As últimas duas semanas da Quaresma são de tal modo importantes que, até a reforma litúrgica de 1969, figuravam dentro de um tempo litúrgico próprio: o Tempo da Paixão. 

De todos os modos, permanece o costume em várias igrejas (ainda que não seja obrigatório) de cobrir de véus roxos os crucifixos dos altares e as imagens dos santos; nas orações eucarísticas, o Prefácio da Quaresma já é preterido pelo da Paixão; e, na sexta-feira anterior à Semana Santa, já se faz memória das Sete Dores de Maria, como num prelúdio do que se dará dias depois. 

Para ajudar nossos leitores a penetrar mais fundo nos mistérios que já estamos a celebrar, apresentamos a seguir cinco belos sonetos — muito atrelados à Cruz e à Paixão de Cristo. 

Eles são todos de autoria de José Albano († 1923), um poeta católico e brasileiro que, sem a edição de sua obra por Manuel Bandeira em 1948, não passaria de um ilustre desconhecido para a maior parte das pessoas. Dele falaram Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima; dele escreveu Bandeira que “foi um altíssimo poeta” e “escreveu um dos mais belos sonetos da língua portuguesa e de todas as línguas”.

Agradecemos à editora Permanência, que primeiro publicou essas joias em seu site. Apreciem-nas: foram escritas por um filho desta Terra de Santa Cruz.

I.

Amar é desejar o sofrimento
E contentar-se só de ter sofrido,
Sem um suspiro vão, sem um gemido,
No mal mais doloroso e mais cruento.

É vagar desta vida tão isento
É deste mundo enfim tão esquecido,
É pôr o seu cuidar num só sentido
E todo o seu sentir num só tormento. 

É nascer qual humilde carpinteiro,
De rudes pescadores rodeado,
Caminhando ao suplício derradeiro.

É viver sem carinho nem agrado,
É ser enfim vendido por dinheiro,
E entre ladrões morrer crucificado.

II.

Mata-me puro Amor, mas docemente,
Para que eu sinta as dores que sentiste
Naquele dia tenebroso e triste
De suplício implacável e inclemente.

Faze que a dura pena me atormente
E de todo me vença e me conquiste,
Que o peito saudoso não resiste
E o coração cansado já consente.

E como te amei sempre e sempre te amo,
Deixa-me agora padecer contigo
E depois alcançar o eterno ramo.

E, abrindo as asas para o etéreo abrigo,
Divino Amor, escuta que eu te chamo,
Divino Amor, espera que eu te sigo.

III.

Senhor, assim pregado ao duro lenho,
Não negas a ninguém o seu socorro;
A mim, pois, que de mágoa vivo e morro,
Dá-me o brando sossego que não tenho.

Em te amar sempre ponho todo o empenho,
Vendo do puro sangue o frio jorro,
E com suspiros aos teus braços corro
E ao pé da santa cruz deitar-me venho.

Olha como foi triste o meu destino,
Sem esperanças quase e sem ventura,
Apenas com os sonhos que imagino.

Lembra-te destas dores tão escuras,
De que tu és o meu Pastor divino
E de que eu sou a ovelha que procuras.

IV.

Eu não sabia que me amavas tanto,
Ó meu Deus, ó meu Pai brando e bondoso,
Senão quando perdi ventura e gozo,
Esperança, alegria, sonho e encanto.

Então no meio de mortal quebranto,
Sem achar um momento de repouso,
Conheci quanto o amor é poderoso,
Quanto é puro e profundo, meigo e santo.

E se castigar-me não desistes,
E mandas que a tortura mais me aperte,
Rogo-te que de todo me conquistes;

Para, quando a alma às dores se converte,
Erguer ao claro céu os olhos tristes
E com maior ternura bendizer-te. 

V.

Bom Jesus, amador das almas puras,
Bom Jesus, amador das almas mansas,
De ti vêm as serenas esperanças,
De ti vêm as angélicas doçuras.

Em todas parte vejo que procuras
O pecador ingrato e não descansas,
Para lhe dar as bem-aventuranças
Que os espíritos gozam nas alturas.

A mim, pois, que de mágoa desatino
E, noute e dia, em lágrimas me banho,
Vem abrandar o meu cruel destino.

E, terminado este degredo estranho,
Tem compaixão de mim, Pastor Divino,
Que não falte uma ovelha ao teu rebanho!

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