Há algum tempo, um conhecido dos meus tempos de fundamentalista me enviou um e-mail. Kevin tornara-se pastor batista e estava desiludido por eu ter sido “enganado pela Igreja Católica” e queria saber as razões que me levaram a tornar-me católico.

Recebo e-mails como este de vez em quando e, em vez de me envolver em discussões sobre o Purgatório, velas, culto a Maria ou indulgências, normalmente vou direto ao assunto e tento confrontar o meu correspondente com a questão da autoridade na Igreja.

Kevin me disse que seguir o Papa era um erro antigo; para sustentar sua tese, prometeu me enviar um livro chamado The Trail of Blood [“O Rasto de Sangue”]. 

A obra, escrita por um pastor batista chamado James Milton Carroll, explica que os batistas não são realmente protestantes porque nunca se separaram da Igreja Católica. Em vez disso, eles fariam parte de uma antiga linhagem de “verdadeiros e fiéis cristãos bíblicos” que remonta aos valdenses e henriquinos, aos cátaros, aos novacianos, aos montanistas e, finalmente, a João Batista. Esse ponto de vista é chamado de sucessionismo batista, ou landmarkismo, e também é ensinado por John Tyler Christian em seu livro A History of the Baptists [“Uma História dos Batistas”].

O sucessionismo batista é uma teoria mais teológica do que histórica. Segundo os seus proponentes, o fato de não haver provas históricas da teoria simplesmente mostra como a Igreja Católica foi hábil na perseguição e no ocultamento. O sucessionismo batista nunca pode ser refutado, porque todo o necessário para que a sua sucessão fosse transmitida era um pequeno grupo de pessoas fiéis mantendo viva, em algum lugar e em algum momento, a chama da verdadeira fé. Os autores dessa falsa história ignoram alegremente as crenças heréticas de seus supostos antepassados na fé. Basta que todos esses grupos tenham se oposto aos católicos e sido perseguidos por eles.

A maioria dos evangélicos instruídos riria dessa falsa erudição. Muitos outros ignoram completamente os trabalhos de J. M. Carroll e as teorias históricas obscuras do sucessionismo batista. No entanto, seus pressupostos fundamentais fornecem a base para a maioria das explicações batistas independentes sobre a história da Igreja primitiva, e esses pressupostos são a base para a típica compreensão batista independente da Igreja. Os pressupostos são os seguintes: 

  1. Jesus Cristo nunca pretendeu estabelecer um papado monárquico. 
  2. A igreja do Novo Testamento era descentralizada.
  3. A igreja primitiva era essencialmente local e congregacional em seu governo.
  4. A igreja tornou-se hierárquica após a conversão de Constantino no século IV. 
  5. O papado foi inventado pelo Papa Leão Magno, que reinou de 440 a 460.
“Uma balada de Lutero, o Papa, o Cardeal e um lavrador”, poema anticatólico do século XVI, ilustrado por Byam Shaw.

As suposições fundamentais do evangélico típico a respeito do papado formam o pano de fundo do mundo evangélico. Fui criado numa igreja bíblica independente, onde ensinaram-me que a nossa pequena comunidade, reunida para estudar a Bíblia, orar e cantar canções evangélicas, era semelhante à reunião dos “primeiros cristãos” em suas igrejas domésticas. Eu tinha uma imagem mental do “Papa católico” formada a partir de uma série de fontes tendenciosas. Quando ouvia a palavra “Papa”, imaginava um italiano corpulento com o suntuoso nome de “Bórgia”, que bebia muito vinho e, embora devesse ser celibatário, tinha não só amantes como filhos, a quem chamava de “sobrinhos”. Esse “Papa” organizava grandes banquetes num de seus numerosos palácios, era muito rico, partia para a guerra quando lhe apetecia e gostava de dizer a Michelangelo como pintar. O fato de esse “Papa” ter sido uma invenção posterior da corrupta Igreja Católica era apenas parte de toda a história pitoresca.

Mas, claro, a ideia de um Papa renascentista cheio de pompa caracterizando todos os Papas não é uma invenção católica, mas protestante. O protestantismo foi obrigado a reescrever toda a história de acordo com as suas próprias necessidades. Como escreveu o historiador francês Augustin Thierry, “para sobreviver, o protestantismo viu-se obrigado a criar a sua própria história”.

Os cinco pressupostos fundamentais dos cristãos não católicos podem ser corrigidos se olharmos para a história da Igreja primitiva. Será que Jesus concebeu um papado monárquico? A Igreja primitiva era descentralizada? Era essencialmente local e congregacional? Só se tornou hierárquica após a conversão do imperador? Será que Leão Magno inventou o papado no século V? 

Para examinar estas questões, teremos de pôr de lado os preconceitos e as imagens mentais dos Papas Bórgia e passar aos fatos, somente aos fatos.

Será que Jesus concebeu um papado monárquico?

Jesus certamente não concebeu os Papas afetados e corruptos presentes no imaginário popular. Ele quis fundar uma Igreja, mas ela não teria uma estrutura democrática. Foi estabelecida com uma liderança individual clara. Em Mateus 16, 18-19, Jesus diz a Simão Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” Portanto, Jesus não fundou a sua Igreja com base num modelo congregacional, mas a partir de um modelo de liderança pessoal.

Seria este um papado monárquico? De certa forma, sim. Em Mateus 16, Jesus prossegue e diz a Pedro: “Eu te darei as chaves do Reino dos céus; tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”. Esta é uma referência direta a Isaías 22, 22, quando o profeta reconhece Eliaquim como mordomo da casa real de Davi. O mordomo era o primeiro-ministro do reino. As chaves do reino eram o sinal de sua autoridade pessoal, delegada pelo próprio rei. 

Jesus entrega as chaves do Reino a São Pedro. Afresco de Pietro Perugino.

Jesus nunca pretendeu instituir um papado monárquico na acepção distorcida segundo a qual o Papa seria um monarca mundano absoluto. Mas o tipo de liderança da Igreja previsto por Jesus era, sim, “monárquico”, porque fundado em sua autoridade como Rei dos reis. A referência a Isaías 22 mostra que a estrutura do reino de Jesus foi inspirada na corte dinástica do Rei Davi. Em Lucas 1, 32-33, o nascimento de Jesus é anunciado em termos reais. Ele herdará o trono de seu pai Davi. Reinará sobre a casa de Jacó e o seu reino nunca terá fim. Tal como Eliaquim, a quem Jesus se refere, Pedro deve ser a autoridade nomeada nesta corte e, como tal, o seu papel é de administrador e governante na ausência do Rei supremo, o descendente da casa de Davi. O fato de Pedro assumir esse papel preeminente de liderança na Igreja primitiva é atestado ao longo de todo o Novo Testamento: ele ocupa o primeiro lugar na lista dos Apóstolos, faz uma pregação dinâmica no dia de Pentecostes, toma decisões no Concílio de Jerusalém e é honrado por São Paulo e os outros Apóstolos. 

Será que Jesus pensou em instituir um papado monárquico? Com certeza ele não tinha em mente o papado corrupto, desonesto e mundano que por vezes se manifestou ao longo da história; mas quis que um homem fosse o seu delegado real na terra, liderasse outros (cf. Lc 22, 32) e assumisse a liderança espiritual e temporal da sua Igreja. Isto é demonstrado não só através da famosa passagem de Mateus 16, mas também no capítulo final do Evangelho de João, em que Jesus, o Bom Pastor, transmite a Pedro o seu pastoreio.

A Igreja primitiva era descentralizada?

As igrejas evangélicas independentes seguem a ideia batista sucessionista de que a igreja primitiva era descentralizada. Apetece-lhes imaginar que os primeiros cristãos se reuniam em suas casas para estudar a Bíblia e rezar, e que existiam nesta forma pura independentemente de qualquer autoridade central. É fácil imaginar que, há muito tempo, no mundo antigo, os transportes e as comunicações fossem raros e difíceis, e que [portanto] não houvesse nenhuma forma de autoridade centralizada na Igreja, mesmo que isso fosse desejável.

São Pedro e São Paulo, colunas da Igreja.

Uma leitura mais atenta dos Atos dos Apóstolos mostra que isso não é verdade, e uma leitura mais aprofundada dos documentos da Igreja primitiva mostra que isso não passa de uma invenção. Nos Atos dos Apóstolos, o que vemos é uma Igreja centralizada em Jerusalém desde o começo. Quando Pedro tem a sua perturbadora visão, em que Deus o orienta a admitir os gentios na Igreja, ele alude imediatamente à liderança apostólica em Jerusalém (cf. At 11, 2).

A missão da igreja nascente foi dirigida a partir de Jerusalém com o envio de Barnabé e Ágabo a Antioquia (At 11, 22.27). O Concílio de Jerusalém (cf. At 15) foi convocado para deliberar sobre os gentios, tendo sido enviada uma carta de instruções às novas igrejas em Antioquia, na Síria e na Cilícia. Em Atos 15, 23, vemos Filipe, João Marcos, Barnabé e Paulo viajando de e para Jerusalém, e estabelecendo uma conexão de ensino e disciplina entre as novas igrejas e esta comunidade central.

Após o martírio de Tiago, o papel de liderança é transferido para Pedro e Paulo. Através de suas epístolas às várias igrejas, os dois são investidos de uma autoridade central, por serem Apóstolos. Essa autoridade deixou Jerusalém e logo se concentrou em Roma, de modo que Santo Inácio, bispo da igreja de Antioquia, escreveria aos romanos, no ano 108, afirmando que a igreja deles detinha uma posição superior no amor entre as igrejas.

O historiador Eamon Duffy sugere que a liderança mais antiga da igreja romana pode ter sido mais conciliar que monárquica, porque, em sua carta aos coríntios, Clemente de Roma não escreve como bispo de Roma; mas ainda assim Duffy confirma: a Igreja primitiva via em Clemente o quarto bispo de Roma e em sua carta, uma forma de respaldo à autoridade romana central. Ele também admite que, à época de Irineu de Lyon, em meados do século II, o papel centralizador do bispo de Roma já estava bem estabelecido. A partir daí, citações e mais citações dos Padres apostólicos podem ser compiladas para mostrar que a Igreja inteira — da Gália ao norte da África e da Síria à Espanha — afirmava a primazia do bispo de Roma como sucessor de Pedro e de Paulo.

A aceitação dessa autoridade era um sinal de pertença à única Igreja verdadeira, de tal modo que São Jerônimo pôde escrever ao Papa Dâmaso, em meados do século III: 

Considerei que devia consultar a Cátedra de Pedro e a fé elogiada pela boca do Apóstolo (cf. Rm 1, 8)... Minhas palavras são ao sucessor do pescador, ao discípulo da Cruz. Não sigo nenhum líder, mas Cristo, então estou em comunhão com vossa bem-aventurança, isto é, com a cátedra de Pedro. Nesta rocha, eu sei que a Igreja é construída (Cartas XV).

A Igreja primitiva era local e congregacional?

Não encontramos nenhuma evidência de uma rede de igrejas locais independentes, governadas democraticamente por congregações individuais. Em vez disso, desde o começo vemos igrejas governadas por bispos: no Novo Testamento os Apóstolos nomeavam anciãos nas igrejas (cf. At 14, 23; Tt 1, 5). Estes permaneciam em contato com os Apóstolos e com os anciãos das outras igrejas por meio de viagens e comunicação epistolar (1Pd 1, 1; 5, 1). Anne Rice, autora da série de romances Christ The Lord [“Cristo Senhor”], salienta como eram rápidas e excelentes as linhas de viagem e de comunicação no Império Romano.

Na Igreja primitiva, não vemos congregações independentes que se reúnem por conta própria e resolvem suas próprias questões com a leitura da Bíblia. É preciso lembrar que, nos dois primeiros séculos, não havia Bíblia propriamente dita, pois o cânon do Novo Testamento ainda não fora estabelecido. Em vez disso, desde os primeiros tempos, havia igrejas governadas pelos bispos e pelo clero, sendo sua autenticidade validada pela sucessão apostólica. Por isso Clemente de Roma escreve: 

Nossos apóstolos conheciam, da parte do Senhor Jesus Cristo, que haveria disputas por causa da função episcopal. Por esse motivo, prevendo exatamente o futuro, instituíram aqueles de quem falávamos antes, e ordenaram que, por ocasião da morte desses, outros homens provados lhes sucedessem no ministério (Primeira carta aos coríntios, 44).

Inácio de Antioquia, na Síria, escreve cartas a seis diferentes igrejas e instrui os magnésios: “Sejam submissos ao bispo e também uns aos outros, assim como Jesus Cristo se submeteu, na carne, ao Pai, e os apóstolos se submeteram a Cristo… a fim de que haja união” (13, 2).

Este ministério apostólico estava presente em cada cidade, mas era centralizado em Roma. Rejeita-se a ideia de uma igreja independente, local e congregacional. Por isso, no final do século II, Irineu disse: 

Portanto, a tradição dos apóstolos, que foi manifestada no mundo inteiro, pode ser descoberta em toda Igreja por todos os que queiram ver a verdade.
Mas visto que seria coisa bastante longa elencar… as sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais antiga e conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois gloriosíssimos apóstolos, Pedro e Paulo, e, indicando a sua tradição recebida dos apóstolos e a fé anunciada aos homens, que chegou até nós pelas sucessões dos bispos, refutaremos todos os que de alguma forma, quer por enfatuação ou vanglória, quer por cegueira ou por doutrina errada, se reúnem prescindindo de qualquer legitimidade. Com efeito, deve necessariamente estar de acordo com ela, por causa da sua origem mais excelente, toda a igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares, porque nela sempre foi conservada, de maneira especial, a tradição que deriva dos apóstolos (Contra as heresias III, 3, 1.2).

A Igreja só se tornou hierárquica depois de Constantino?

Os evangélicos independentes imaginam que a Igreja só se tornou hierárquica depois de ter sido “contaminada” pela conversão do Imperador Constantino, em 315. Naquela época, argumentam eles, o modelo monárquico penetrou a Igreja a partir da corte do imperador, e ela deixou de ser independente, local e congregacional para se tornar um braço centralizado e hierárquico do Império Romano.

Mais uma vez, essa teoria não tem qualquer relação com a realidade. Como vimos, a ideia de um papado monárquico estava presente desde o início, na identificação de Jesus como o grande descendente do Rei Davi, tendo Pedro como seu administrador. Este, tal como o rei a quem servia, deveria ser o servo e o pastor de todos, mas também deveria governar com o carisma da liderança individual. Essa forma de governança é hierárquica desde o início, pois está fundamentada no próprio conceito de Reino de Deus pregado por Jesus. Um reino é absolutamente hierárquico, e a Igreja, como reino de Cristo, é hierárquica desde os seus fundamentos. Além disso, a liderança da assembleia judaica (que serviu de modelo à Igreja cristã) era hierárquica, com as suas ordens de rabinos, sacerdotes e anciãos.

A obediência ao bispo como chefe da Igreja era crucial. Por isso, Inácio de Antioquia escreve aos cristãos de Esmirna e condena o congregacionalismo individualista em termos que são claramente hierárquicos: 

Segui todos ao bispo, como Jesus Cristo segue ao Pai, e ao presbitério como aos apóstolos; respeitai os diáconos como à lei de Deus. Sem o bispo, ninguém faça nada do que diz respeito à Igreja. Considerai legítima a eucaristia realizada pelo bispo ou por alguém que foi encarregado por ele… Sem o bispo não é permitido batizar, nem realizar o ágape (8).

A natureza hierárquica da Igreja é confirmada e selada pela sucessão apostólica. Os líderes da Igreja são nomeados pelos sucessores dos Apóstolos, e há uma clara cadeia de comando que valida uma igreja e o seu ministério. Por isso, Irineu escreve: 

Eis por que se devem escutar os presbíteros que estão na igreja, que são os sucessores dos apóstolos, como o demonstramos, e que com a sucessão no episcopado receberam o carisma seguro da verdade segundo o beneplácito do Pai. Quanto a todos os outros que se separam da sucessão principal e em qualquer lugar que se reúnam, devem ser vistos com desconfiança, como hereges e de má fé, como cismáticos cheios de orgulho e de suficiência, ou ainda, como hipócritas que fazem isso à procura de lucro e de vanglória. Todos eles se afastaram da verdade… (Contra as heresias IV, 26, 2).

Ao longo do Novo Testamento e dos escritos dos Padres apostólicos, a Igreja é retratada como uma instituição centralizada, hierárquica e universal. Enfatiza-se a necessidade da união. A heresia e o cisma são condenados ao anátema. A unidade é garantida pela fidelidade à clara cadeia hierárquica de comando: Deus enviou o seu Filho Jesus; Jesus enviou os Apóstolos; os Apóstolos nomearam os seus sucessores; os bispos estão no comando. Por isso Clemente de Roma escreve: “Os apóstolos receberam do Senhor Jesus Cristo o Evangelho que nos pregaram. Jesus Cristo foi enviado por Deus. Cristo, portanto, vem de Deus, e os apóstolos vêm de Cristo. As duas coisas, em ordem, provêm, da vontade de Deus” (Primeira carta aos coríntios, 42).

Leão Magno foi o primeiro Papa?

O termo “Papa” deriva da palavra grega παππάς (pappas), que quer dizer “pai”. Nos primeiros três séculos, era usado para designar qualquer bispo; depois, o bispo de Alexandria; e, finalmente, no século VI, passou a ser usado exclusivamente para se referir ao bispo de Roma. Portanto, não se sabe ao certo quem foi o primeiro “Papa” a ser chamado como tal.

São Leão Magno, por Bernardino Campi.

Os críticos da Igreja Católica não estão realmente preocupados com a data em que o termo “Papa” foi usado pela primeira vez. O que eles querem dizer, quando afirmam que Leão Magno (440-461) foi o primeiro Papa, é que foi nessa época que o papado começou a assumir o poder secular. Trata-se, portanto, de um simples problema de definição. Com “Papa”, o evangélico quer dizer o que eu imaginava ser o “Papa” depois de minha infância evangélica. Por “Papa” eles entendem “governante terreno corrupto”. Leão Magno teria sido o primeiro nesse sentido porque, ante a desintegração do Império Romano, foi ele que se imiscuiu no poder temporal sem pedir licenças.

No entanto, ver o Papa como um mero governante temporal (desaprovar o fato) é coisa demasiado simplória. Os católicos entendem que o poder do Papa é espiritual. Embora alguns pontífices tenham assumido o poder temporal, fizeram-no muitas vezes com relutância e nem sempre exerceram esse poder de forma corrupta. Podemos discutir se os Papas deveriam ter aceitado riquezas e poder mundanos, mas, na essência de seu ministério, tal como o Senhor a que serviam, eles deveriam saber que o seu reino não era deste mundo (cf. Jo 18, 36). Seu governo deveria ser hierárquico e monárquico, sim, no sentido de que estavam a serviço do Rei dos reis e Senhor dos senhores — mas não no sentido mundano.

A ideia protestante de que o papado foi uma invenção do século V baseia-se numa falsa compreensão do próprio papado. Consolidada a Igreja após a conversão de Constantino, sua hierarquia de fato se tornou mais influente nos reinos deste mundo; mas essa não é a essência do papado. A essência do papado está na nomeação de Pedro por Jesus como seu administrador real e na sua incumbência de fazer as vezes de Cristo como bom pastor. A ideia, portanto, de que Leão Magno foi o primeiro Papa é um dado falso, baseado num mal-entendido sobre o verdadeiro papel do bispo de Roma. 

A Igreja primitiva hoje

A partir da Reforma, os cristãos protestantes caíram na armadilha do restauracionismo: a ideia de que, tendo a Igreja existente se corrompido e afastado do verdadeiro Evangelho, devia-se criar uma nova, fiel ao Novo Testamento. Esses cristãos sinceros tentam, então, “restaurar” a Igreja criando uma outra. O problema é que cada novo grupo de restauracionistas invariavelmente cria uma igreja à sua maneira, determinada por seus pressupostos culturais contemporâneos. Em seguida, imaginam que a Igreja primitiva era como a que eles inventaram.

Todos os documentos históricos mostram que, essencialmente, a coisa mais próxima que temos hoje da Igreja primitiva é, de fato, a Igreja Católica, pois, no que diz respeito a estes pontos principais, ela é hoje o que sempre foi. Sua governança é inequivocamente monárquica e hierárquica. Sua autoridade magisterial é centralizada e universal, e o Papa é o que sempre foi: o pastor universal da Igreja de Cristo, o administrador do reino de Cristo e a rocha sobre a qual Cristo edifica a sua Igreja.

Referências

  • Para todas as citações dos Santos Padres feitas aqui, consultamos a tradução portuguesa da Coleção Patrística, da Editora Paulus, mormente Contra as heresias, de Irineu de Lião, e o volume 1 dos Padres Apostólicos.

O que achou desse conteúdo?

Mais recentes
Mais antigos