Alguns anos atrás, participei de um retiro durante o qual um sábio diretor espiritual compartilhou insights profundos a respeito do mistério da Cruz. Em honra à festa de hoje — o Triunfo (ou Exaltação) da Santa Cruz —, permitam-me compartilhá-los com vocês, na medida do que me for possível. Trata-se de uma meditação muito conveniente, já que, aparentemente, a Igreja nunca participou de modo tão intenso do mistério da crucifixão como nesse momento da história.

A Santíssima Trindade, o Deus uno e trino, infinito e eterno, que existe antes e além de todas as coisas, e governa o universo com poder, sabedoria e amor — essa Trindade habita a alma em estado de graça. Um portento maravilhoso demais para entender! A alma espiritual feita à imagem de Deus torna-se o seu sacrário, o seu templo, o seu lugar de repouso, o seu deleite. Seja saboreando essa presença de Deus na quietude de uma meditação, seja simplesmente tendo fé nela com base nas palavras de Nosso Senhor (cf. Jo 14, 23), trata-se de uma verdade que é fonte de alegria e de fortaleza, especialmente quando estamos passando pela morte — seja ela metafórica, institucional ou mesmo física.

A fé e a esperança são necessárias, acima de tudo, quando não vemos nada e não temos nada em nossas mãos, quando somos pobres. E isto, em si mesmo, é algo com que devemos nos alegrar: o fato de sermos pobres! “Bem-aventurados os pobres em espírito”, disse Jesus, “porque deles é o Reino dos céus”. É deles, já agora. Quando estamos na escuridão, “no vale da sombra da morte” (como põe sinistramente a Escritura), nós precisamos mais do que nunca de fé e esperança; Deus está pedindo para que nos entreguemos em suas mãos, dependamos dEle, confiemos nEle, olhemos para Ele, procuremos a sua face.

A alegria da Santíssima Trindade está presente no coração do Crucificado, no centro mesmo da Cruz. A Cruz é a fonte de nossa vida cristã; foi a Paixão de Cristo o que nos redimiu do pecado, abriu-nos os portões do céu, granjeou-nos a amizade divina.

Mas a Cruz nunca é o fim, seja para Cristo, seja para o cristão. A Paixão atinge o seu cumprimento na ressurreição. “Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa pregação e também a nossa fé” (1Cor 15, 14). Por que o Apóstolo diz isso? Porque, se Ele não houvesse ressuscitado, então o sofrimento e a morte seriam a última palavra na vida. Mas a morte não pode ser o sentido da vida; ao contrário, é a vida, a vida do Senhor ressuscitado, o que dá sentido à morte, o que dá razão ao ato de morrer, o que explica por que é bom morrer para o mundo e para si mesmo por amor. A despeito das durezas ao longo do caminho, nós jamais nos esquecemos da meta: “Nossa habitação está no céu” (2Cor 5, 1; cf. Fl 3, 20). Os momentos de alegria na terra são apenas sinais para nos lembrar de nosso destino: a felicidade eterna.

Jesus, que é a Verdade, não afasta a verdade de nós; ele não nos “poupa”, não nos esconde a verdade. Isso se tornou mais claro do que nunca com os escândalos eclesiais à nossa volta, nos quais homens que deveriam ser “outros Cristos” afastaram e esconderam a verdade de nós. Jesus não é como pessoas que falam (com soberba condescendência) da ignorância como uma bênção, ou que prometem uma vida sem sofrimento. Ele não nos oferece remédios que podem tirar toda a dor, porque tais remédios acabam tirando também algo de nossa humanidade, podendo tirar até mesmo nossa consciência e nossa vida. Jesus ensinou seus discípulos a respeito da Cruz e da Ressurreição ao mesmo tempo, porque elas sempre andam juntas. Ele não nos induz erroneamente a pensar que pode haver Páscoa sem a Sexta-feira Santa.

A Igreja saiu do lado aberto de Cristo crucificado. Se toda ela nasceu desta forma, então todo homem batizado nasce do mesmo modo: concebido no Coração de Jesus e saindo de seu lado aberto. Jesus derramou até sua última gota de sangue e água por você, gerando-o para uma vida nova. E por quê? Porque Ele o ama, porque Ele quer partilhar sua alegria, amor e glória eternas com você, e irá até o extremo para fazer com que você consiga.

É por isso que Ele nos dá o Paráclito, o Consolador, o Advogado. Como São João declara no Apocalipse: “Deus enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição” (Ap 21, 4) Mas já agora o Paráclito nos está confortando, a fim de não perdermos a coragem.

“Deus está me pedindo demais, eu sou muito fraco” — seja sincero, é isso o que nós frequentemente somos tentados a pensar. Mas isso é falso. Lembre-se de Elias no deserto: “Basta, Senhor, tirai-me a vida, porque não sou melhor do que meus pais”, ele disse. Deus envia-lhe então um anjo: “Levanta-te e come, porque tens um longo caminho a percorrer” (1Rs 19, 7). Deus sabe o que precisamos e no-lo dá abundantemente; nós só temos de nos convencer disso, levantar e comer. Deixados a nós mesmos, o caminho é muito pesado; só com Deus ele é possível.

Nós estamos sempre tentando fazer as coisas por nós mesmos. Mas Deus irá nos ensinar, de uma forma fácil ou difícil, que “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15, 5), mas “tudo posso naquele que me fortalece” (Fl 4, 13). “Nosso auxílio está no nome do Senhor, que fez o céu e a terra” (Sl 123, 8): se Ele fez céus e terra, Ele pode certamente nos ajudar a sair de nossas piores provações. Nossa mais elevada dignidade é sermos ajudados por Deus, porque assim Ele se coloca, de certa forma, a nosso serviço (cf. Lc 12, 37).

Para o humilde, para o pobre que confia em Deus, o caminho se torna mais fácil. Ele não nos irá desapontar, Ele não deixará de cumprir as suas promessas. Ele é nosso Pai fiel e que nos ama. “Se você lhe pedir pão, Ele por acaso lhe dará uma pedra?” (cf. Mt 7, 9). “O pão nosso de cada dia nos dai hoje”, nós rezamos, e Ele no-lo dá, no Pão supersubstancial dos anjos, na Santíssima Eucaristia.

Ele só está nos esperando pedir, confiar, colocar-nos em suas mãos amorosas. É isso o que faz a fé; nisso consiste o ato de fé. Nós temos fé em Deus quando confiamos nEle, apesar da escuridão. Quando a Escritura diz que somos “salvos pela fé” (Ef 2, 8), eis o que isso significa: nós somos salvos sempre que humildemente rezamos a Deus: “Eu confio em vós, eu me entrego a vós, eu me coloco em vossas mãos. Fazei de mim como for de vosso agrado, fazei de mim o que quiserdes, porque eu sou vosso”. Essa é a atitude de uma criança de Deus, que sabe que o seu Pai é amoroso, é amor.

Isso é o que o sacrifício perfeitíssimo da Cruz nos mostra, nos ensina e nos dá o poder de fazer. Isso é o que o santo sacrifício da Missa torna repetidamente presente em nosso meio, a fim de que o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor seja sempre nosso, permeando nossa existência e remodelando-nos para a vida eterna. Por isso é que um cristão com fé é invencível e nenhuma força terrena pode derrotá-lo.

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