Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do Corpo e do Sangue do Senhor. Que cada um se examine a si mesmo e, assim, coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que o come e o bebe sem distinguir o Corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação. Essa é a razão por que entre vós há muitos adoentados e fracos, e muitos mortos. Se nos examinássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, sendo julgados pelo Senhor, ele nos castiga para não sermos condenados com o mundo (1Cor 11, 27–32).

Decidi escrever esta carta com o objetivo de me dirigir aos meus companheiros católicos sobre um assunto que me pareceu difícil de abordar. Estou assustado, porque todos estamos prestes a ir à Missa novamente. Mas meus temores não vêm das possíveis repercussões físicas do retorno à Missa. Eles são, antes, puramente espirituais.

Em agosto de 2019, o Pew Research Center publicou um artigo afirmando que apenas um terço dos católicos [norte-americanos] creem que o Santíssimo Sacramento é o verdadeiro Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo. Na verdade, de acordo com o artigo, quase 70% dos católicos creem que a Eucaristia é algum símbolo da Paixão de Cristo, e não o seu verdadeiro Corpo e Sangue. Isso é angustiante por várias razões, e uma das principais é o fato de tais crenças terem resultado em sacrilégios contra o Santíssimo Sacramento no mundo inteiro. 

Não sou teólogo. Não mergulharei no vasto e histórico significado da transubstanciação e na incompreensível beleza de cada Missa. Em vez disso, como leigo, recorro ao Catecismo da Igreja Católica:

Aquele que quiser receber Cristo na Comunhão eucarística deve encontrar-se em estado de graça. Se alguém tiver consciência de ter pecado mortalmente, não deve aproximar-se da Eucaristia sem primeiro ter recebido a absolvição no sacramento da Penitência (n. 1415).

De fato, comungar em estado de pecado mortal é, em si, um pecado mortal. No entanto, para aqueles que fazem parte dos 70% que não acreditam na Presença Real, é lógico que podem não se importar muito com essa ideia. Afinal de contas, se a Eucaristia não é realmente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Cristo, então é lógico que receber a Eucaristia em estado de pecado mortal não é realmente pecado mortal. Por que seria? É apenas pão, afinal de contas.

Devo dizer que sinto náuseas ao escrever isso, mesmo com sarcasmo.

Você pode perguntar como tomei conhecimento da existência de tal sacrilégio. Trata-se de um tema do qual posso falar com alguma autoridade, porque lamento dizer que fui exatamente esse tipo de “católico”. Nasci, fui criado num lar católico e estudei numa escola católica por doze anos — algo que, no que diz respeito à minha catequese, não significa muita coisa. Durante boa parte da minha vida, fui um jovem católico devoto, mas no Ensino Médio e na faculdade comecei a tomar o caminho mais fácil em muitos aspectos

Para um adolescente confuso, é fácil dizer que pecados contra a castidade são “normais”. Para o engraçadinho do grupo de amigos, é fácil dizer que o uso constante de linguagem imoral e do nome sagrado de Deus em vão não são um grande problema. Para um jovem universitário que vive de ressaca, é fácil presumir que “Deus não consideraria pecado mortal” faltar à Missa. O mais perturbador talvez seja fazer tudo isso e, ao ir à Missa pela primeira vez no ano, dizer com facilidade que não é necessário se confessar antes de receber a Eucaristia.  

Você diz a si mesmo que está tudo bem porque “Deus é amor”. Diz que está tudo bem porque o que realmente importa é o sentido por trás da Eucaristia. Você se tranquiliza, se justifica, mente para si mesmo.

Pela graça de Deus, eu consegui ir além de tais justificativas simplistas e pecaminosas. Agradeço a Deus todos os dias da minha vida por isso ter acontecido, pois sei que cada pecado contra o Santíssimo Sacramento era uma afronta ao próprio Cristo. Gostaria de poder anular aqueles pecados, e sem dúvida gostaria de poder anular os seus efeitos duradouros. Mas não posso fazer isso, e embora eu procure chegar ao Céu, tenho certeza de que os efeitos nocivos daqueles pecados terão de ser purgados antes que eu consiga fazê-lo. No entanto, sinto-me confiante por saber que, se eu manifestar verdadeira contrição, se eu suplicar e crer no perdão de Cristo por meio do sacramento da Confissão, Ele mo concederá. Se eu fizer isso, então talvez eu me torne [minimamente] digno de recebê-lo.

Conheço muitos católicos que não compreendem isso — ou, talvez sendo mais preciso, eles de fato entendem, mas preferem discordar. Em outras palavras, conheço muitos católicos cujos doze anos de escola católica foram tão “úteis” quanto os meus. Há pessoas que não se confessam desde a primeira vez que receberam o sacramento, mas ainda comungam todos os domingos. Há pessoas que, apesar de conhecer a doutrina da Igreja, professam a opinião herética de que basta ter pesar pelos pecados pessoais para receber o perdão. Até vi pessoas chegarem para a Missa cinco minutos antes da Comunhão, receberem o Santíssimo Sacramento e irem embora imediatamente, antes do final da Missa. Todo católico deveria ficar incomodado com isso, não apenas porque a alma dessas pessoas está em perigo, mas porque trata-se de uma enorme ofensa a Deus e ela acontece todos os dias.

Quando fazemos um ato de contrição, nós nos declaramos arrependidos de nossos pecados, que detestamos, “sobretudo porque eles ofenderam a vós, meu Deus, que sois todo bom e digno de ser amado”. De fato, não devemos odiar os nossos pecados apenas porque fazem mal a nós, mas porque ofendem diretamente o Deus amoroso que deu seu Filho único para que pudéssemos ser salvos. Não sei se há um exemplo mais claro e óbvio de tamanha ofensa do que o ato de receber o próprio Cristo em nosso corpo quando Ele nos diz que não somos dignos de fazê-lo.

Houve quem dissesse que o coronavírus seria um castigo pelas contínuas ofensas do mundo contra Deus. Também houve quem dissesse que isso tudo não passaria de um episódio grotesco iniciado com o consumo de um morcego contaminado. Não sei o que pensar em relação a esse assunto, e não tenho autoridade para determinar qual o significado dessa loucura que atormenta o mundo. O que realmente sei é que há muito tempo as pessoas têm desprezado a Eucaristia, e agora o acesso ao Santíssimo Sacramento tem sido negado aos fiéis por um período muito mais longo do que o esperado.

Hoje, depois de vários meses, muitos católicos felizmente voltarão a tomar parte, de modo presencial, no santo sacrifício da Missa. Do meio de toda essa confusão, que ao menos uma coisa boa sejamos capazes de tirar: queira Deus que ao menos deixemos de o desprezar.

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