação idiossincrática com a fé. Ao mesmo tempo em que é historicamente devoto, o perfil atual é de um país altamente secularizado. Suas cidades antigas são berços da arte e do ensino cristãos, e a religião católica é, em vários sentidos, a raison d'etre (razão de ser) do país. Quando foi criado em 1830, o reino oferecia um abrigo político aos católicos de língua holandesa, os quais preferiam se unir aos seus correligionários franceses que aos protestantes, com quem tinham o mesmo idioma em comum. A fé havia superado a linguagem. Mas, com o papel do cristianismo em decadência, decai também a habilidade da Bélgica em manter unidos os dois campos linguísticos. E um novo credo, o Islã, começa a ganhar importância enquanto isso.

A família real, um símbolo nacional, é devotamente católica. Em 1990, o Rei Balduíno preferiu renunciar por um dia a assinar uma lei legalizando o aborto. Mas, em 2014, o seu sucessor, o Rei Filipe, desapontou os católicos conservadores ao assinar uma excepcionalmente liberal lei da eutanásia, estendendo a prática a crianças com doença em fase terminal.

A fácil passagem dessa lei refletiu o fortalecimento político de sistemas éticos não-religiosos. Mas, em contraste com a secular França, muita religião é ensinada nas escolas belgas: as crianças são geralmente instruídas na fé de sua tradição, seja a cristã, a judaica ou — em números francamente crescentes — a muçulmana. Em Bruxelas, cerca de metade das crianças nas escolas públicas optam por aulas de Islã, ainda que esse quadro exclua a grande porção de crianças que frequentam as escolas privadas — e, em grande parte, católicas.

Tudo isso faz parte do panorama de um estudo de comportamento religioso entre belgas falantes de francês, conduzido pelo Observatório de Religião e Secularismo, uma fonte bastante útil para o estudo do assunto na Europa. Os participantes da pesquisa vêm igualmente da Valônia, a região sul que faz divisa com a França, e da maioria francófona da capital Bruxelas.

Os pesquisadores ficaram surpresos com o número de entrevistados que ainda admitiam ter algum vínculo com a religião. De todos, 20% se declaram católicos praticantes e 43% não praticantes; 6% são muçulmanos praticantes e 1% não praticante. Com outras religiões marcando poucos pontos cada, restaram 26% que se consideravam ateus ou agnósticos. Jean-Philippe Schreiber, professor de estudos religiosos que coordenou a pesquisa, disse que um impressionante número de belgas "reivindicou uma identidade religiosa", ainda que não afetasse tanto em seu comportamento. Isso certamente se aplica ao católicos mais relaxados — assim como nem todos os que se identificaram com o Islã realmente rezam e jejuam como estabelecem as suas leis.

Voltamos então a Bruxelas, onde algumas partes da cidade acolhem grandes comunidades de imigrantes marroquinos e turcos, a maior parte vinda de regiões mais fundamentalistas desses países. Dos entrevistados na capital, os católicos praticantes somam 12% e os não-praticantes, 28%. Cerca de 19% são muçulmanos ativos e outros 4% têm identidade islâmica mas não praticam a fé. O campo ateu/agnóstico chega a 30%.

Entre todos os entrevistados, os níveis de adesão ativa ao catolicismo parece diminuir dramaticamente com a faixa etária, enquanto a prática do Islã aumenta correspondentemente. Assim, entre os entrevistados com 55 anos de idade ou mais, católicos praticantes somam 30% e muçulmanos praticantes menos de 1%; mas entre os que têm de 18 a 34 anos, a aderência ativa ao Islã já excede a prática do catolicismo: 14 contra 12%. A amostra, eles admitem, é pequena (600 pessoas ao todo), mas se essa tendência continuar, em pouco tempo os praticantes do Islã vão superar tranquilamente os católicos devotos, não somente na cosmopolita Bruxelas, como já é o caso, mas ao longo de toda a porção sul da Bélgica.

Os pesquisadores se impressionaram com o fato de que muitos belgas retenham uma lealdade cultural à fé católica, ainda que isso seja cada vez menor. A porcentagem de "católicos praticantes" confessos excede e muito o número de quem realmente vai à Missa, como qualquer padre pode confirmar. Mas uma coisa parece bem clara. Se algo vier a manter a Bélgica unida durante o seu terceiro século de existência, certamente não será o catolicismo.

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