Certa vez, C. S. Lewis escreveu o seguinte: “De todos os homens maus, os maus religiosos são os piores”. Ao refletir sobre tantas coisas que têm sido reveladas na Igreja, relacionadas com liderança medíocre, hipocrisia e comportamento escandaloso (para dizer o mínimo), fica difícil não pensar nas palavras de Lewis e recordar o Inferno de Dante, na Divina Comédia.
Em sua obra, Dante é guiado por Virgílio no Inferno e no Purgatório e, depois, por Beatriz no Céu. Ao longo da jornada, Dante testemunha os diferentes castigos que os maus sofrem no Inferno e as diversas alegrias dos bem-aventurados no Céu. Essa recompensa se destaca mais no Inferno. A técnica genial que Dante utiliza no poema reflete sua percepção da gravidade do pecado, um conceito que tem sido negligenciado em nossa época. Dante manifesta a realidade do pecado e suas principais consequências por meio das engenhosas punições aos diversos grupos de almas no Inferno e no Purgatório, pois os castigos refletem os crimes cometidos por elas na terra.
No Inferno, Dante testemunha coisas perturbadoras e fica apavorado com elas. Viaja por cada círculo infernal e vê como cada punição reflete um crime específico que as almas cometeram na terra: aqueles que pecaram por luxúria são forçados a pairarem no vento, perseguindo uns aos outros, sem descanso nem paz. Os assassinos são condenados a afundar num fervilhante rio de sangue e fogo, enquanto os hereges queimam numa tumba ardente por toda a eternidade. De todos os castigos descritos por Dante, talvez os mais apropriados sejam os impostos aos hipócritas e líderes corruptos.
Dante põe essas pessoas nos lugares mais distantes do Inferno, na sexta cova do oitavo círculo (c. XXIII). Aqui, Dante fala de diversas figuras históricas que procuraram benefícios pessoais quando ocuparam posições de autoridade e governo. O principal pecador nessa cova é Caifás, o sumo sacerdote que defendeu a morte de Cristo com a desculpa de estar preocupado com o bem-estar de Israel.
Os hipócritas que estão nessa cova são forçados a vestir belos mantos por fora. No entanto, é possível perceber que, vistos mais de perto, os mantos estão cobertos de chumbo por dentro. Assim, eles refletem a vida dos hipócritas na terra: cheia de corrupção e sujeira, mas mascarada por indivíduos que passam a aparência de ser ordenados, bem-intencionados e preocupados com o bem comum.
Esses indivíduos ocultaram habilmente aqui na terra sua busca superficial por poder, aplausos e prazer. Esses desejos, aliados à busca por ganhos materiais, os consumiram a ponto de fazê-los dominar a arte de ter uma vida dupla. Suas vidas se transformaram, portanto, em mentiras ambulantes. Como, para eles, o prazer e o interesse próprio foram mais importantes do que a salvação, perderam toda fé e crença no eterno, usadas como meio para seu próprio benefício. O mistério do sobrenatural lhes foi obscurecido por desejos mundanos, e suas paixões desordenadas puseram em risco aquilo que é mais importante: suas almas imortais.
O Inferno de Dante serve como alerta para todos, particularmente para os que ocupam cargos de liderança. Esta, por sua vez, não deveria ser buscada, não deveria ser vista como uma oportunidade para obter poder, riqueza ou reconhecimento, pois o poder traz consigo grandes responsabilidades, e são graves as consequências de fracassar no cumprimento dos deveres de ofício e de orientar mal a outros. Cristo faz um alerta aos Apóstolos sobre essas punições: “Mas todo o que fizer cair no pecado a um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe fora que uma pedra de moinho lhe fosse posta ao pescoço e o lançassem ao mar!” (Mc 9, 42). O mesmo princípio se aplica àqueles que, em virtude de seu cargo e exemplo, escandalizam os que estão à sua volta.
S. João Batista usa palavras duras para falar dos hipócritas e dos que provocam escândalo. Ele chama os fariseus de “raça de víboras”. Por quê? Porque são tão desonestos e ardilosos quanto a serpente no jardim do Éden. Escondem suas verdadeiras intenções, dando a aparência de bom ao que é vil e perverso. Do mesmo modo, Cristo usa palavras fortes contra aqueles que, por palavras ou ações, desorientam os outros. Jesus diz o seguinte sobre os hipócritas:
Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Sois semelhantes aos sepulcros caiados: por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos, de cadáveres e de toda espécie de podridão. Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade (Mt 23, 27-28).
Portanto, aqueles que, secretamente, não conseguem pôr em prática os ensinamentos da Igreja que eles mesmos pregam, ou que realizam boas ações apenas para serem elogiados, são comparados aos mortos, pois essas ações matam a vida da graça na alma. Por conhecer os perigos desse tipo de hipocrisia, Jesus alerta os discípulos contra os falsos profetas que se parecem com ovelhas, “mas por dentro são lobos arrebatadores” (Mt 7, 15).
Se tudo o que está acima pode ser dito dos maus religiosos, o que dizer dos bons? Embora C. S. Lewis observe com acerto que “de todos os homens maus, os maus religiosos são os piores”, é possível argumentar que de todos os homens bons, os bons religiosos, os cristãos fiéis, são os melhores, pois são capazes de avaliar suas vidas colocando-as numa perspectiva adequada e orientando-as para o bem. Homens devotos compreendem o horror do pecado, suas ramificações e efeitos; portanto, estremecem só de pensar em realizar qualquer ato mau. Por reconhecerem a seriedade do pecado e o escândalo por ele causado, têm consciência de como devem viver suas vidas para que Deus seja glorificado em tudo. Por seu compromisso diário de servir a Deus em suas palavras e ações, a vida dos homens justos testemunha silenciosamente o fato de que a salvação da alma imortal vale muito mais do que qualquer coisa oferecida pelo mundo, e que a luta para preservá-la é indispensável para a verdadeira felicidade do mundo que há de vir.
Como os homens religiosos compreendem a futilidade desta vida, não buscam prazeres fugazes. Esforçam-se para viver cada dia cientes de que são “pó e ao pó voltarão”. Embora tenham consciência de serem fracos e pecadores, confiam na graça de Deus em sua luta diária para cumprir o chamado à santidade. Isso lhes permite compreender o propósito mesmo de sua existência, que, como explica S. Inácio de Loyola, é “louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor e desta forma salvar suas almas”. Nesse sentido, Deus está no centro das vidas dos homens justos, pois eles reconhecem que o mundo ao seu redor serve apenas como meio para um fim. Seu propósito de vida, fundamentado na realização da união eterna com Deus, molda cada um de seus desejos e faz com que se coloquem à disposição de Deus para trabalhar sem descanso a serviço dos outros.
Esses fiéis cristãos, cujas vidas são fundamentadas em Deus e enraizadas na lei moral, irradiam o amor de Deus para todas as pessoas com que deparam, fazendo com que Ele seja conhecido por todos. Seu testemunho genuíno da beleza do Evangelho vivido e da alegria que daí nasce inspira seus companheiros a buscarem a virtude, pois os homens são atraídos pelo bem por natureza. O Papa Leão XIII escreve sobre a importância de viver uma vida virtuosa e, assim, servir de bom exemplo para os outros. Ele observa que “dar um bom exemplo é a melhor maneira de cultivar nos homens o amor à virtude”. A integridade desse testemunho só pode ter eficácia se for autêntica: deve surgir do relacionamento com Cristo, do desejo e do comprometimento dos cristãos com a busca da santidade. Assim, os fiéis cristãos inspiram as vidas daqueles com quem convivem, por causa do verdadeiro testemunho que dão do Evangelho, de sua fidelidade a Cristo, de suas virtudes e transparência consigo e com os outros. São estas as redes involuntárias que atraem outras pessoas para eles e, em última instância, para Cristo.
Portanto, o exemplo dos bons religiosos é poderoso. O testemunho dos santos ao longo dos séculos, independentemente de suas personalidades ou vocações, mostra-nos que isso sempre foi verdade. Por meio de suas vidas e do alegre abandono ao serviço de Deus, os santos refletiram o amor divino para todas as pessoas com quem conviveram, tornando-se faróis da luz da fé no mundo.
Embora C. S. Lewis afirme que não há nada pior do que religiosos perversos, que pela mentira zombam de tudo o que é bom e profanam o que é sagrado, não há nada mais belo do que ver almas justas que lutam fervorosamente para se unirem a Deus. O exemplo dos justos não só dá esperança à humanidade, mas também faz com que as pessoas se lembrem de seu objetivo celeste. Este é o poder dos homens justos: em tudo o que fazem, refletem Deus para os outros; e, ao fermentar o mundo com a Palavra de Deus por meio de suas palavras e exemplos, os justos revelam o Céu aos homens e assim levam a humanidade a Deus.
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