Meditemos sobre os sofrimentos e as provações por que passaram os três Pastorinhos de Fátima, Lúcia, Francisco e Jacinta, no mês de junho.
A presente exposição foi retirada de uma biografia da Irmã Lúcia, publicada pelo Carmelo de Coimbra, Portugal [1].
O dia 13 de junho foi um teste. Como a Lúcia era muito amiga de festas, em casa estavam para ver o que ela escolheria, sendo neste dia a festa de Santo Antônio. Uma festa na aldeia para as crianças deste tempo, que não tinham outras distrações, não se podia perder. Todos estavam a ver o que eles fariam. Costumavam nesse dia abrir os rebanhos de madrugada para os recolherem às 9 horas e irem à festa. Ao aproximar-se o dia, a mãe e as irmãs diziam-lhe:
— Sempre estou para ver se tu deixas a festa para ires para a Cova da Iria falar lá com essa Senhora [2].
No dia 13 guardaram silêncio. A pequena saiu bem cedo com o rebanho, pensando recolhê-lo a tempo de ir à Missa das 10 horas. Mas antes das 8 horas já estava o irmão a chamá-la. Tinham chegado umas pessoas que lhe queriam falar e ele ficava com o rebanho. Era um grupo de pessoas que vinham de outras terras que ficavam a uns 25 km ao redor de Fátima e queriam acompanhá-la à Cova da Iria.
Sendo ainda muito cedo, convidou-os a ir à Missa das 8 horas e depois iriam para a Cova da Iria. Voltaram da Missa e as pessoas esperaram por ela à sombra das figueiras. Lúcia sentia como fel o silêncio que reinava à sua volta… pelas 11 horas foi ao encontro dos primos e na companhia dessas pessoas dirigiram-se para o local das Aparições. Ali rezaram o terço enquanto esperaram a chegada da Senhora.
Como em maio, a Aparição fez-se anunciar por um relåmpago. E a Senhora chegou. Lúcia fez a mesma pergunta de Maio:
— Vossemecê que me quer?
— Quero que venhais aqui no dia 13 do mês que vem, que rezeis o terço todos os dias e que aprendam a ler. Depois direi o que quero.
— Pedi a cura dum doente.
— Se se converter, curar-se-á durante o ano.
— Queria pedir-Lhe para nos levar para o Céu.
— Sim; a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração. A quem a aceita, prometer-lhe-ei a salvação e estas almas serão amadas de Deus, como flores colocadas por Mim para enfeitar o Seu Trono.
— Fico cá sozinha? — perguntei, com pena.
— Não, fiha. E tu sofres muito? Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus.
Foi no momento em que disse estas últimas palavras que abriu as mãos e nos comunicou, pela segunda vez, o reflexo dessa luz imensa. Nela nos víamos como que submergidos em Deus. A Jacinta e o Francisco parecia estarem na parte dessa luz que se elevava para o Céu e eu na que se espargia sobre a terra. À frente da palma da mão direita de Nossa Senhora, estava um coração cercado de espinhos que parecia estarem-lhe cravados. Compreendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que queria reparação [3].
Nossa Senhora desta vez ainda não lhes recomendou segredo, mas os Pastorinhos a isso se sentiram movidos. Era também uma proteção para não contarem tudo o que a Senhora lhes disse, mas começou a ser motivo de novo sofrimento.
Lúcia começa a embrenhar-se mais na espessura da noite, numa grande solidão. Saber que os primos iam em breve para o Céu e ela ficaria sozinha na Missão que lhe era confiada, fazia-a sofrer tanto! A Jacinta confortava-a recordando a promessa da Senhora de que teria o Seu Imaculado Coração como um refúgio, mas… era muito doloroso. Impressiona ver uma criança de dez anos a braços com tanta responsabilidade e tanto sofrimento! E surgiu a voz da tentação, porque o demônio não deixa que o trabalho de Deus se faça sem tentar os que Ele chama. É o tempo da prova, um tempo difícil, mas se bem aproveitado, tem a função de enraizar mais na fé e fortalecer os alicerces da vida.
Depois da Aparição de Junho, ao ver que em vez de tudo se esfumar, os acontecimentos continuavam e tomavam proporções já tão grandes, a mãe de Lúcia muito preocupada com as supostas mentiras da filha e dos sobrinhos, fica aliviada quando o Pároco lhe manda dizer que leve a Lúcia à residência paroquial para ele a interrogar. Era o primeiro passo da Igreja.
Pensando que o Pároco ia resolver aquele grande problema que lhe caíra em casa, a mãe muito séria, comunica à Lúcia com alguma satisfação na voz:
— Amanhã vamos à Missa logo de manhãzinha. Depois, vais a casa do Senhor Prior. Ele que te obrigue a confessar a verdade, seja como for; que te castigue; que faça de ti o que quiser, como que te obrigue a confessar que tens mentido, eu fico contente [4].
Nessa tarde a pequena ainda falou com os primos e confessou-lhes a apreensão que sentia diante das ameaças da mãe. Eles informaram-na que o Pároco também os mandou ir, mas que não lhes meteram esses medos. Para se alentarem mutuamente, rematam:
— Paciência! Se nos baterem, sofremos por amor de Nosso Senhor e pelos pecadores [5].
Sempre a pensar no bem dos outros, sempre com o desejo de salvar almas.
Para sua surpresa, Lúcia que estava à espera de ver diante de si uma cara de ferro e terríveis ameaças, vê se interrogada com muita paz e amabilidade, embora o interrogatório tenha sido minucioso e maçador. Mas o Pároco não se convenceu e deixou a pequena num mar de sofrimento, ao dizer-lhe que “aquilo podia muito bem ser um engano do demônio” [6].
Foi uma aguda seta no íntimo da sua consciência. Daqui vieram noites sem dormir ou com pesadelos terríveis que lhe perturbavam o sono; desânimo, abandono da prática do sacrifício, vontade de tudo abandonar e dizer que afinal era mentira e, sobretudo começou a formular o propósito firme de nunca mais voltar aos encontros marcados com a Celeste Aparição nos dias treze. E comunicou aos primos a sua resolução. A Jacinta disse lhe com toda a convicção:
— Não é o Demônio, não! O Demônio, dizem que é muito feio e que está debaixo da terra, no inferno; e aquela Senhora é tão bonita! E nós vimo-La subir ao Céu [7]!
Dissuadiu-a de dizer que não tinha visto nada, porque então é que estava a mentir. Com o Francisco, ajudou a prima com muita oração e sacrifícios. Os dois foram para ela uma maravilhosa retaguarda. Conhecendo o sofrimento da prima, os dois Pastorinhos foram-na consolando e aconselhando como puderam e, sobretudo, mais com o silêncio do que com a palavra.
Nestes momentos, a ajuda silenciosa é mais eficaz. Com ela sofriam, por ela oravam e ofereciam sacrifícios. A tentação confessada está meio vencida, porque fica a porta aberta à ajuda de quem Deus coloca ao lado daquele que está a sofrer essa batalha. Lúcia teve a seu lado aqueles dois anjos que, iluminados pelo Espírito Santo, a aconselhavam como se fossem grandes mestres e ela recebia com humildade a ajuda dos mais novos.
Foi um mês de sofrimento inaudito e parecia não ter fim essa tempestade. Ao lado dela estavam os dois primitos desolados ao ver aproximar-se o dia treze de Julho e a Lúcia a afirmar que não ia com eles, que falasse a Jacinta com aquela Senhora. Atormentada por pesadelos noturnos, durante os quais se via nas garras do demônio e arrastada para o inferno, procurava todas as oportunidades de se esquivar, até à companhia destes dois sinceros amigos, para sozinha chorar à vontade e não ouvir razões de ninguém. No dia doze,
A resolução estava tomada e eu bem resolvida a pô-la em prática. Pela tarde, chamei a Jacinta e o Francisco e informei-os da minha resolução. Eles responderam-me:
— Nós vamos. Aquela Senhora mandou-nos lá ir.
A Jacinta prontificou-se a falar ela com a Senhora, mas custava-lhe que eu não fosse e começou a chorar.
Perguntei-lhe por que chorava.
— Por tu não quereres ir.
— Não; eu não vou. Olha: se a Senhora te perguntar por mim, diz-lhe que não vou, porque tenho medo que seja o demônio [8].
E foi esconder-se detrás de um silvado, para não ter de responder às numerosas pessoas que já começavam a chegar. Os dois primos estavam desolados, mas não afrouxaram a sua intercessão por ela, nem a confiança em Nossa Senhora. À noite, quando regressou à casa, a mãe censurou-a por passar todo o dia na brincadeira… mais um espinho sofrido em silêncio, sem se desculpar! Se a mãe pudesse ver por dentro o coração da sua mais pequena!…
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