Meu 64.º aniversário foi no último 11 de setembro. Sim, você ouviu bem: 11 de setembro, mas isso é assunto para outra conversa. O que eu gostaria de explicar aqui é o porquê de eu sempre ter achado, ao menos durante boa parte da vida, que aniversários e outras datas comemorativas eram coisa sem sentido e importância, e por que, afinal de contas, eu acabei mudando de ideia.
Depois de abandonar a Igreja na adolescência, era bastante frequente que eu me sentisse confuso, e até mesmo incomodado, em festas de aniversário, casamentos e celebrações parecidas. Eu procurava evitá-las a todo custo e, quando não conseguia, fazia o possível para suportá-las. Eram momentos de alegria e confraternização, mas eu raramente me sentia alegre. Pelo contrário, eram momentos que me pareciam vazios e sem sentido. O máximo que eu podia fazer, ao menos quando conseguia, era fingir estar à vontade. Acabei-me tornando, enfim, aquele tipo de pessoa sem a menor disposição para mostrar-se agradecida a quem quer que seja. O leitor talvez imagine que se trata de sintomas de depressão ou de algum desvio de personalidade, e talvez isso seja mesmo verdade, mas não é toda a verdade. Uma pessoa é mais do que sua personalidade, e o problema não era a minha personalidade; o problema era minha alma.
Após voltar para a Igreja e mergulhar de cabeça em seus ensinamentos, fui descobrindo pouco a pouco as raízes espirituais da minha infelicidade. Em muitos de seus livros, particularmente em Felicidade e Contemplação e Em sintonia com a Verdade, Josef Pieper ensina que um homem incapaz de amar, ou sequer de reconhecer a bondade do mundo, não pode ser feliz de verdade, por mais desesperadamente que ele o deseje ser. Mas como, enfim, eu me apartei do amor a Deus e à sua criação?
Quando tinha mais ou menos 30 anos, eu era um esquerdista que dava aulas de sociologia. Na época, o relativismo sociológico era minha grande arma para rejeitar os ensinamentos da Igreja Católica. Cheguei até mesmo a adotar o ateísmo humanista como minha filosofia pessoal. Desse modo, em vez de amar o mundo com Deus, eu me tornei um daqueles aficionados em mudar o mundo com Marx.
Ora, nenhum esquerdista utópico que se respeite pode dar-se o luxo de ser feliz enquanto houver injustiça no mundo. Para esse tipo de gente, há pouca coisa na vida que valha a pena celebrar. Deus (a evolução, a história ou alguns homens maus — como, porém, eles se tornaram maus é um mistério insondável) fez um grande estrago, e é nosso dever consertá-lo. É só depois de colocarmos as coisas em ordem que poderemos ser felizes. É só depois de termos trazido o céu aqui para a terra que teremos o merecido descanso.
Aderir a uma filosofia tão irrealista como essa equivale a condenar-se a uma infelicidade metafísica — a uma infelicidade da alma. Essa falta de alegria é insuportável, e foi justamente por isso que passei a procurar um pouco alívio onde quer que ele se encontrasse, geralmente satisfazendo os desejos do corpo e da mente. Assim, nesta busca pela igualdade, tornei-me um hedonista e um egoísta — duas características típicas de todo esquerdista utópico. Acontece, porém, que o prazer não é felicidade, e a vitória sobre um inimigo ou desafeto só satisfaz o “ego”. Minha vida, numa palavra, se resumiu a uma busca triste e infeliz por prazer e poder.
A verdadeira felicidade — aquela alegria que a verdade produz em nossa alma, segundo S. Agostinho e S. Tomás de Aquino — vem de Deus, que é a Verdade, e não de nós. Inclusive os pagãos (antigos e modernos) dão testemunho da glória que Deus manifesta por meio da criação ao se admirarem diante da majestade da natureza — embora, é claro, isso signifique muitas vezes ignorar os princípios da natureza ou até mesmo divinizá-la, como ocorre com o panteísmo. Mas um ateu não se pode permitir nem mesmo isso, já que o ateísmo é fundamentalmente antiteísmo, é uma recusa a reconhecer Deus e suas obras, é negar ao Criador a honra, a glória e a ação de graças a que ele tem todo direito. Essa radical relutância em ser grato a Deus nos leva diretamente à incapacidade de ser gratos às outras pessoas — mesmo aos nossos parentes mais próximos.
Pela graça de Deus, tive uma filha a quem eu mesmo não podia senão amar, e pela qual não podia senão dar graças, ainda que de má vontade. Não é à toa, aliás, que o nascimento da minha filha em 1992 tenha sido o dia em que, mesmo sem sabê-lo, eu comecei a reencontrar Deus, a Igreja e a felicidade.
Mas voltemos aos aniversários. Se você acredita não ser mais do que um acidente da evolução, por que o dia do seu acidental nascimento seria digno de comemoração? O que, no fundo, estamos celebrando? O que torna especial o “seu dia”? E por que, afinal, chamá-lo de “seu” dia? Esquecer-se do Deus que nos fez, que tornou possível o nosso aniversário, centrar-se em si mesmo — como se fôssemos os responsáveis por nosso próprio nascimento — não é mais do que ser um egoísta orgulhoso. E ainda que eu possa ser tão soberbo quanto qualquer um, eu sabia de algum modo que celebrar a mim mesmo não podia ser o verdadeiro sentido do meu aniversário. No entanto, sem um Deus que me tivesse criado, a coisa toda me parecia sem sentido. Se não nos ajoelhamos para agradecer a Deus pelo dom da vida, a vida ao longo da qual podemos encontrá-lo e reencontrá-lo por meio de Jesus Cristo, a nossa “celebração” é desordenada, falsa, incapaz de transmitir-nos algo que se pareça, mesmo que de longe, com uma alegria verdadeira. Quanto a mim, nunca me transmitiu, e por bons motivos. Se o meu aniversário é especial e digno de ser celebrado — ou seja, se a minha vida é especial e digna de ser celebrada —, isso só é assim porque Deus me criou. O resto é puro egoísmo.
Foi assim que deixei de encarar as festas de aniversário como um problema. Comecei a sentir aquela alegria que eu devia sentir por ser grato ao Deus a quem eu devo ser agradecido. E a minha alegria é ainda maior porque tenho muitos outros motivos pelo quais agradecer, embora eu só queira mencionar aqui alguns deles.
Acredito não ser o primeiro católico a se perguntar se nós não deveríamos comemorar, na verdade, o dia da nossa concepção, em vez do dia do nosso nascimento. Porque se trata do instante, que só Deus conhece (e talvez nossas mães e nossos pais!), que realmente importa. Ao pensar em minha concepção, encho-me de gratidão tanto a Deus quanto a meus pais, pois sem eles eu não existiria nem seria católico. Também sou agradecido à minha mãe por não me ter abortado — como acontece com muitos filhos de Deus nesta sociedade descrente e egoísta em que vivemos. Agradeço por ter nascido antes de que este crime terrível se tornasse legal e socialmente aceitável — dois sinais claros da nossa corrupção.
Também dou graças a Deus por meu irmão mais jovem, nascido dos mesmos pais e criado pelo mesmo Deus, um presente para a nossa família. E eu rezo com esperança para que nós dois possamos nos juntar um dia à nossa mãe e amigos queridos no Céu, onde a nossa alegria não terá fim nem limite. Eu sou, além disso, grato a meu pai, um homem bom e veterano de guerra, que celebrará mês que vem os seus 90 anos de idade.
Agradeço também a Deus por me presentear com a minha esposa, pelo seu batismo e pelo nosso casamento na Igreja. Com a ajuda de Deus, podemos nos ajudar mutuamente, agora e para sempre.
Minha filha foi o maior dom que Deus já me deu, e se não fosse o meu aniversário ela não teria o dela, e por isso dou graças a Deus por ter tido a chance de ser o pai dela, ainda que nem sempre eu cumpra bem o meu papel. Há alguns anos ela foi batizada e se casou na Igreja. Não preciso de dizer que esta é outra razão para eu ser grato.
Agradeço e louvo a Deus, enfim, por me ter permitido viver uma vida relativamente longa. Sou grato ao Senhor por me ter concedido o conforto e a paz de nada temer na vida e, assim espero, na morte. Pois aprendi que não é da morte que devemos ter medo, mas da possibilidade de escolhermos nos separar da graça de Deus pelo pecado.
Estou à espera de muitos outros aniversários, de dias em que eu possa rezar: Senhor, hoje é o meu aniversário, o dia em que vós me criastes! Alegremo-nos nesse dia e sejamos felizes!
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