A história de cada ser humano pode ser resumida em dois simples atos: o de Deus, que o busca e chama, e o seu, de resposta a esse chamado. 

O Catecismo da Igreja Católica começa falando justamente disso: “Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar de sua vida bem-aventurada” (§1). Por isso, “o desejo de Deus está inscrito no coração do homem” (§27) e desde sempre ele o procura. De sua parte, Deus também vai ao encontro do homem que criou — é a Revelação, que vai acontecendo progressivamente ao longo do que se convencionou chamar, e com muito acerto, “história da salvação”: pois se há uma coisa que Deus faz, em todo o relato bíblico, é salvar o seu povo.

Desde o princípio, porém, Ele salva não só coletividades, mas pessoas bem concretas: Noé e Abraão, Isaac e Jacó, Moisés e Aarão, o Antigo Testamento está repleto de personagens históricas abençoadas diretamente por Deus.

É assim também agora, no tempo da Igreja. Jesus morreu por todos os homens, mas o cálice da salvação precisa ser bebido por cada um, como um remédio que só salva se for aplicado ao doente. É por isso que nós, católicos, vibramos não só com o relato da Paixão de Cristo, mas também com a aplicação de seus frutos na vida dos santos. Se interessa conhecer o modo como Deus nos salvou a todos, não é menos interessante saber como essa salvação acontece na biografia específica de cada um. 

Certos relatos de conversão, no entanto, chamam particularmente a atenção, seja pela fama e estatura da pessoa convertida, seja pelas coisas de que ela teve de abrir mão para dar o seu “sim” a Deus. 

Celebérrima nesse sentido é a conversão de São Paulo, que mereceu ser eternizada no próprio Cânon do Novo Testamento, nos Atos dos Apóstolos (c. 9). Nesse mesmo livro, estão registradas as inúmeras viagens que ele fez para pregar o Evangelho. Não fossem sua determinação e coragem verdadeiramente extraordinárias, Cristo demoraria muito mais para ser conhecido entre os povos — num tempo em que não havia nem Telegram nem telegrama.

Alguns anos mais tarde, Santo Agostinho deixaria seu testemunho gravado para sempre nas Confissões e, contemporânea a ele, Santa Maria Egipcíaca deixaria sua vida de pecados para se isolar até o fim da vida no deserto.

Como esses homens e mulheres, muitos outros houve, ao longo da história, que deixaram tudo o que tinham — cargos e riquezas, misérias e pecados — para seguir Nosso Senhor e entrar na sua Igreja. Também nossa época, marcada por um notável desenvolvimento das artes, das ciências, da tecnologia e dos meios de comunicação, tem os seus “convertidos famosos”. Só do século XX, podemos citar nomes como Edith Stein, Charles de Foucauld, Gertrud von le Fort, Eve Lavallière, Paul Claudel, G. K. Chesterton, Thomas Merton e Gabriel Marcel.

Os testemunhos desses e de muitos outros contemporâneos mostram como o apelo de Deus aos corações humanos é realmente universal, não conhecendo fronteiras de nenhum tipo. A única coisa que pode barrar a ação da graça divina no mundo é a nossa própria vontade, obstinada no mal e na incredulidade.

Duas possíveis conversões em nossos dias

Recentemente, notícias publicadas em sites católicos norte-americanos acenderam o alerta para a provável conversão de duas pessoas públicas com forte impacto sobre o mundo intelectual: trata-se do jornalista Milo Yiannopoulos e do professor de psicologia Jordan Peterson.

O professor Jordan Peterson.

O primeiro, um polemista conservador assumidamente homossexual, concedeu uma entrevista na qual disse ter abandonado a prática e declarou estar se consagrando a São José. Milo Yiannopoulos teve uma adolescência bastante conturbada, marcada por abusos sexuais (envolvendo inclusive um sacerdote católico), e nos últimos anos chegou a viver com um parceiro homossexual. Mesmo assim, nunca procurou “justificar” moralmente a vida que levava. No início de 2019, em uma conversa com Michael Voris, do site Church Militant, Milo chegou a ser desafiado a viver a castidade. Nos últimos meses, ele parece ter aceitado a proposta. 

O segundo, também conservador e autor do best-seller12 Regras para a Vida”, confessou num podcast estar muito próximo da fé em Cristo. Jordan Peterson já foi questionado inúmeras vezes sobre suas crenças, mas quase sempre respondeu evasivamente. Por mais de uma vez declarou: “Eu ajo como se Deus existisse, mas me aterroriza [pensar] que Ele de fato exista”. Depois de um período bem conturbado de sua vida, no entanto, em que enfrentou complicações médicas bastante sérias e chegou a entrar em coma, talvez algo tenha mudado em seu interior. Eis o que ele declarou recentemente (neste vídeo, a partir dos 40min35s), em tom emocionado (tradução e grifos nossos):

C. S. Lewis destacava isto, que a diferença entre Cristo e os deuses da mitologia estava em que há uma representação, uma representação histórica de Cristo também… Você pode debater se isso é ou não genuíno… Há ainda uma narrativa histórica, uma pessoa real que de fato viveu… O problema é que eu provavelmente acredito nisto, mas não sei, eu me impressiono com a minha própria crença, e eu não a entendo… Eu acredito que isso é inegável, o mundo objetivo e o mundo narrativo [se] tocam, e eu vi isso [acontecer] muitas vezes… E o exemplo definitivo disso deveria ser Cristo, e isso me parece estranhamente plausível. Eu ainda não sei o que fazer a respeito disso, em parte por se tratar de uma realidade assustadora demais na qual acreditar completamente; eu não sei o que acontece a quem acredita. 

Como se pode ver, as coisas ainda parecem um pouco confusas para o escritor canadense, mas a sua declaração mostra desde já uma abertura muito significativa à transcendência.

De nossa parte, o que nos cabe, em primeiríssimo lugar, é rezar por esses dois pensadores, para que continuem caminhando em direção a Deus. Ainda não é o momento de nos perguntarmos o que a conversão, seja de Milo seja de Peterson, tem a oferecer à Igreja e ao mundo. Como escreveu Kennedy Hall comentando a provável conversão de Jordan Peterson

Quando homens como Jordan Peterson parecem estar prestes a se converter a Cristo, de imediato nós pensamos no que eles podem oferecer à Igreja em seus esforços para converter o mundo. Isso é compreensível, mas talvez nós devamos olhar para isso de outra forma; não pensemos no que Peterson pode oferecer à Igreja, mas, antes, no que a Igreja poderia oferecer a ele — a salvação de sua alma. 

Uma cautela em tempos de internet

Por fim, mas não menos importante: lembremo-nos que todo cuidado é pouco com os anúncios de “conversões” na era da internet

O jornalista Milo Yiannopoulos.

Primeiro porque, diante da crise de ortodoxia que existe na Igreja Católica, é infelizmente muito comum o fenômeno das falsas conversões. A decisão de Milo, por exemplo, de levar uma vida casta, por quantos movimentos e organizações ditas “católicos” não seria vista como desnecessária! Quantos prelados não se apressariam em desencorajá-lo, chegando mesmo a procurar “elementos positivos” no estilo de vida homossexual! Infelizmente, para essas pessoas, basta se converter a qualquer coisa; mas nós sabemos: a única coisa que pode realmente salvar o homem é a conversão ao Deus verdadeiro, o abandono do mundo, a fidelidade aos Mandamentos.

Em segundo lugar, não só agora como sempre, a conversão não é obra de um só dia, mas na internet tudo é efêmero, instantâneo, passageiro. A própria exposição externa a que muitas figuras públicas se submetem é um fator negativo para o processo interior que precisa acontecer em toda conversão autêntica. 

Isso não significa pôr em dúvida a sinceridade da busca de Deus de ninguém. É, antes, um lembrete, tanto aos que se convertem quanto aos que ouvem falar de conversões, de que a graça de Deus habita em frágeis vasos de barro (cf. 2Cor 4, 7). Assim como quem ontem delinquia hoje pode se redimir, quem hoje se apresenta aos outros como modelo pode muito bem cair e escandalizar a muitos amanhã. Nenhuma conversão, por estupenda que seja, é garantia de segurança e impecabilidade. 

Por isso é tão importante fazer, no início da própria conversão, o mesmo retiro que fez São Paulo: antes de tornar-se “Apóstolo dos gentios”, ele foi para o deserto por três anos e, depois, para sua cidade natal, onde permaneceu dez anos escondido, em oração e recolhimento. Ou seja: o maior dos Apóstolos, mesmo depois de toda a sabedoria humana que havia acumulado em sua vida, mesmo depois de haver recebido o Batismo, julgou necessário ocultar-se aos olhos do mundo por treze anos antes de sair pregando o Evangelho! Por que nós, então, precisamos alardear aos quatro cantos do mundo que mudamos, que agora nos convertemos, que agora “fazemos e acontecemos”?

Sim, testemunhos de conversão são edificantes e é muito bom ouvi-los. Mas, enquanto houver mundo, estamos em guerra, sobretudo contra nossa carne e nossas vaidades. Tornemo-nos primeiro discípulos, para depois sermos missionários. Falemos primeiro com Cristo, antes de falarmos dele. E rezemos para que no caminho em direção a Deus não caiam os que estão de pé, e os que estão caídos se levantem — de uma vez e para sempre.

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