Será que os ateus cínicos e os protestantes escarnecedores nunca vão parar com a velha cantilena de que o catolicismo é simplesmente o velho paganismo com uma nova roupagem? Tais críticos notam semelhanças entre certos costumes católicos romanos e a antiga religião romana e dizem que a nossa fé não passa de um paganismo repaginado.

“Natal!”, eles clamam, “sua suposta celebração do nascimento de Cristo nada mais é que a velha Saturnália romana pagã, que ocorria no solstício de inverno, e suas árvores de Natal não passam de herança dos antigos ritos de fertilidade germânicos”.

É verdade: os romanos tinham uma celebração chamada Saturnália, que ocorria no solstício de inverno. De 17 a 23 de dezembro, festejavam com banquetes e tolices. Era uma semana dedicada à comida, à frivolidade, aos jantares requintados e às travessuras. Depois, prossegue a história cínica, quando o imperador e sua mãe se converteram à fé cristã, a nova religião desmancha-prazeres desaprovou tal degeneração, mas as pessoas ainda queriam festejar. Então, o Papa teve uma ótima ideia. “Já sei! Ao invés disso, vamos começar a celebrar o Natal!”

Será que a teoria é verdadeira? À primeira vista, ela parece bastante plausível, mas, tal como a solução para um mistério de homicídio, a resposta óbvia raramente é a correta. A primeira objeção é o simples fato de que os primeiros cristãos se opunham firmemente a todas as formas de paganismo.

Eles herdaram dos primeiros cristãos vindos do judaísmo a convicção de que os deuses pagãos eram demônios e quem os adorava estava possuído. Por isso a catequese dos convertidos demorava tanto tempo e envolvia tantos exorcismos minuciosos. Por isso os primeiros cristãos não ofereciam nem um grão de incenso aos deuses pagãos. Por isso, ao invés de o fazerem, eles estavam dispostos a ser privados dos seus bens, exilados, presos, torturados e mortos. Portanto, teríamos de acreditar que, no início do século IV, os cristãos deram uma reviravolta completa e disseram: “Bem, parece que estávamos enganados em relação ao paganismo. Que desperdício foram todos aqueles martírios. Bem, a adoção do festival da Saturnália será muito popular, e assim conseguiremos muitos novos convertidos. Façamos isso!” Duvido que tenha sido assim.

A segunda objeção a essas teorias aparentemente sensatas é que os teóricos caem no erro de acreditar que semelhanças pressupõem causalidade. Isso quer dizer que, se duas coisas são semelhantes, uma deve ter influenciado a outra. As semelhanças podem incluir causalidade, mas não a pressupõem. Os povos primitivos podem ter venerado o sol no México e no Médio Oriente, no Egito e na Ásia, na Noruega e na Nova Zelândia, mas isso não significa que todas as religiões antigas tenham influenciado umas às outras. É possível que os seres humanos, independentemente do lugar, tenham uma inclinação natural para adorar o sol. Não é porque os romanos tinham um festival de solstício de inverno em honra a Saturno que os cristãos o copiaram — mesmo que as semelhanças sugiram isso.

Ao tentarmos resolver o mistério da relação entre o Natal e a Saturnália, temos de considerar não só as semelhanças, mas também as diferenças. A Saturnália era celebrada de 17 a 23 de dezembro. Muito bem, é uma data muito próxima do dia 25 de dezembro, em que se celebra o Natal — mas, se estavam copiando a Saturnália, por que os primeiros cristãos não celebravam a Natividade de Cristo em 17 de dezembro? Na Saturnália fazia-se um banquete. Ótimo. Os cristãos também faziam um. Os romanos davam presentes uns aos outros como parte da celebração. Existe uma correspondência, pois os cristãos também faziam isso. No entanto, os romanos também usavam chapéus ridículos, embebedavam-se, dançavam nus nas ruas, colocavam a estátua de Saturno num sofá para observar as festas, invertiam os papéis entre escravos e senhores e colocavam cortinas verdes em volta das portas. Nenhuma dessas atividades recreativas faz parte do Natal.

A diferença mais notória está no significado da própria celebração. Se houvesse algum tipo de ligação com o nascimento de Cristo, deveríamos esperar que o significado da Saturnália tivesse algo a ver com a chegada da luz num período escuro do ano ou com o nascimento de uma nova vida em meio ao frio e à escuridão. Contudo, nenhum desses temas está presente nas Saturnálias. Ao invés disso, Saturno era o deus da fartura agrícola, cujo lado sombrio (nos mitos mais antigos) era o fato de estar associado ao sacrifício humano. Suas raízes encontram-se no velho paganismo cujo lema é: “Vamos sacrificar alguns dos nossos filhos para apaziguar a divindade, a fim de que ele possa fazer crescer a nossa safra”. Não há nada relacionado com o surgimento da luz na escuridão ou com a bênção de uma nova vida durante o sombrio solstício de inverno. De fato, a única semelhança entre o Natal e a Saturnália é que as duas festas aconteciam em dezembro e, nelas, as pessoas faziam uma boa refeição e davam presentes umas às outras.

É possível que não tenha existido qualquer ligação significativa entre a Saturnália e o Natal, mas havia um festival pagão para o solstício que celebrava a chegada da luz e a vitória sobre as trevas, e que era celebrado em 25 de dezembro. Ao invés de uma ligação entre o Natal e a Saturnália, os estudiosos sugerem que a data do Natal foi uma apropriação cristã da festa do dies natalis Solis Invicti — o aniversário do deus Sol romano.

O problema é que essa festa romana é uma inovação tardia. No ano 278 d.C. (muito depois de o cristianismo ter começado a florescer em todo o império), o Imperador Aureliano começou a promover o culto do Sol Invictus. Não há provas de que o nascimento do “Sol Invencível” tenha sido celebrado em 25 de dezembro até cerca de 360 d.C. Essa data é muito posterior à da conversão do imperador Constantino, em 315, e ocorreu durante a influência de Juliano, o Apóstata, que tentou reverter a tendência de crescimento do cristianismo e devolver Roma às suas origens pagãs. Por isso, não é que os cristãos tenham adotado uma festa pagã e se apropriado dela, mas é exatamente o contrário: os pagãos — sentindo-se ameaçados pelo cristianismo — copiaram a celebração cristã. A celebração da natividade do Sol Invictus foi uma tentativa pagã tardia de competir com a celebração da Natividade de Cristo Senhor — “o Sol nascente que nos veio visitar” (Lc 1, 78) e “Sol da Justiça” (Ml 4, 2) — em 25 de dezembro.

“A Anunciação”, de Murillo.

Qual é, então, a origem da data do Natal? Em 386, São João Crisóstomo pregou um sermão que relacionava o dia do Natal com o da Anunciação. A forma como o fez sugere que essa já era uma crença estabelecida. A data da Anunciação era baseada numa tradição judaica segundo a qual o mundo teria sido criado em 25 de março. Os judeus também acreditavam que um grande homem morreria no mesmo dia da sua concepção. A data da morte de Jesus Cristo foi 15 de Nisan, de acordo com o calendário judaico, ou 25 de março, de acordo com o calendário romano. Portanto, os primeiros cristãos (que eram obviamente judeus) concluíram que Jesus fora concebido no dia 25 de março. Assim, o dia da criação do mundo e o de sua redenção (e, portanto, o início da nova criação) foi 25 de março.

É simples. Se o Senhor Jesus Cristo foi concebido em 25 de março, então ele nasceu nove meses depois, em 25 de dezembro. A data do Natal é, portanto, determinada pela data da Anunciação e nada tem a ver com a celebração romana da Saturnália ou com a celebração de aniversário do Sol Invictus.

E quanto a Frodo Bolseiro? Para os fãs de Tolkien em todo o mundo e a partir do que lemos na obra de Tolkien, 25 de março é um dia de celebração. Por quê? Porque o dia em que Frodo Bolseiro salva o mundo, lançando o Anel do Poder nas chamas da Montanha da Perdição, é (isso mesmo, você adivinhou) 25 de março: o dia da festa da Anunciação e a data tradicional para o início da [verdadeira] redenção do mundo.

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CM
Camila Melo
28 Dez 2024

Que máximo ver o Pe conciliar as duas coisas que mais amo neste mundo: catolicismo e O Senhor dos Anéis.

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JP
Jonas Pereira
27 Dez 2024

Dúvida: o ano sempre teve 12 meses? Existiu durante a história diferentes calendários, logo, oq garante que 9 meses após março seria realmente dezembro? Duvida sincera.

1
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RS
Ronaldo Silva
6 Jan 2024

"Todo dia e toda hora e nenhuma ocasião é imprópria para dar glória a Satanás",do teu, com carinho, pastor, São Lutero, que como Lúcifer ensinou muitos a desobedecer.

'

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MF
Marco Floriano
3 Jan 2024

Excelente artigo, nem tudo o que Deus nos revelou está na bíblia.

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RB
Rui Brunetti
1 Jan 2024

Nós católicos não deixaríamos de gostar das festas católicos se por ventura nas mesmas datas foram festas romanas.  Não tem porque agir assim. 

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RB
Rui Brunetti
31 Dez 2023

Os protestantes, maioria nos EUA, são fundamentalistas. Entendem que na Bíblia não tem a data do Natal. É por isso que nos EUA a Festividade de Ação de Graças é mais importante e mais comemorada que o Natal.

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RB
Rui Brunetti
30 Dez 2023

Eu aprendi, há muitos anos, que quando Constantino oficializou o Cristianismo no ano de 312 D.C., ele adaptou as festas romanas para passarem a serem festas cristãs. Certamente  todo um povo milhões de romanos terem que mudarem de religião de uma vez, para não ficar difícil, continuaram a terem festas no mesmo dia.  O que faz sentido esta explicação.

1
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RB
Rui Brunetti
30 Dez 2023

"A data da morte de Jesus Cristo foi 15 de Nisan, de acordo com o calendário judaico, ou 25 de março, de acordo com o calendário romano. Portanto, os primeiros cristãos (que eram obviamente judeus) concluíram que Jesus fora concebido no dia 25 de março." Não entendi esta conclusão: o que o dia de falecimento tem a ver com o dia de nascimento? Podem me explicar?

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RG
Rafaela Guimarães
28 Dez 2023

Muito interessante.

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HA
Hermés Azevedo
28 Dez 2023

"A ordem das possibilidades definidas, ou forma interna da onipotência, prevalece sobre a desordem das possibilidades indefinidas, as quais só podem se manifestar, precisamente, ao sair do indefinido para o definido, ou, em linguagem bíblica, das trevas para a luz."

Olavo de Carvalho

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DA
Dedo Apontador
27 Dez 2023

Chame-os do que somos! Este artigo passou muito pano para tentar lustrar uma narrativa, ao estilo Dilma falando... Mas é muito mais sensato e honesto dizer que sim, sim, o natal foi sim uma iniciativa para TRANSFORMAR uma mega festa pagã em uma festa cristã. É isso o que é. Todos sabem que o natal não é a data oficial do nascimento de Cristo, já que não há dados originais para isso. Imagina a situação: dentro da sua casa, seus avós, bisavós, e seus antepassados ascendiam velas para um deus qualquer no fim de dezembro... Uma grande tradição familiar... Você, gerações depois, ao conhecer a fé cristã, resolve celebrar o nascimento de Cristo no mesmo período, mesmo sabendo que de fato aquele período não representa verdadeiramente a data oficial do nascimento de Cristo... Você poderia comemorar em qualquer outra data, mas escolheu o mesmo período da celebração dos seus antepassados. Isso não é semelhança e causalidade? 

O natal foi sim,  uma iniciativa de converter e evangelizar pagãos em cristãos atraves da sua maior festa. Conheceis a verdade e a verdade vos libertará.

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RC
Robson Cola
27 Dez 2023

Profundos argumentos! Parabéns! Fé e Razão!

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