O último relatório demográfico do CEU-CEFAS mostra uma Igreja que, embora numerosa em termos globais, está se reconfigurando em direção ao sul. Enquanto a África e a América consolidam seu crescimento, a Europa — e com ela o seu legado católico — continua em queda livre.
Apesar de já contar com mais de 1,4 bilhão de fiéis em todo o mundo, a Igreja Católica está vivendo uma inquietante mudança geográfica. A Europa já não é o seu eixo central. Nem sequer se pode dizer que o seja culturalmente. A fé que moldou civilizações, ergueu universidades, hospitais e catedrais e deu fundamento à moral pública do Ocidente, recua a passos acelerados. E não por perseguição, mas por indiferença.
O relatório do Observatório Demográfico CEU-CEFAS, publicado em julho de 2025, apresenta números que, apesar de conhecidos, continuam sendo chocantes. Metade dos católicos do mundo está na América. A África já ultrapassou a Europa e é o segundo continente em número de fiéis. E o mais significativo: de cada dois novos católicos no mundo, mais de um é africano.
Enquanto isso, a Europa continua perdendo fiéis e população. Uma dupla hemorragia.
O sangue dos mártires forma o continente missionário do futuro. — A África, historicamente evangelizada pelos europeus, tornou-se agora terra fértil para novas vocações, batismos e crescimento orgânico. Onde ainda há famílias, nascimentos, sentido do sagrado e fome de verdade, a Igreja floresce. A África é o continente com maior crescimento em número de católicos, padres e seminaristas. Uma ironia providencial: aqueles que um dia receberam a fé, agora a guardam e a difundem.
Ouvimos ao longe aquela famosa frase atribuída a Tertuliano: “O sangue dos mártires é semente de novos cristãos.” As notícias do Congo e da Nigéria sobre cristãos massacrados, padres sequestrados, comunidades perseguidas em meio a sociedades islamizadas... dão frutos abundantes à Igreja.
Em contrapartida, a Europa, que durante séculos foi o coração pulsante da cristandade, é hoje um deserto espiritual. Embora continue a ter, por inércia histórica, a maior proporção de clérigos per capita, o problema não é a quantidade, mas a renovação. O número de vocações despencou, os seminários estão vazios e o clero envelhece sem substitutos à vista. A mesma Europa que enviou missionários aos cinco continentes tem hoje paróquias sem Missa dominical e templos vazios convertidos em espaços culturais.
O que aconteceu com a Europa? — A secularização não é nova. O dramático é a sua aceleração. Se o século XIX testemunhou a resistência do catolicismo ante os ataques liberais e revolucionários, e o século XX viveu martírios e reerguimentos, o século XXI começa com uma apostasia suave, mas constante. Uma apostasia que não grita, mas que apaga com eficácia a cruz, os sacramentos, a moral, a família:
Na Europa, por inércia ou por herança da força de sua Igreja até poucas décadas atrás, ainda há muito mais padres do que em outros continentes, mas seu número tende a diminuir, tanto no caso dos diocesanos (para cada um deles, há menos católicos que nos outros continentes) quanto dos religiosos — e trata-se de um clero cada vez mais em idade avançada.
O relatório não analisa as causas do fenômeno, mas os dados convidam a fazê-lo. Qual foi a influência da deriva doutrinal após o Concílio Vaticano II? Qual é o peso do complexo de inferioridade cultural que grande parte da hierarquia carrega em relação ao pensamento dominante? Qual foi o efeito da tibieza na transmissão da fé nas paróquias, escolas e famílias?
América e Ásia: entre o vigor e a fragilidade. — A América, com quase 50% dos católicos do mundo, é o outro grande bastião, mas apresenta sinais contrastantes. Embora continue gerando vocações e mantenha uma forte presença social, também sofre com o crescimento das seitas evangélicas, a secularização urbana e uma profunda crise moral. Os Estados Unidos, com 53 milhões de católicos, apresentam uma taxa de frequência à Missa dominical inferior a 30%, apesar da influência hispânica: o número “é atualmente de 20%, muito inferior ao de 1970 (55%); e o número de padres católicos caiu de 59 para 35 mil”.
A Ásia, por sua vez, tem uma presença católica considerável (especialmente nas Filipinas), mas representa apenas 11% do número total de católicos no mundo. E seu futuro está comprometido pela baixa natalidade e por contextos culturais e políticos pouco favoráveis à fé cristã.
Uma Igreja desigual? — O que o relatório revela é uma Igreja em mudança. Globalmente numerosa, mas desigualmente viva. Se a Europa continuar assim, em breve será apenas um museu da cristandade. As novas reservas espirituais estão na África e numa parte da América. Para aqueles que acreditam que “as portas do Inferno não prevalecerão”, essa mudança do centro de gravidade não é motivo de desespero, mas de reflexão.
“Apesar de as tendências demográficas atuais serem adversas”, conclui o relatório, “cabe à própria Igreja analisá-las e adotar as medidas necessárias para revertê-las. A esperança, como virtude teologal, exige um compromisso ativo perante a adversidade.”

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