“Não! Deus não quer! Se fazes isto, vais para o inferno! Que fazes, Alexandre? Não me toques! É pecado!”: assim “Marieta gritava, mais preocupada em defender o seu pudor do que a sua vida” [1].
O depoimento acima foi recolhido da boca do próprio Alexandre Serenelli, assassino de Santa Maria Goretti, e atesta uma coisa: para se conservar na graça de Deus, o ser humano deve fazer de tudo, inclusive suportar a própria morte.
De fato, a pequena camponesa que a Igreja hoje celebra — e que contava, quando morreu, apenas “11 anos, 8 meses e 20 dias” de vida — não defendeu a virgindade com raciocínios meramente humanos [2]. Não foi por uma questão de honra pessoal que ela lutou até o fim para não ser violada — ainda que essa fosse, humanamente falando, uma causa muitíssimo justa. Sua preocupação, externada nos gritos terríveis com que se defendia do algoz, eram a vontade de Deus e a salvação da alma de seu agressor. Como todo mártir, Maria Goretti aferrava-se à fé, desprezando o mundo visível pelas realidades invisíveis. Mesmo analfabeta, a menina descobrira, a partir da educação cristã dos pais, que havia algo maior que a vida natural: a graça divina dentro de si. Por ela, valeria a pena gastar tudo, inclusive derramar o próprio sangue. E por isso ela resistiu [3].
“Antes morrer do que pecar”. Eis a verdade em que creram, de modo particular, todos os mártires da Igreja; verdade em que todos os católicos deveriam acreditar. De acordo com uma teologia mais moderna, no entanto, preocupada com “proporções” e “adaptações”, talvez as pessoas não devessem ser tão rigorosas assim no cumprimento dos Mandamentos. Talvez fosse necessário avaliar, no caso concreto, a resposta que se pode oferecer a Deus; seria necessário distinguir os bons aspectos de cada situação. Assim se procura legitimar, hoje, desde a aceitação das várias e mais disparatadas religiões até as relações entre pessoas do mesmo sexo. “Uma coisa é o conceito de pecado — eles dizem —, outra são as circunstâncias concretas em que se encontram as pessoas”.
A essas pessoas que parecem crer, também só em teoria — porque, na prática, defendem o que defenderia qualquer pessoa sem fé —, seria necessário lembrar a dura e tão esquecida advertência de Nosso Senhor no Evangelho: “Seja o vosso sim, sim; o vosso não, não. O que passa disto vem do Maligno” (Mt 5, 37). Ou, como diz o Papa Pio XII:
Pode haver situações em que o homem, e especialmente o cristão, não pode ignorar que deve sacrificar tudo, inclusive a própria vida, a fim de salvar a própria alma. Todos os mártires no-lo recordam. E os há em grande número, também em nossos tempos. Mas será que a mãe dos Macabeus e seus filhos, santas Perpétua e Felicidade, sem embargo de seus recém-nascidos, Maria Goretti e milhares de outros, homens e mulheres venerados pela Igreja e que se opuseram à “situação”, sofreram inutilmente — e até por engano — uma morte sangrenta? Certamente não. E eles, com seu sangue, são os testemunhos mais expressivos da verdade contra a “nova moral”.
Santa Maria Goretti, por exemplo, não “relativizou” o pecado que a fez padecer. Ao contrário, reconheceu-lhe a gravidade desde o princípio, e por isso mesmo se negou a consentir; acolheu as consequências terríveis desta escolha e ofereceu-as todas a Deus, como reparação e, ao mesmo tempo, intercessão por seu algoz.
Nisso ela se assemelhou sobremaneira a Nosso Senhor em seu sacrifício expiatório. Não deixa de ser significativo, a propósito, que celebremos o testemunho de sangue desta criança justamente no mês de julho, dedicado ao Preciosíssimo Sangue de Cristo.
De fato, assim como Jesus no Calvário, esta pequena viu o sangue jorrar das feridas abertas pelo assassino em seu corpo imaculado. “Na cama” onde a colocaram depois do atentado à sua integridade física, “Maria jazia toda salpicada de sangue” e “as roupas se lhe enfiavam nas feridas, causando-lhe dores indizíveis” [4].
Também em perfeita configuração a Cristo, ela concedeu ao seu agressor nada menos que o perdão. “Marieta, Jesus morreu perdoando ao bom ladrão; e você perdoa de todo coração ao assassino?”, perguntaram-lhe. “Oh, sim”, respondeu. “Eu também lhe perdoo por amor de Jesus. E desejo vê-lo bem perto de mim no Paraíso” [5].
Mais tarde, seu desejo seria atendido: Alexandre se converteria verdadeiramente ainda na prisão, e passaria o resto da vida fazendo penitência por seu crime. Mas seu pecado teve um preço imediato. O perdão de Maria não foi “barato”. Às 15h45min do dia 6 de julho de 1902, ela não resistiu e faleceu. “Apagava-se uma lâmpada na terra e acendia-se uma estrela no céu” [6].
A morte desta mártir é o completo avesso da mentalidade mundana moderna, que afetou até pessoas de Igreja. Hoje, diante do pecado, como reagem os católicos? Cientes de que irão ofender a Deus, eles nem por isso deixam de pecar, já “seguros” de que se confessarão depois. Pecar é como extrair um dente, ou nem isso. É uma trivialidade, um ato que facilmente se cancela com algumas palavras mais ou menos sinceras diante de um padre.
A vida desta virgem, por sua vez, é um verdadeiro “tapa na cara” da juventude moderna, tão habituada aos prazeres fáceis da carne. Sob ameaças de violência e morte, Maria Goretti guardou sua pureza inviolável, enquanto nós, querendo, caminhamos alegres e tranquilos para a impureza que, mais cedo ou mais tarde, nos levará para o inferno.
“Para os corações retos a vontade de Deus é tudo” [7]; para os corações desviados, porém, o pecado é tudo, e a vontade de Deus não passa de um obstáculo para a sua “felicidade” egoísta e autossuficiente. A pergunta é quando acordaremos desta ilusão de morte — se é que acordaremos a tempo.
Não abusemos mais da misericórdia e da paciência de Deus para conosco. — Santa Maria Goretti, rogai por nós!
O que achou desse conteúdo?