Deixe-me introduzir este tema com uma pergunta: teria Jesus revelado a São José o desejo de instituir a Sagrada Eucaristia? Talvez durante os anos de vida oculta em Nazaré? Ou antes do início da vida pública, por exemplo, antes de José adormecer em Deus?

Não é fácil responder nem encontrar pistas nos Evangelhos. Tentemos, porém, analisar a questão com a razão aberta a argumentos teológicos de conveniência. Decerto convinha que Jesus revelasse àquele que, depois de Maria, sua mãe, lhe era mais próximo o segredo dos segredos, o amor de seu Coração, o desejo de todos os seus desejos: a Santa Eucaristia.

Dirá Jesus no Evangelho de Lucas (22,15), em frase singular e paradigmática: Desiderio desideravi hoc pascha manducare vobiscum antequam patiar. Literalmente, lembrando também a forma grega original, que segue a mesma construção, na qual o verbo “desejar” e o substantivo “desejo” se associam para reforçar um ao outro, o que temos é: “Desejei com grande desejo comer esta páscoa convosco antes de padecer”.

Vitral eucarístico na igreja de São José em Wapakoneta, Ohio.

Podemos imaginar que tal desejo animava Jesus desde os primeiros anos e que, portanto, não haveria por que não confidenciá-lo a Maria, sua mãe, nem a José, seu pai. Deve ter sido esse “desejo eucarístico” confiado a José o que motivou o santo carpinteiro, de maneira muito especial, a fazer-se um com seu Filho e sua esposa, sobretudo em ser generoso sempre na entrega de si mesmo — entrega de desejo e de amor —, para a salvação de todos.

Se, de acordo com Santo Agostinho, o desejo é a “sede da alma”, e se, para Santo Tomás de Aquino, desiderium ex amore — o desejo procede do amor —, então amor præcedit desiderium, o amor precede o desejo. Logo, São José deve ter, quando menos, intuído pela força de seu amor a sede do Coração do Filho e, com Ele, desejou seus mesmos desejos. Mas também é conveniente supor que Jesus lhe tenha revelado a intenção de instituir o Santíssimo Sacramento, amor que precede todo desejo.

José queria tornar-se eucaristia com Jesus e Maria. Como a esposa, conformou-se a esse mistério desejando-o, mesmo antes de ele ser instituído. Sua vida era comunhão de amor e desejo — de amor que, sendo a alma do desejo, o incendeia —, comunhão espiritual que, vivida com Jesus ao longo da vida, se unia à comunhão espiritual de Maria, para se tornar assim um desejo de oblação em Jesus. Como Maria, José fez sua a dimensão sacrificial da Eucaristia. Sua vida foi uma preparação diária para o sacrifício do Calvário, ao qual não assistiu, pois já deixara tudo preparado: entregou à esposa sua própria colaboração oblativa, o preço de sua paternidade, pedindo-lhe que a levasse em seu nome ao monte da crucificação. José confiou a Maria todo o seu desejo de ser um com Jesus, nela e por meio dela, para ser hóstia com Jesus.

Há uma passagem na Encíclica de João Paulo II sobre a Eucaristia, Ecclesia de Eucharistia (n. 56), que se aplica não só a Maria, mas também a José. Ei-la:

Ao longo de toda a sua existência ao lado de Cristo, e não apenas no Calvário, Maria viveu a dimensão sacrificial da Eucaristia. Quando levou o menino Jesus ao templo de Jerusalém, “para o apresentar ao Senhor” (Lc 2,22), ouviu o velho Simeão anunciar que aquele Menino seria “sinal de contradição” e que uma “espada” havia de trespassar também a alma dela (cf. Lc 2,34s). Assim foi vaticinado o drama do Filho crucificado e de algum modo prefigurado o Stabat Mater aos pés da cruz. Preparando-se dia a dia para o Calvário, Maria vive uma espécie de “Eucaristia antecipada”, dir-se-ia uma “comunhão espiritual” de desejo e oferta, que terá o seu cumprimento na união com o Filho durante a Paixão, e manifestar-se-á depois, no período pós-pascal, na sua participação na celebração eucarística, presidida pelos Apóstolos, como “memorial” da Paixão.

Basta trocar na citação “Maria” por “José”, e o resultado é o mesmo, excetuando a participação dele na Missa celebrada pelos Apóstolos. José fez sua a dimensão sacrificial da Eucaristia por meio de Maria. No Templo, está ele ao lado da esposa, ouvindo as palavras de Simeão, tornadas espada também para o seu coração.

As palavras proféticas: “Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações. E uma espada transpas­sa­rá a tua alma” (Lc 2,34s), não deixaram de lhe atravessar também a alma, encontrando-o particularmente indefeso no momento culminante — “queda e soerguimento para muitos” —, mas plenamente abandonado à vontade do Pai. Ele prepara-se dia após dia para o Calvário. Sabe que não estará presente, mas nutre o desejo de estar sempre onde estiverem seu Filho e sua esposa.

“Jesus e José de Arimateia”, por Giovanni Girolamo Savoldo.

Quanto mais lhe cresce o amor, mais lhe cresce o desejo. José experimenta o Calvário ao longo da vida como uma preparação para seu oferecimento final, para a Eucaristia que ele recebe como dom espiritual de um amor consumado até sua morte. José como que vislumbra a Eucaristia, vive-a dia após dia, adora-a e conforma-se a ela no que lhe é mais próprio: sua dimensão sacrificial. Desejo e oblação andam sempre juntos, unidos na vida do santo Patriarca.

O padre Tarcísio Stramare acrescenta outra pérola eucarística ao mistério de São José. Sua reflexão começa com a imagem de José vendido pelos irmãos, o qual veio a tornar-se providencialmente, em tempos de carestia em Israel, primeiro-ministro do faraó do Egito e conseguiu prover pão aos irmãos.

Quando a fome se fez sentir no Egito, o faraó ordenou aos súditos: “Ide a José, e fazei o que ele vos disser” (Gn 41,55b). A fome assolou o mundo; mas José, bom ministro, foi capaz de socorrer não só o Egito como todos os povos. O texto acrescenta: “Como a fome assolasse toda a terra, José abriu todos os celeiros e vendeu víveres aos egípcios. Mas a penúria cresceu no Egito. E de toda a terra vinha-se ao Egito comprar trigo a José, porque a fome era violenta em toda a terra” (Gn 41,56s). 

José do Egito foi figura de São José, verdadeiro ministro do Filho de Deus e dispensador do verdadeiro grão, o pão celeste — Jesus. Padre Stramare reflete sobre o gesto de “partir o pão” antes de o pôr sobre a mesa, realizado muitas vezes por José em casa e diante de Jesus. O pão partido por José era “para” Jesus, e Jesus sabia que aquele “pão partido” era Ele. Escreve o padre Stramare:

José estava ciente disso em seu coração, embora não soubesse nem quando nem como. Ele o sentira nas palavras ditas a Maria quando da apresentação de Jesus no Templo: “E uma espada traspassará a tua alma” (Lc 2,35). Temeu-o em sua fuga apressada para o Egito, a fim de evitar os morticínios de Herodes. Sofreu-o na busca angustiada por Jesus (v. 48), que permanecera no Templo, onde, aos doze anos, respondeu: “Por que me procurá­veis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” […] Que dizer dos sentimentos de adoração de São José à presença divina, já revelados em sua decisão de deixar a mulher que reconhecidamente “concebeu por virtude do Espírito Santo” (Mt 1, 18), manifestados mais tarde no nascimento de Jesus, a quem foi o primeiro a segurar nos braços, perfazendo ali o sacrifício de toda a sua vida com amor paterno? (San Giuseppe: Fatto religioso e Teologia. Ancona: Shalom, 2018, p. 512ss).

Esse pensamento, respaldado pela tese da humildade de José diante do mistério da Encarnação, é formulado também pelo santo eucarístico São Pedro Julião Eymard, que o descreve nos seguintes termos:

[José] “penetrava, por assim dizer, a veste grosseira de Jesus: sua fé penetrou o Sagrado Coração e, iluminado pela luz divina, viu antecipadamente todos os estados por que Jesus passaria, adorou-os e uniu-se à graça de tais mistérios. Adorou Jesus em sua vida oculta, adorou-o em sua Paixão e Morte, adorou-o até mesmo no santo tabernáculo. Nosso Senhor porventura esconderia algo de São José? O santo Patriarca recebeu, pois, a graça de todos os estados de Jesus, inclusive o de adorá-lo no Santíssimo Sacramento” (apud Tarcísio Stramare, op. cit., p. 514). 

O santo carpinteiro é, pois, um “ministro da Eucaristia” porque preparou Jesus para “partir o pão”, isto é, para partir a si mesmo, seu corpo dado por nós, dando-lhe o exemplo de seu sacrifício diário e ininterrupto. Entregando-se, adorou José a entrega do Filho e a ele se uniu por inteiro. Com Maria e por Maria, fizera-se um com Ele, um coração com ele. Com o coração, in desiderio, José adorava Jesus como “pão partido”, e anteviu o mistério que Ele haveria de instituir na noite em que foi entregue. José é modelo de adoração da Santa Eucaristia. O Ite ad Ioseph — “Ide a José” — tem, nesse sentido, perfeito fundamento.

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