Falávamos há pouco sobre a relevância das aparições de Maria para a vida cristã e de como os católicos devem interpretá-las segundo a imutável e incorrigível Revelação Divina. De fato, elas não têm a missão de acrescentar ou corrigir qualquer ponto da doutrina, mas de ajudar a Igreja a testemunhar mais profundamente os mistérios de Cristo, sobretudo quando estes mistérios parecem caducar em determinados contextos sociais marcadamente hostis à religião [1].

Na mensagem de Lourdes, por exemplo, Nossa Senhora veio recordar a validade da pobreza e da piedade contra a racionalidade materialista e anticlerical do século XIX.

Em Fátima, por sua vez, a Mãe de Deus insistiu na necessidade de reparação e penitência pelas almas infiéis que, àquela altura, tripudiavam sobre o santíssimo nome de Deus com toda sorte de blasfêmias e injúrias.

É importante agora precisar mais claramente o papel de Maria na história da salvação. Tal esclarecimento nos ajudará a entender por que a Virgem Santíssima veio visitar a humanidade em tantas ocasiões, apresentado-se como meio singular para o acesso às graças de Deus. Quando Bento XVI declarou não existir "fruto da graça na história da salvação que não tenha como instrumento necessário a mediação de Nossa Senhora", ele não estava simplesmente fazendo uso de um exagero retórico próprio da linguagem dos santos [2]. A mediação de Maria faz parte do patrimônio da fé cristã e é a partir desta verdade, tão presente nos ensinamentos dos santos como também no Magistério ordinário da Igreja, que a porção dos fiéis pode unir-se mais eficazmente contra os desvios mundanos, a fim de alcançar a coroa do Céu.

"Foi pela Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por Ela que deve reinar no mundo" [3]: com essas palavras, São Luís Maria Grignon de Montfort resume todo o fundamento da doutrina católica acerca da participação da Mãe de Deus na redenção da humanidade. Como em Deus não há movimento nem mudança, a sua vontade permanece sempre a mesma para todos os efeitos [4]. Ora, Ele escolheu livremente ter uma mãe segundo a carne humana e manter-se submisso aos seus cuidados durante a maior parte de sua vida terrena. Não é difícil concluir, portanto, que essa maternidade divina continua no Céu. A própria Sagrada Escritura nos confirma isso em inúmeras passagens, em especial, nos relatos de São João sobre as últimas palavras de Cristo pregado à cruz: Maria é dada como mãe para toda a humanidade (cf. Jo 19, 25-27; Gn 3, 15; Ap 12, 1-18). E é por meio da cooperação dessa mesma Mãe que nos devem chegar todas as graças da salvação, ou seja, o próprio Jesus Cristo.

Santos de todas as épocas dão crédito a essa doutrina. Falando sobre a cooperação de Nossa Senhora na obra da Redenção, Santo Irineu disse: "Obedecendo, Ela tornou-se causa de salvação para si e para todo o gênero humano" [5].

Algo semelhante escreveu um discípulo de Santo Anselmo: "Deus é Senhor de todas as coisas, constituindo cada uma delas na sua própria natureza pela voz do seu poder, e Maria é Senhora de todas as coisas, reconstituindo-as na sua dignidade primitiva pela graça, que lhes mereceu" [6].

E para que não reste qualquer dúvida dessa cooperação de Maria, citemos a profecia de Simeão acerca da espada de dor com a qual Ela seria ferida (cf. Lc 2, 35). A Virgem Santíssima completou na própria carne as dores que faltaram à Cruz de Cristo, segundo o ensinamento de São Paulo (cf. Col 1, 24).

No último século, o Magistério ordinário da Igreja também falou repetidas vezes sobre o mesmo assunto.

Os Padres do Concílio Ecumênico Vaticano II, reunidos na Basílica de São Pedro.

Leão XIII, por exemplo, redigiu 13 encíclicas para ressaltar o valor da oração do Rosário. É de sua pena esta belíssima prece, na qual o grande pontífice pede que a Virgem "restitua a tranquilidade da paz aos espíritos angustiados; apresse enfim, na vida privada como na vida pública, o retorno a Jesus Cristo": "Que, no seu poder, a Virgem Mãe, que outrora cooperou por seu amor no nascimento dos fiéis na Igreja, seja ainda agora o instrumento e a guardiã da nossa salvação" [7].

Não nos esqueçamos ainda das piedosas exortações de Pio XII. O Papa que, conforme contam algumas testemunhas, teria visto o milagre do sol nos jardins do Vaticano, ensinava: "Se Maria, na obra da salvação espiritual, foi associada por vontade de Deus a Jesus Cristo, princípio de salvação, pode-se dizer igualmente que esta gloriosíssima Senhora foi escolhida para Mãe de Cristo 'para lhe ser associada na redenção do gênero humano'" [8].

Palavras semelhantes são encontradas também nas cartas de Pio X, Bento XV, Pio XI, João XXIII, Paulo VI e João Paulo II.

Com tantos papas escrevendo sobre esse assunto, já não se pode dizer ingenuamente que a "mediação universal" de Maria e o seu papel como "corredentora" sejam meras "opiniões piedosas". Embora a Igreja ainda não tenha se manifestado solenemente a esse respeito, por meio de uma declaração ex cathedra, a sua notável presença nos documentos comuns dos Santos Padres leva-nos àquela obediência da fé, que também se aplica ao que propõe o Magistério ordinário e universal, isto é, "o ensino comum e universal de uma determinada doutrina pelo papa e por todos os bispos espalhados pelo mundo" [9].

Aliás, o próprio Concílio Vaticano II referendou tudo isso que dissemos até agora:

Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz, até à consumação eterna de todos os eleitos. De fato, depois de elevada ao Céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro, medianeira. Mas isto se entende de maneira que nada tire nem acrescente à dignidade e eficácia do único mediador, que é Cristo.

Efetivamente, nenhuma criatura se pode equiparar ao Verbo encarnado e Redentor; mas, assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde variamente pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única fonte.

Esta função subordinada de Maria, não hesita a Igreja em proclamá-la; sente-a constantemente e inculca-a aos fiéis, para mais intimamente aderirem, com esta ajuda materna, ao seu mediador e salvador. [10]

Demonstrado o fundamento de nossa fé na cooperação de Maria — cooperação esta que se manisfestou "de modo singular, com sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural" [11] —, tornam-se mais lúcidas as suas aparições, cujas mensagens resumem-se a uma maior fidelidade à religião cristã, ou seja, ao chamado à santidade.

Maria nunca quer nada para Ela. Ao contrário, a Virgem sempre direciona-nos para o Seu Filho, a fim de que deixemos de ofendê-lO com nossos pecados.

Maria fala contra a indiferença e a tibieza dos corações que já não dão espaço para Jesus.

Mais: a Mãe de Deus escolhe almas inocentes para livremente sofrerem pela conversão dos pobres pecadores. Maria, por meio da consagração que lhe fazem, instrui e protege Seus filhos na batalha contra a serpente maligna, forjando-os no mesmo fogo no qual quis ser forjado o próprio Filho de Deus. Portanto, não há como negar as palavras de São Luís Maria Grignon de Montfort: "Se a devoção à Santíssima Virgem nos afastasse de Jesus, seria preciso rejeitá-la como uma ilusão do demônio. Mas é tão o contrário [...], esta devoção só nos é necessária para encontrar Jesus Cristo, amá-lO ternamente e fielmente servi-lO" [12].

Maria é, realmente, corredentora e medianeira de todas as graças.

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