Deixe-me introduzir este tema com uma pergunta: teria Jesus revelado a São José o desejo de instituir a Sagrada Eucaristia? Talvez durante os anos de vida oculta em Nazaré? Ou antes do início da vida pública, por exemplo, antes de José adormecer em Deus?
Não é fácil responder nem encontrar pistas nos Evangelhos. Tentemos, porém, analisar a questão com a razão aberta a argumentos teológicos de conveniência. Decerto convinha que Jesus revelasse àquele que, depois de Maria, sua mãe, lhe era mais próximo o segredo dos segredos, o amor de seu Coração, o desejo de todos os seus desejos: a Santa Eucaristia.
Dirá Jesus no Evangelho de Lucas (22,15), em frase singular e paradigmática: Desiderio desideravi hoc pascha manducare vobiscum antequam patiar. Literalmente, lembrando também a forma grega original, que segue a mesma construção, na qual o verbo “desejar” e o substantivo “desejo” se associam para reforçar um ao outro, o que temos é: “Desejei com grande desejo comer esta páscoa convosco antes de padecer”.
Podemos imaginar que tal desejo animava Jesus desde os primeiros anos e que, portanto, não haveria por que não confidenciá-lo a Maria, sua mãe, nem a José, seu pai. Deve ter sido esse “desejo eucarístico” confiado a José o que motivou o santo carpinteiro, de maneira muito especial, a fazer-se um com seu Filho e sua esposa, sobretudo em ser generoso sempre na entrega de si mesmo — entrega de desejo e de amor —, para a salvação de todos.
Se, de acordo com Santo Agostinho, o desejo é a “sede da alma”, e se, para Santo Tomás de Aquino, desiderium ex amore — o desejo procede do amor —, então amor præcedit desiderium, o amor precede o desejo. Logo, São José deve ter, quando menos, intuído pela força de seu amor a sede do Coração do Filho e, com Ele, desejou seus mesmos desejos. Mas também é conveniente supor que Jesus lhe tenha revelado a intenção de instituir o Santíssimo Sacramento, amor que precede todo desejo.
José queria tornar-se eucaristia com Jesus e Maria. Como a esposa, conformou-se a esse mistério desejando-o, mesmo antes de ele ser instituído. Sua vida era comunhão de amor e desejo — de amor que, sendo a alma do desejo, o incendeia —, comunhão espiritual que, vivida com Jesus ao longo da vida, se unia à comunhão espiritual de Maria, para se tornar assim um desejo de oblação em Jesus. Como Maria, José fez sua a dimensão sacrificial da Eucaristia. Sua vida foi uma preparação diária para o sacrifício do Calvário, ao qual não assistiu, pois já deixara tudo preparado: entregou à esposa sua própria colaboração oblativa, o preço de sua paternidade, pedindo-lhe que a levasse em seu nome ao monte da crucificação. José confiou a Maria todo o seu desejo de ser um com Jesus, nela e por meio dela, para ser hóstia com Jesus.
Há uma passagem na Encíclica de João Paulo II sobre a Eucaristia, Ecclesia de Eucharistia (n. 56), que se aplica não só a Maria, mas também a José. Ei-la:
Ao longo de toda a sua existência ao lado de Cristo, e não apenas no Calvário, Maria viveu a dimensão sacrificial da Eucaristia. Quando levou o menino Jesus ao templo de Jerusalém, “para o apresentar ao Senhor” (Lc 2,22), ouviu o velho Simeão anunciar que aquele Menino seria “sinal de contradição” e que uma “espada” havia de trespassar também a alma dela (cf. Lc 2,34s). Assim foi vaticinado o drama do Filho crucificado e de algum modo prefigurado o Stabat Mater aos pés da cruz. Preparando-se dia a dia para o Calvário, Maria vive uma espécie de “Eucaristia antecipada”, dir-se-ia uma “comunhão espiritual” de desejo e oferta, que terá o seu cumprimento na união com o Filho durante a Paixão, e manifestar-se-á depois, no período pós-pascal, na sua participação na celebração eucarística, presidida pelos Apóstolos, como “memorial” da Paixão.
Basta trocar na citação “Maria” por “José”, e o resultado é o mesmo, excetuando a participação dele na Missa celebrada pelos Apóstolos. José fez sua a dimensão sacrificial da Eucaristia por meio de Maria. No Templo, está ele ao lado da esposa, ouvindo as palavras de Simeão, tornadas espada também para o seu coração.
As palavras proféticas: “Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações. E uma espada transpassará a tua alma” (Lc 2,34s), não deixaram de lhe atravessar também a alma, encontrando-o particularmente indefeso no momento culminante — “queda e soerguimento para muitos” —, mas plenamente abandonado à vontade do Pai. Ele prepara-se dia após dia para o Calvário. Sabe que não estará presente, mas nutre o desejo de estar sempre onde estiverem seu Filho e sua esposa.
Quanto mais lhe cresce o amor, mais lhe cresce o desejo. José experimenta o Calvário ao longo da vida como uma preparação para seu oferecimento final, para a Eucaristia que ele recebe como dom espiritual de um amor consumado até sua morte. José como que vislumbra a Eucaristia, vive-a dia após dia, adora-a e conforma-se a ela no que lhe é mais próprio: sua dimensão sacrificial. Desejo e oblação andam sempre juntos, unidos na vida do santo Patriarca.
O padre Tarcísio Stramare acrescenta outra pérola eucarística ao mistério de São José. Sua reflexão começa com a imagem de José vendido pelos irmãos, o qual veio a tornar-se providencialmente, em tempos de carestia em Israel, primeiro-ministro do faraó do Egito e conseguiu prover pão aos irmãos.
Quando a fome se fez sentir no Egito, o faraó ordenou aos súditos: “Ide a José, e fazei o que ele vos disser” (Gn 41,55b). A fome assolou o mundo; mas José, bom ministro, foi capaz de socorrer não só o Egito como todos os povos. O texto acrescenta: “Como a fome assolasse toda a terra, José abriu todos os celeiros e vendeu víveres aos egípcios. Mas a penúria cresceu no Egito. E de toda a terra vinha-se ao Egito comprar trigo a José, porque a fome era violenta em toda a terra” (Gn 41,56s).
José do Egito foi figura de São José, verdadeiro ministro do Filho de Deus e dispensador do verdadeiro grão, o pão celeste — Jesus. Padre Stramare reflete sobre o gesto de “partir o pão” antes de o pôr sobre a mesa, realizado muitas vezes por José em casa e diante de Jesus. O pão partido por José era “para” Jesus, e Jesus sabia que aquele “pão partido” era Ele. Escreve o padre Stramare:
José estava ciente disso em seu coração, embora não soubesse nem quando nem como. Ele o sentira nas palavras ditas a Maria quando da apresentação de Jesus no Templo: “E uma espada traspassará a tua alma” (Lc 2,35). Temeu-o em sua fuga apressada para o Egito, a fim de evitar os morticínios de Herodes. Sofreu-o na busca angustiada por Jesus (v. 48), que permanecera no Templo, onde, aos doze anos, respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” […] Que dizer dos sentimentos de adoração de São José à presença divina, já revelados em sua decisão de deixar a mulher que reconhecidamente “concebeu por virtude do Espírito Santo” (Mt 1, 18), manifestados mais tarde no nascimento de Jesus, a quem foi o primeiro a segurar nos braços, perfazendo ali o sacrifício de toda a sua vida com amor paterno? (San Giuseppe: Fatto religioso e Teologia. Ancona: Shalom, 2018, p. 512ss).
Esse pensamento, respaldado pela tese da humildade de José diante do mistério da Encarnação, é formulado também pelo santo eucarístico São Pedro Julião Eymard, que o descreve nos seguintes termos:
[José] “penetrava, por assim dizer, a veste grosseira de Jesus: sua fé penetrou o Sagrado Coração e, iluminado pela luz divina, viu antecipadamente todos os estados por que Jesus passaria, adorou-os e uniu-se à graça de tais mistérios. Adorou Jesus em sua vida oculta, adorou-o em sua Paixão e Morte, adorou-o até mesmo no santo tabernáculo. Nosso Senhor porventura esconderia algo de São José? O santo Patriarca recebeu, pois, a graça de todos os estados de Jesus, inclusive o de adorá-lo no Santíssimo Sacramento” (apud Tarcísio Stramare, op. cit., p. 514).
O santo carpinteiro é, pois, um “ministro da Eucaristia” porque preparou Jesus para “partir o pão”, isto é, para partir a si mesmo, seu corpo dado por nós, dando-lhe o exemplo de seu sacrifício diário e ininterrupto. Entregando-se, adorou José a entrega do Filho e a ele se uniu por inteiro. Com Maria e por Maria, fizera-se um com Ele, um coração com ele. Com o coração, in desiderio, José adorava Jesus como “pão partido”, e anteviu o mistério que Ele haveria de instituir na noite em que foi entregue. José é modelo de adoração da Santa Eucaristia. O Ite ad Ioseph — “Ide a José” — tem, nesse sentido, perfeito fundamento.
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