IV. "… que estais nos céus…"
6. O valor da confiança. — Entre as disposições necessárias ao orante, a confiança desempenha um papel fundamental: "Peça com fé", escreve São Tiago, "sem nenhuma vacilação" (Tg 1, 6). Por isso, ao ensinar-nos a orar, o Senhor alude primeiro aos motivos que nos podem gerar confiança, a saber: (a) a bondade do Pai, e por isso diz "Pai nosso", conforme o que se lê no Evangelho segundo Lucas: "Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai celeste dará o Espírito Santo aos que lho pedirem" (Lc 11, 13); e (b) a dimensão de seu poder, e por isso diz "que estais nos céus", como cantamos no Salmo: "Levanto os olhos para vós, que habitais nos céus" (Sl 122, 1).
7. Os três fins desta expressão. — Ora, as palavras "que estais nos céus" podem servir a três propósitos:
a) Antes de tudo, à preparação de quem irá rezar, <pois assim manda o Eclesiástico>: "Antes da oração, prepara a tua alma" (Eclo 18, 23). De modo que por "céus" entenda-se a glória celeste, como se lê em São Mateus: "Será grande a vossa recompensa nos céus" (Mt 5, 12). Ora, essa preparação deve consistir tanto na (i) imitação das coisas celestes, porquanto o filho tem o dever de imitar o pai, como escreve São Paulo: "Assim como reproduzimos em nós as feições do homem terreno, precisamos reproduzir as feições do homem celestial" (1Cor 15, 49), quanto na (ii) contemplação das realidades do céu, pois os homens costumam pensar com mais frequência no que diz respeito a seu pai e às coisas que amam, de acordo com o Evangelho segundo Mateus: "Porque onde está o teu tesouro, lá também está o teu coração" (Mt 6, 21). Por isso dizia o Apóstolo: "Nós, porém, somos cidadãos dos céus" (Fl 3, 20). A preparação requer, ademais, (iii) que se dirija a atenção às coisas do alto, de modo que não peçamos àquele que está nos céus senão bens espirituais: "Buscai as coisas lá do alto, onde Cristo está sentado" (Cl 3, 1) [1].
b) A expressão "que estais nos céus", em segundo lugar, pode referir-se à facilidade que Deus tem de nos ouvir, uma vez que está próximo de nós. Nesse sentido, as palavras "que estais nos céus" significam "que estais nos santos", nos quais Deus habita [2], segundo o profeta Jeremias: "Mas vós, Senhor, estais entre nós" (Jr 14, 9). Os santos, com efeito, recebem <nas Escrituras> o nome de "céus", conforme o Salmo: "Narram os céus a glória de Deus" (Sl 18, 2). Ora, Deus habita nos santos pela (i) fé, como testemunha a Epístola aos Efésios: "Que Cristo habite pela fé em vossos corações" (Ef 3, 17) [3]; pela (ii) caridade: "Quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele" (1Jo 4, 16); e pela (iii) observância dos Mandamentos: "Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos a nossa morada" (Jo 14, 23).
c) Finalmente, a expressão "que estais nos céus" pode dizer respeito à capacidade que tem Deus de nos ouvir, de modo que por "céus" entendamos o céu físico, não no sentido de estar Deus encerrado nos céus corpóreos, pois "o céu e os céus dos céus não vos podem conter" (1Rs 8, 27), mas a fim de conotar que ele é (i) penetrante em seu olhar, pois do alto tudo contempla, segundo o Salmo: "Porque o Senhor olhou do alto do seu santuário" (Sl 101, 20); (ii) sublime em seu poder: "No céu estabeleceu o Senhor o seu trono" (Sl 102, 19); e (iii) estável em sua eternidade: "Vós, porém, Senhor, sois eterno" (Sl 101, 13) e "vossos anos não têm fim" (v. 28), o que também é dito nos Salmos em referência a Cristo: "Seu trono terá a duração dos céus" (Sl 88, 30). E o Filósofo afirma em I Sobre o Céu que, devido à sua incorruptibilidade, todos consideram o céu morada de espíritos [4].
8. Três motivos para confiar. — As palavras "que estais nos céus", portanto, transmitem-nos um tríplice motivo para orarmos com confiança, a saber: quanto ao poder divino, à familiaridade daquele a quem se pede e à conveniência do pedido.
a) O poder daquele a quem se pede está aqui implicado, se por "céus" entendermos os céus corpóreos [5]. Ora, ainda que Deus não esteja contido em nenhum lugar físico, como está escrito: "Porventura não enche a minha presença o céu e a terra?" (Jr 23, 24), dizemos, em todo o caso, que ele está presente nos céus corpóreos a fim de expressar duas coisas: de um lado, a extensão de seu poder; de outro, a sublimidade de sua natureza. (i) Afirmamos, pois, a extensão do poder divino contra os que opinam que tudo ocorre por necessidade em virtude <do movimento> dos corpos celestes [6]. Ora, de acordo com essa opinião, seria inútil pedir a Deus o quer que fosse. Isso porém é absurdo, uma vez que ele está nos céus como Senhor do firmamento e das estrelas: "Nos céus estabeleceu o Senhor o seu trono" (Sl 102, 19), como diz o Salmo. (ii) Referimo-nos ainda à sublimidade de sua natureza contra aqueles que, em oração, imaginam a Deus sob figuras e imagens corpóreas. Dizemos, pois, que ele está nos céus, a mais elevada das coisas sensíveis, a fim de expressar que a transcendência divina tudo excede, inclusive o desejo e entendimento humanos. Por isso, tudo quanto que se possa pensar ou querer está abaixo da grandeza de Deus. Por isso, diz-se no Livro de Jó: "Deus é grande demais para que o possamos conceber" (Jó 36, 26), nos Salmos: "O Senhor é excelso sobre todos os povos" (Sl 112, 4) e em Isaías: "A quem poderíeis comparar Deus?" (Is 40, 18).
b) A familiaridade de Deus, por sua vez, aqui está compreendida, se a palavra "céus" for tomada no sentido de "santos". Com efeito, muitos disseram que, por ser altíssimo, Deus não se ocupa dos problemas humanos. No entanto, cumpre levar em consideração que ele não só está perto, mas intimamente próximo de nós [7], já que os céus em que ele habita são os santos, <no dizer das Escrituras>: "Narram os céus a glória de Deus" (Sl 18, 2); "Mas vós, Senhor, estais entre nós" (Jr 14, 9). Ora, isso inspira aos que rezam uma dupla confiança, baseada (i) na proximidade de Deus, como dizem os Salmos: "O Senhor se aproxima dos que o invocam" (Sl 144, 18) e o Evangelho: "Quando orares, entra no teu quarto" (Mt 6, 6), ou seja, no teu coração; e (ii) no patrocínio dos outros santos, por cuja intercessão podemos conseguir o que pedimos, conforme se lê em Jó: "Chama, pois, algum defensor" (Jó 5, 1) e em São Tiago: "Orai uns pelos outros para serdes curados" (Tg 5, 16).
c) A oração torna-se também conveniente e idônea em virtude da expressão "que estais nos céus", na medida em que o termo "céus" designa os bens espirituais e eternos em que consiste a bem-aventurança. E isso por duas razões. Em primeiro lugar, porque assim somos (i) estimulados a desejar as coisas celestes. Com efeito, o nosso desejo deve inclinar-se para onde o nosso Pai se encontra, pois é ali que está guardada a nossa herança: "Buscai as coisas lá do alto" (Cl 3, 1), <renascidos>, nas palavras de São Pedro, "para uma herança imarcescível, reservada nos céus" (1Pd 1, 4) [8]. Em segundo, porque assim (ii) somos instruídos a levar uma vida celeste, a fim de nos assemelharmos ao Pai, que está nos céus: "Qual o homem celestial, tais os homens celestiais" (1Cor 15, 48). E estas duas coisas, o desejo e a vida celestes, fazem-nos idôneos para pedir e tornam conveniente a nossa oração.
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