Só dois tipos de pessoa parecem desfrutar de uma emergência nacional: intrometidos e estraga-prazeres. Ambos dedicam suas vidas a provar que sabem mais que o pobre caipira que mora ao lado.

Em meados de março, portais de notícias católicos começaram a relatar uma coincidência extraordinária: não somente existe uma santa chamada Corona como ela é também padroeira das epidemias. De repente, o culto a ela explodiu e a internet foi inundada com novas orações e ladainhas que suplicavam à obscura Santa Corona o fim da pandemia de COVID-19.

Santa Corona, do Mestre do Palácio de Veneza (séc. XIV).

Por volta do fim do mês, no entanto, os checadores de “fatos” do site Snopes (aqueles especialistas no martirológio romano) anunciaram que, na verdade, Santa Corona não era padroeira das epidemias. E, para provar isso, citaram Catherine M. Mooney, professora associada do Boston College — claramente uma pessoa muito mais inteligente do que você —, que afirmou o seguinte: “Junto com aqueles [santos] que realmente existiram, há muitos outros que simplesmente apareceram nas lendas ao longo dos séculos, muitas vezes inventados. Páginas de internet que falam sobre santos são famosas por repetir informações fictícias”.

A afirmação deve se estender à Legenda Áurea (daí o nome), que é nossa principal fonte para as vidas de santos populares como São Cristóvão e São Jorge. Felizmente, muitos departamentos de teologia de escolas dirigidas por jesuítas, como o Boston College, evoluíram e superaram a necessidade da Legenda, da Bíblia e de outros textos de historicidade duvidosa.

A professora Mooney prossegue e explica que “Santa Corona não era conhecida como padroeira das pandemias, pelo menos até alguém (quem?) a chamar assim. Ela deve ter recebido essa alcunha porque seu nome ‘Corona’, que significa coroa, poderia conectá-la ao coronavírus”.

A reportagem do portal Snopes desencadeou uma onda de sabichões que desde então têm trabalhado furiosamente para destruir o florescente culto a Santa Corona. 

Em princípio, eles estão certos. Não há realmente nenhum registro histórico de que Santa Corona tenha sido invocada contra pragas e pandemias. Tradicionalmente, ela é considerada a padroeira dos apostadores e dos caçadores de tesouros. E é provável que seu verdadeiro nome tenha sido Stéfane.

Mas, afinal, quem se importa com isso? Esses desmancha-prazeres realmente acham que Corona recusará nossas orações por não ser oficialmente designada como padroeira das epidemias?

O portal Snopes & Co. deve ter uma compreensão estranha sobre o funcionamento das orações por intercessão. Eles parecem imaginar que os santos são como o panteão grego, no qual as divindades têm uma função específica dentro da vasta burocracia celestial, e tomam muito cuidado para “permanecer cada um no seu galho”. Por isso, assim como um ateniense não faria uma prece a Héstia, deusa do lar, para pedir a vitória numa batalha, um americano não recorreria ao departamento de veículos motorizados para receber o seguro-desemprego. Um espartano que sacrificasse a Ares para obter uma colheita abundante seria como aquele que, dois mil anos depois, iria até uma agência de Seguro Social para solicitar a renovação da carteira de motorista.

Imagino o que os detratores de Santa Corona pensam (se é que realmente pensam) que ela faz quando recebe um pedido para acabar com o surto de COVID-19. Devem imaginá-la sentada à mesa no terceiro porão do Paraíso, onde todos os santos secundários possuem cubículos, com sua caixa de correio abarrotada de pedidos para acabar com a peste. Ela se volta para Santo Elígio, padroeiro dos trabalhadores de postos de gasolina, e lamenta: 

Procuraram o departamento errado! Durante a semana passada, encaminhei correios eletrônicos a Sebastião e Roque no Setor de Doenças Infecciosas. Eu disse a eles: ‘Não sou sua secretária!’ O Chefe precisa enviar um memorando ou algo parecido. Não posso simplesmente redirecionar chamadas. A Disney está enfrentando grande dificuldade com o roteiro de A Lenda do Tesouro Perdido 3, e um dos escritores me pediu ajuda. Poderia ser minha grande chance. Não tenho tempo para me preocupar com aquelas pessoas doentes.

Peço a devida licença aos nossos amigos protestantes, mas essa é uma das principais diferenças entre o culto aos santos e os antigos cultos pagãos. O pagão via seus deuses como mafiosos que exigiam subornos sob a forma de holocaustos em troca de “proteção”. Para nós, os santos são simplesmente amigos. Podemos nos dirigir a eles — a qualquer um deles — sempre que quisermos e em qualquer necessidade, e podemos ter a certeza de que tentarão fazer o melhor.

E, é claro, podemos atribuir a eles algumas especialidades. Meu amigo Tom me ajuda com os impostos por ser contador; Roger me dá frutos frescos por ser fazendeiro. Mas se eu tiver de mudar móveis de lugar ou organizar uma festa de aniversário para minha esposa, sei que poderia contar com a ajuda dos dois. Afinal, para que servem os amigos? 

É verdade que muitas vezes os patrocínios dos santos são designados pela Santa Sé. Por exemplo, Santa Clara de Assis é a padroeira celeste da televisão, porque ela teve visões do Santo Sacrifício da Missa quando esteve acamada. Isso é muito útil para aqueles que recentemente se viram obrigados a assistir à Missa dominical pelo YouTube. Podemos pedir que Santa Clara nos ajude a manter a concentração de nossos pensamentos e orações junto com o sacerdote no altar, apesar da distância física. Temos aqui um caso em que Roma (de forma muito útil) recomenda um determinado santo para uma tarefa específica. 

São Thomas More, ou Tomás Moro, mártir inglês do século XVI.

Historicamente, porém, tais especialidades costumavam ser designadas pelos próprios fiéis. Eram os “patrocínios por aclamação”, por assim dizer. Dessa forma, ao longo dos quatrocentos anos entre sua morte e canonização, São Tomás Moro angariou seguidores entre advogados e políticos. Eles não esperaram a permissão do Vaticano para venerar o grande mártir, porque ela não era necessária. Os católicos veem os santos não como burocratas, mas como amigos. Independentemente da situação ou da provação, os santos querem nos ajudar, seja lá como for.

Não há dúvida, portanto, de que a cena no céu se desenvolveu de modo muito distinto.

Podemos imaginar os padroeiros populares correndo de um lado para o outro, atendendo a pedidos de modo frenético. São Cristóvão se apressa entre pais que estão partindo para uma longa viagem de carro; Santo Antônio cuida de mães ocupadas que perderam as chaves do carro. E, em meio a essa “confusão”, a amável Corona está assentada em seu pequeno trono. De vez em quando ela escuta a súplica de uma avó italiana para que ajude seu neto a pagar a dívida da jogatina, mas em geral seus dias são um tanto rotineiros.

Então, de repente escuta-se um estrondoso bramido vindo da terra. Os céus se abalam; o livro de São Pedro quase cai do suporte. Santa Corona quase não presta atenção e espera que São Miguel entre na batalha com sua espada flamejante ou que São Brandão salte no mar com sua bóia salva-vidas. Então, ela percebe que Santo Antônio e São Cristóvão, São Miguel e São Brandão permanecem em suas mesas. Todos se voltam para ela de uma só vez.

Santa Corona pisca para eles. Então, ela finalmente escuta milhares de vozes chamando por seu nome. Desconcertada, ela olha na direção de Nosso Senhor, que sorri. “Estão chamando você, Corona.” Em seguida, ela se levanta, põe sua coroa da glória e começa a trabalhar.

Santa Corona pode não ter sido a padroeira das epidemias antes, mas agora é. E seu culto tornou-se, infelizmente, uma espécie de novidade na Igreja moderna: uma súplica espontânea dos fiéis por uma ajuda sobrenatural. Pedir a São Tomás Moro para fazer de você um advogado melhor ou a Santo Antônio para ajudá-lo a encontrar as chaves do carro são gestos muito bonitos. Mas há algo de deliciosamente medieval quando a Igreja, arrependida, de repente clama ao céu por uma intervenção direta no mundo — não apenas em nossas vidas, mas em todo o curso da história humana.

Muitas vezes só experimentamos esse tipo de fé em casos de extrema necessidade. Somos como os israelitas, que adoravam seus falsos ídolos na paz e na prosperidade, mas voltavam-se para o único Deus verdadeiro na fome e na guerra. E, como sabemos, Ele jamais deixou de atender às suas orações — sabendo perfeitamente bem que lhe dariam as costas novamente, tão logo conseguissem o que queriam.

O mesmo ocorre com Santa Corona. Há uma bela simplicidade da fé em ação nos corações daqueles que se voltam para ela agora em suas necessidades. Eles a honram, e ela atenderá suas orações. (Resta a esperança de que, após o término da pandemia, nós tenhamos um pouco mais de gratidão que os israelitas.)

Enquanto isso, aqueles que negam o poder dos santos de Deus — que fiscalizam as orações dos fiéis num momento de necessidade — deveriam prestar atenção ao alerta do salmista:

Apartai-vos de mim todos os que praticais a iniquidade,
Porque o Senhor ouviu a voz do meu pranto.
O Senhor ouviu a minha súplica,
o Senhor recebeu a minha oração.
Sejam confundidos, e em extremo conturbados todos os meus inimigos;
retirem-se, e sejam num momento cobertos de ignomínia (Sl 6, 9-11).

Santa Corona, rogai por nós!

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