Há dois tipos de santos: os que são pecadores e os que não são. São pecadores os que estão sendo forjados, aqueles que ainda não enfrentaram a morte física neste exílio e vale de lágrimas, os que ainda combatem o bom combate pela Igreja militante; são também os que estão sendo purificados de seus pecados no Purgatório. Esses santos são pecadores que, pela graça de Deus, acolhem seus sofrimentos como meios de crescer em santidade. Os santos não-pecadores são aqueles que já foram alvejados no sangue do Cordeiro e agora estão eternamente diante dele na Igreja triunfante.

Há dois tipos de pecadores: os que se arrependem de seus pecados e aceitam o sofrimento provocado por ele, e os impenitentes, que põem a culpa de seu sofrimento em todos, menos em si mesmos. Se permanecerem obstinados na vida de pecado e continuarem a pôr a culpa de suas próprias misérias em outras pessoas, serão condenados a viver um inferno nesta vida, que será confirmado na outra.

O elemento comum aos santos e aos pecadores é a presença do sofrimento, que, assim como a morte, é inevitável. À exceção do céu, onde ele é derrotado, o sofrimento é, pelo visto, onipresente e só é aliviado pela doce consolação oferecida à alma em sofrimento, que anseia pelo conforto como quem anseia por água no deserto. Não é de estranhar, portanto, que o mistério do sofrimento, ou o que C. S. Lewis chamou de “problema da dor”, tenha intrigado a humanidade desde sempre. O Livro de Jó narra a luta com esse problema e parece solucioná-lo por meio de sua dissolução na inefável vontade de Deus. Homero, na Odisseia, resume o problema nas palavras de Zeus, que repreende a humanidade por culpar os deuses pelo sofrimento, quando na verdade o sofrimento decorre da própria irresponsabilidade do homem, embora ele acrescente, de forma intrigante, que algum sofrimento é “dado” pelos deuses. 

O mais perturbador dos sofrimentos é o que nos é “dado”. É relativamente fácil compreender que provocamos nosso próprio sofrimento e o de outras pessoas por causa de nossa imprudência, como proclama Zeus; mas o que temos de fazer em relação ao sofrimento que é simplesmente “dado” sem nenhum motivo aparente? O que dizer dos desastres naturais, como terremotos ou tornados? E a doença e a morte? De que modo podemos ver tais coisas como “dadas” ou como um dom? E se são dons de Deus, o que dizem sobre Ele?

“A Crucificação”, por Johannes Stradanus.

A forma como respondemos a essas perguntas diz muito sobre nós. O pecador arrependido, sabendo que fez muito para causar dano em si e em outros por sua própria irresponsabilidade e egoísmo, aceitará o sofrimento como dom que lhe é dado para aprender com ele e tornar-se um homem melhor e mais sábio. O pecador impenitente, que não se importa com o que fez nem consigo nem com outros, murmura de seu sofrimento, infligido quer a si, quer a outros, recusando-se a aceitá-lo como oportunidade para crescer em sabedoria e virtude.

Esse cenário é apresentado no Gólgota pelos dois ladrões crucificados ao lado da verdadeira Vítima inocente do sofrimento. O bom ladrão confessa seu pecado e aceita sua justa punição: pede perdão e o recebe. O mau ladrão recusa-se a confessar sua culpa, murmurando de seu sofrimento e exigindo que Deus o liberte. O primeiro ladrão aceita o sofrimento com humildade e é recompensado com o céu, tornando-se um santo no Paraíso. O outro ladrão murmura de seu sofrimento de forma orgulhosa e se condena ao inferno. Os dois sofreram igualmente por seus pecados, mas responderam de forma muito diferente. O sofrimento, portanto, é um dom, e tudo se resume a como o aceitamos.

Essa compreensão do mistério do sofrimento foi resumida de forma concisa e brilhante por Oscar Wilde, no poema Balada do Cárcere de Reading, inspirado em sua experiência de dois anos na prisão. “As leis eternas de Deus são amáveis e quebram o coração de pedra”, disse ele, pois “por onde o Senhor poderia entrar senão pelo coração partido”? Oscar Wilde foi durante muitos anos um pecador impenitente; mas, como o bom ladrão do Evangelho, foi por Cristo recebido na Igreja já em seu leito de morte. É assim que um grande pecador pode tornar-se santo: pela aceitação do sofrimento dado, sabendo que é um dom inestimável que tem o poder de partir o coração soberbo, no qual Cristo enfim poderá entrar para curá-lo.

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