A parábola da viúva persistente é com certeza reconfortante para qualquer um propenso a importunar os outros — e, talvez, angustiante para qualquer um que não goste de ser importunado! Portanto, creio que isso nos inclua a todos, de uma forma ou de outra.  

No contexto, a história segue os comentários em Lucas 17 sobre a vinda do Senhor e seu reino. Nessa passagem, há ênfase na incerteza e na surpresa. Jesus compara o reino à súbita destruição de Sodoma ou ao grande dilúvio nos dias de Noé:

Como sucedeu nos dias de Noé, assim sucederá também quando vier o Filho do homem. Comiam, bebiam, tomavam mulher e marido, até ao dia em que Noé entrou na arca; e veio o dilúvio, que exterminou a todos. Como sucedeu também no tempo de Lot; comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam; mas, no dia em que Lot saiu de Sodoma, choveu fogo e enxofre do céu, que exterminou a todos. Assim será no dia em que se manifestar o Filho do homem. Nesse dia, quem estiver no terraço e tiver os seus móveis em casa, não desça a tomá-los; da mesma sorte, quem estiver no campo, não volte atrás. Lembrai-vos da mulher de Lot. O que procurar salvar a sua vida, perdê-la-á; o que a perder, salvá-la-á. Eu vos digo: Nessa noite, de duas pessoas que estiverem num leito, uma será tomada, a outra deixada. Duas mulheres estarão moendo juntas, uma será tomada, a outra deixada; dois estarão no campo, um será tomado, o outro deixado.” Os discípulos disseram-lhe: “Onde será isso, Senhor?” Ele respondeu-lhes: “Onde quer que estiver o corpo, juntar-se-ão aí também as águias.”

Teofilato de Ocrida explica a parábola desta maneira: “Logo depois de falar das provações e perigos que estavam por vir, Nosso Senhor acrescenta o remédio para elas, a saber, a oração constante e sincera”.

Talvez alguns de nós não queiramos ouvir isso. Parece simples demais. Quando confrontados com provações e tribulações, não seria legal que tivéssemos à disposição uma arma espetacular com que resistir? Ou algum grande dispositivo teológico que nos ajudasse na tempestade que está por vir? Ao invés disso, por que não assegurar uma vida de paz através do poder e da tecnologia? Não seria esse o grande objetivo do Estado-nação moderno?

Não, a imagem que representa a fidelidade cristã em meio aos ventos da mudança é a desta senhora persistente.

“O Juiz Iníquo e a Viúva Importuna”, de John Everett Millais.

Os Padres da Igreja enxergam nessa figura a Santa Igreja como um todo ou a alma individual. Os adversários são o mundo, a carne e o demônio. Esse drama de tribunal é ao mesmo tempo uma imagem comum na Sagrada Escritura e uma parte profunda da imaginação litúrgica da Igreja. Durante boa parte de sua história, a celebração da Missa no rito romano começou com um diálogo. O objetivo era, naturalmente, entrar “no altar de Deus” (ad altare Dei). Mas só podemos entrar nele de um modo hesitante, através da súplica e da contrição. “Fazei justiça, meu Deus, e defendei-me contra a gente impiedosa; do homem perverso e mentiroso libertai-me, ó Senhor” (Sl 42, 1). Em certo sentido, a cada Missa celebrada a Igreja se comporta como a viúva persistente

Essa súplica paciente — ou mesmo impaciente — está presente em toda a Escritura e Tradição. Pense em Abraão barganhando com o Senhor o destino de Sodoma. Pense em Jacó lutando com Deus por sua bênção. Pense na mulher siro-fenícia que se aproxima de Jesus e não aceitará um não como resposta. Pense em Santa Mônica e nos decênios que ela levou rezando pela conversão de seu filho Agostinho.

Por frustrante que seja, a economia da oração parece ser essa. Segundo São João Crisóstomo, o Senhor quer que consideremos em nossos corações o que estamos pedindo. E essa ideia é a chave para um princípio mais amplo da história da salvação: o modo de Deus nos redimir é adequado à nossa necessidade. Pode até ser que queiramos ser salvos de uma outra forma. Pode até ser que queiramos “engarrafar” a graça divina, para derramá-la de acordo com as nossas medidas. Mas não é disso que realmente precisamos.

Somos criaturas a viver no tempo e no espaço, dotadas de matéria e espírito, e precisamos da graça não para nos separarmos de nossa natureza, mas para que, lentamente, saturemos nossa humanidade na presença e na atividade de Deus. Quando Santo Tomás e a tradição escolástica falam da elevação da natureza pela graça, eles querem dizer o seguinte: Deus realmente quer nos salvar, e não nos transformar em outra coisa.  

A viúva persistente também nos oferece uma janela para acessar a natureza da fé humana. Em sua Introdução ao Cristianismo, o então Cardeal Ratzinger insiste em que “fé” e “dúvida” são, em certo sentido, dois lados da mesma moeda, ambos opostos à certeza absoluta. Ambos contêm implicitamente a pergunta “e se?” E se, talvez, isso não for verdade? E se, no final das contas, for verdade? Nem mesmo o ateísmo, diz ele, pode se esquivar de toda dúvida, e seu aspecto mais ilusório é a ideia de que um dia poderia haver certeza sem essa dúvida inoportuna sobre a validade da dúvida. É difícil persistir na fé e na oração.  

A parábola descreve Deus como justo juiz, em contraposição ao juiz desonesto confrontado pela viúva. Mas será que nos atrevemos a ver alguma característica de Deus na viúva? Também Ele não é caracterizado por uma persistência singular e até mesmo irritante? Ele fala conosco por meio da criação. Fala conosco por meio da mente humana. Fala conosco por meio dos profetas. Acima de tudo, fala conosco por meio de seu Filho. Continua nos chamando ao arrependimento, à comunhão, à vida da graça. E enquanto o mundo existir, Ele não deixará de fazer tudo isso.

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