Sant’Ana, mãe da Santíssima Virgem, era natural de Belém, cidade localizada a três quilômetros de Jerusalém e frequentemente mencionada na Sagrada Escritura. Tendo passado a juventude numa pureza imaculada, casou-se com um homem chamado Joaquim, nascido em Nazaré, na Galileia, com quem viveu em tal amor e harmonia, e ao mesmo tempo tão piedosamente, que se poderia justamente dizer deles o que São Lucas escreve de Zacarias e Isabel: “Ambos eram justos diante de Deus, caminhando irrepreensivelmente em todos os mandamentos e preceitos do Senhor” (Lc 1, 6). Dividiam sua renda em três partes: a primeira era usada para honrar a Deus e adornar o Templo, a segunda para ajudar os pobres e a terceira para sua própria subsistência. Empregavam o dia na oração, em trabalhos adequados à sua condição de vida e em ações de caridade. 

A única tristeza deles era o fato de ainda não terem tido filhos, mesmo estando casados há tanto tempo; e naquela época um casamento estéril era considerado uma desgraça, quase um sinal de maldição divina. Consternados por esta dor, Sant’Ana e seu esposo rezaram com muitos lamentos e lágrimas para que Deus tivesse piedade deles e lhes tirasse a desgraça que os oprimia. Mas, como não foram ouvidos mesmo depois de terem rezado longa e fervorosamente, decidiram suportar com paciência a vontade do Todo-Poderoso. 

Sant’Ana sabia, porém, que Deus exigia uma oração contínua, e não tinha dado aos homens um tempo determinado para pedir a graça. Por isso, não cessava de implorar ao Céu, com grande confiança, por tudo aquilo que ela julgava ser para honra de Deus e sua própria salvação. Estando um dia no Templo, sentiu de tal modo a sua aflição que chorou amargamente, mas lembrou-se, ao mesmo tempo, de que existira uma outra Ana, esposa de Elcana, que sofrera como ela, mas a cujas orações Deus finalmente atendera, fazendo dela a mãe do grande profeta Samuel. Ao pensar nisso, sentiu em si um desejo invencível de implorar ao Senhor uma graça semelhante. Por isso, renovou sua oração com grande fervor, prometendo ao mesmo tempo que, se Deus lhe concedesse um filho, o consagraria no Templo ao serviço dele, como fizera a já mencionada Ana.

“Sant’Ana e a Virgem Menina”, por Francesco de Mura.

Deus respondeu à oração confiante e pesarosa de sua serva e enviou-lhe um anjo, segundo a opinião dos Santos Padres. Este anunciou que ela daria à luz uma criança, a qual, bendita entre as mulheres, seria a mãe do Salvador do mundo, há muito esperado. Acredita-se também que o anjo tenha dito a ela o nome que deveriam dar ao fruto bendito de seu ventre. A mesma revelação foi feita a São Joaquim. Portanto, é fácil imaginar a felicidade de ambos e sua gratidão para com o Todo-Poderoso. 

A felicidade deles foi coroada quando Sant’Ana deu à luz aquela que foi eleita por Deus, desde toda a eternidade, para ser a mãe de seu Filho único. Quem seria capaz de descrever a alegria com que Ana abraçou a criança recém-nascida em seu seio, ou a solicitude e o amor com que a criou? A consciência de que sua bendita filha fora escolhida por Deus para tão alta dignidade bastava para que nada deixasse de ser feito em benefício dela. A santa criança tinha uma inteligência tão superior à sua idade e um caráter tão angelicalmente puro, que sua educação foi uma tarefa simples, e Sant’Ana se considerava a mãe mais feliz do mundo por Deus lhe haver confiado uma criança tão preciosa. Sem dúvida, foram inúmeras as graças que ela recebeu do Céu através da presença da Santíssima Virgem. Pois se, tempos depois, a casa de Isabel e Zacarias ficou repleta de bênçãos celestiais por causa da visita de Maria, quem poderia duvidar que Sant’Ana, mãe da Santíssima Virgem, fosse dotada de graças extraordinárias? 

Sabendo, porém, que Maria não era apenas um tesouro precioso que o Céu lhe emprestava, mas que também se consagrara ao serviço do Onipotente [i], Sant’Ana não deixou de devolver a Deus o que recebera de suas mãos, nem de oferecer de bom grado o que tão prontamente havia prometido. Tão logo Maria completou três anos de idade, Ana e Joaquim foram com ela ao Templo de Jerusalém e, apresentando-a ao sacerdote, consagraram-na por intermédio dele ao Todo-Poderoso. Nada poderia ter sido mais doloroso para os piedosos pais do que separar-se de uma criança tão perfeita, mas como tinham mais zelo pela glória de Deus do que por sua própria alegria, ainda que tão piedosa, realizaram esse sacrifício sem murmurar. E assim Maria foi recebida entre aqueles que, sob a direção dos sacerdotes, serviam a Deus no Templo e eram conduzidos pelo caminho da virtude.

“A Apresentação da Virgem no Templo”, por Juan de Sevilla y Romero.

Depois de terem oferecido piedosamente este agradável sacrifício, os pais da Santíssima Virgem voltaram para casa e passaram o resto de seus dias realizando boas obras, as quais foram mantidas por Santa Ana [mesmo] depois de ter ficado viúva por causa da morte de seu santo esposo. 

Assim como ela fora um exemplo para as virgens antes de casar-se, bem como um modelo perfeito de esposa, também foi, na viuvez, uma luz radiante, em razão de todas aquelas qualidades que, mais tarde, São Paulo viria a exigir de uma viúva cristã, na Primeira Carta a Timóteo (cf. 1Tm 5). Ia frequentemente a Jerusalém para ver a sua santa filha, e morreu, segundo vários autores, aos 79 anos de idade. Nessa ocasião, Maria ainda vivia no Templo, e foi ela quem fechou os olhos de sua mãe.

Assim como não é possível dar à Santíssima Virgem um título mais elevado que o de Mãe de Deus, também Sant’Ana é maximamente exaltada quando a chamamos de mãe daquela que deu à luz o Filho de Deus. E justamente por ter sido escolhida para ser mãe de Maria é que devemos crer que o Todo-Poderoso a favoreceu aqui na terra com uma graça superior à de todos os santos [ii] e a elevou a uma excelsa glória no Céu. Por isso podemos supor, com razão, que sua intercessão junto a Deus é muito poderosa; e isso também é comprovado por muitos exemplos. 

Considerações práticas

I. Quando Sant’Ana percebeu que, apesar de suas muitas preces, o Todo-Poderoso não lhe atendia, submeteu-se à sua divina vontade e suportou a provação com paciência. 

Assim também deve agir os cristãos quando Deus os prova de modo semelhante, pois tudo o que Ele faz tem em vista o bem deles. Ele tem seus motivos para agir assim, e são justos. Talvez se perderiam se tivessem filhos, pois muitos pais pecam muito em relação aos filhos e são condenados por causa deles.

“Sant’Ana conduzindo a Virgem”, por Francisco Pérez Sierra.

Quando Sant’Ana recebeu de Deus o que tinha pedido com tanta persistência ao longo de muitos anos, deu-lhe as devidas graças, educou piedosamente sua filha e logo a consagrou ao serviço do Céu. 

Assim devem agir todos os pais cristãos. Sua maior preocupação deve ser a de ensinar os filhos desde cedo a servir a Deus e educá-los para o Céu. Se um de seus filhos tem vocação para a vida religiosa, não devem se opor a ela, nem, por qualquer meio iníquo, afastá-lo dela. 

Sant’Ana privou-se do grande conforto que lhe dava a presença da filha, quando, por amor a Deus, consagrou-a, pelas mãos do sacerdote, ao serviço do Altíssimo. 

Por que os pais cristãos não podem fazer o mesmo e consagrar voluntariamente seu filho a Deus, a quem ele pertence muito mais do que a eles mesmos? Se contrariarem o chamado divino, podem cometer um grande pecado e inclusive atrair para si a condenação eterna, além de ser causa da destruição dos próprios filhos.

II. Sant’Ana rezou muito, mas não foi atendida. Porém, não murmurou contra Deus, mas continuou rezando confiantemente, até enfim receber o que pedira. 

Deus tem muitas razões para nem sempre ouvir imediatamente nossas preces. Às vezes rezamos quando não estamos em estado de graça; ou vivemos em pecado sem nos arrependermos, ou sem a intenção de emendar nossa vida. Nestes casos, Deus não pode aceitar nossas orações. Às vezes, também rezamos sem devoção e reverência, e será que uma oração assim pode ter algum efeito? Noutras ocasiões, rezamos apenas para pedir aquilo que Deus sabe que nos faz mal, embora possamos imaginar que é para o nosso bem. Em tais casos, Deus concede-nos uma graça ao não atender-nos. 

Muitas vezes, também, o Todo-Poderoso não nos ouve para castigar nossas iniquidades. Nós o ofendemos tantas vezes — e perdemos a sua graça — que não podemos esperar que Ele atenda imediatamente ao nosso pedido. Quantas vezes fomos surdos quando Deus nos chamou; como podemos pedir que Ele nos ouça imediatamente? “Que direito temos nós — pergunta São Salviano — de nos queixarmos quando Deus não nos ouve, ou [quando], por assim dizer, despreza nossas orações, se tantas vezes não o escutamos e tantas vezes desprezamos suas leis? Haveria coisa mais justa do que Ele não nos ouvir porque não o ouvimos, e desprezar nossas orações porque desprezamos suas leis?” 

Além disso, Deus nem sempre nos ouve imediatamente para que possamos orar com mais fervor e estimar muito mais os favores por Ele concedidos. Também o faz para pôr à prova nossa paciência e nossa confiança em sua misericórdia, ou para que sejamos mais merecedores de sua graça por meio de orações constantes. Finalmente, além de outras razões, é possível que o faça também para nos dar algo melhor do que pedimos. Quando tudo isto é considerado adequadamente, diga-me: é justa a sua queixa quando o Todo-Poderoso não escuta imediatamente suas preces? Persevere nelas. Faça-as com o devido espírito e você verá a veracidade das palavras de São Bernardo: “Deus nos dá o que pedimos ou outra coisa que nos é mais útil.”

Referências

  • Extraído e traduzido de Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, pp. 110-113.

Notas

  1. O autor quer dizer isto mesmo: que a Virgem Santíssima se consagrara ao serviço do Onipotente desde a mais tenra infância, antes mesmo de atingir a chamada idade da razão. Isto deve ser entendido à luz do parecer que manifestam os teólogos — entre os quais São Vicente Ferrer, São Bernardino de Sena, São Francisco de Sales, Santo Afonso etc. — de que “Maria teve desde o primeiro instante de sua concepção o uso do livre-arbítrio por ciência infusa” (Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, La Madre del Salvador y nuestra vida interior. 3. ed. Buenos Aires: Ediciones Desclée de Brouwer, p. 74). (N.T.)
  2. Excetuada aqui, evidentemente, a própria Virgem Maria, pois é justamente por sua singular dignidade como Mãe de Deus que o autor supõe em sua mãe, Sant’Ana, uma glória também ímpar. (N.T.)

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