Entre os muitos santos célebres por suas virtudes e milagres, que ornaram a Igreja Católica numa época em que um grande número de hereges se voltava contra ela, um dos mais famosos foi São Tomás de Vilanova. 

Nascido em 1488, em Castela, Tomás recebeu o sobrenome da cidade onde foi educado. Seus pais eram muito piedosos e, além de possuírem outras virtudes, distinguiam-se pela liberalidade para com os pobres. Tomás seguiu de perto os passos deles e já na infância dava tudo o que podia aos pobres. O pão que lhe davam para o café da manhã, guardava e dava aos necessitados. Mais de uma vez tirou o próprio agasalho e deu-o a algum pobre que encontrou no caminho e, quando foi repreendido por isso, disse: “Aquele a quem o dei, precisava mais dele do que eu”. Fazia o mesmo com seus sapatos e outras peças de roupa. 

Sua devoção à Santíssima Virgem era tão profunda e constante, que o chamavam filho de Maria.

“São Tomás de Vilanova dividindo suas roupas com meninos pedintes”, por Bartolomé Esteban Murillo.

Mas, apesar de sua piedade e devoção, aplicou-se com tanta seriedade aos estudos em Alcalá que, mal completara 26 anos de idade, foi nomeado professor de filosofia e teologia. Guardou a pureza e a inocência em inúmeras ocasiões perigosas, usando os mesmos recursos que protegeram outros santos em circunstâncias semelhantes. Enquanto se dedicava aos estudos, perdeu o pai, e como herança recebeu, entre outros bens, uma grande casa, transformada por ele em hospital. 

Deixou o mundo em 1518 e tomou o hábito da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, a mesma da qual fazia parte o desafortunado Martinho Lutero, na Alemanha, quando começou a atacar a religião católica. Parecia ser a intenção do Todo-Poderoso compensar a Ordem com São Tomás pela infame apostasia de Lutero, que ocorreu por volta daquela época.

Tendo praticado o jejum, a abnegação e a mortificação desde os dez anos, Tomás não teve dificuldade em cumprir todos os deveres de seu noviciado. Já naquele tempo era considerado um exemplo perfeito de todas as virtudes. Pouco depois de seus votos, foi promovido às mais elevadas funções de sua Ordem, pois tinha sabedoria e conhecimento incomuns, e administrava-os para maior proveito e satisfação de todos os seus membros. Possuía um talento especial para a pregação e fazia um bem indescritível com seus sermões. O Imperador Carlos V gostava de escutá-lo sempre que podia, e nomeou-o seu conselheiro espiritual e pregador na corte. O rei de Portugal convidou-o para visitar sua corte e, com todos os seus nobres, tratou-o com a máxima atenção. 

Certo dia, quando lhe perguntaram de onde tirava pensamentos tão profundos, uma percepção tão maravilhosa, e como aprendera uma eloquência tão penetrante, respondeu: “O crucifixo é o melhor pedagogo dos pregadores; e a oração é a melhor lição que eles podem aprender.” Depois que o santo desempenhou durante muitos anos as funções de pregador apostólico, contribuindo para a salvação de milhares de almas, o imperador o nomeou arcebispo de Granada. Mas o humilde servo de Deus fez tantas objeções que o monarca foi obrigado a abandonar a ideia. Todavia, quando ficou vacante a sé de Valência, o santo homem não pôde mais recusar obedecer aos seus superiores; e o desejo do imperador, mais a vontade unânime do clero e do povo, obrigou-o a aceitar a dignidade episcopal.

O espaço de que dispomos é muito limitado para relatar, ainda que parcialmente, os trabalhos realizados por São Tomás como arcebispo para a honra da Igreja e o bem-estar de seu rebanho. Todas as virtudes que só podem ser exigidas de um tão grande líder eclesiástico estavam reunidas nele com a máxima perfeição. Primeiro, visitou toda a diocese e, em seguida, ordenou aos homens dotados de virtude e sabedoria que fizessem o mesmo. Pela pregação e exortação, esforçou-se por erradicar o vício, implantar a virtude e abolir os abusos. Sua vida santa e irrepreensível conferia máxima força às suas palavras. Por isso, coroaram seus esforços uma ampla reforma moral e numerosas conversões dos mais obstinados pecadores.

São Tomás de Vilanova, retratado por Francisco Camilo.

Ele não vivia melhor do que o irmão mais simples de sua Ordem, nem usava outras roupas, pois costumava dizer: “O que deve distinguir um bispo não é sua casa, suas vestes, seus funcionários ou sua mesa cara, mas, sim, as virtudes e as boas obras.” Em sua mesa, só usava louça de barro, e observava não só todos os jejuns ordenados pela Igreja, mas também os de sua Ordem. Sua cama era um colchão de palha ou alguns ramos de videira revestidos com um cobertor de lã. Não realizava nenhuma atividade recreativa e esforçava-se constantemente por mortificar o corpo. Mas, embora fosse severo consigo mesmo, era caridoso e generoso com os outros, especialmente com os pobres. 

Declarava com frequência que se alegrava por ser bispo, só porque, ao contrário do que acontecia no claustro, isso lhe dava mais oportunidades de trabalhar pela salvação das almas e fazer o bem aos pobres. Quando iniciou suas funções episcopais, os cônegos notaram sua pobreza e ofereceram-lhe quatro mil ducados. O santo recebeu-os com gratidão, mas enviou diretamente toda a quantia para os hospitais e casas de pobres, dizendo: “Como a pobreza que jurei manter está de acordo com a dignidade de arcebispo, pretendo viver em conformidade com meu voto.” Conservou esta santa resolução até a sua morte, e manteve também sua caridade para com os pobres. 

Raramente passava um dia em que não desse comida e dinheiro a quatrocentos ou quinhentos pobres, além da caridade que fazia aos pobres acanhados, aos presos e aos órfãos. Preocupava-se diligentemente com os mais necessitados e enviava a eles, sem nada perguntar, o que julgava necessário. Tratava com a mesma caridade os pobres artesãos, os diaristas e as virgens desfavorecidas. Com o dote que lhes dava, permitia a estas últimas entrar num convento ou casar-se. 

Poucos santos tiveram a virtude da caridade em grau tão eminente quanto ele, e Deus recompensou-a generosamente, pois é notório o fato de que o grão nos celeiros, o dinheiro em sua bolsa, a farinha e outros artigos destinados aos pobres eram milagrosamente multiplicados. Apesar destas e de muitas outras virtudes, constantemente praticadas pelo santo bispo, ele temia não estar fazendo o suficiente e não ser capaz de justificar-se diante de Deus. Por isso, rogava ao Todo-Poderoso que tirasse de sua Igreja um superior tão indigno. Finalmente, Deus ouviu sua oração, não para privar a Igreja de um superior indigno, mas para recompensar um servo fiel e incansável.

Certo dia, enquanto rezava diante de um crucifixo, com o coração cheio de um intenso desejo de ver a Deus, São Tomás ouviu estas palavras saírem da boca da imagem: “Consola-te, Tomás; receberás a recompensa dos teus trabalhos no dia da natividade de minha querida Mãe.” A partir daquele momento, o espírito do santo foi tomado de santa alegria. Mostrou-se mais zeloso do que nunca nas funções de seu elevado cargo e no exercício de outras boas obras, especialmente as de caridade. No dia 29 de agosto, adoeceu e seu primeiro gesto foi receber os santos sacramentos. Depois de fazer uma confissão geral, levaram-lhe em procissão a Santíssima Eucaristia, e ele a recebeu com tanta devoção que os olhos de todos os que o contemplavam se encheram de lágrimas. 

“São Tomás de Vilanova, o Esmoler de Deus”, por David Conejo.

Em seguida, admoestou-os a amar e temer a Deus e a ser caridosos com os pobres. Três dias antes de morrer, distribuiu aos pobres da cidade tudo o que restava dos seus rendimentos. Quando, na véspera de sua morte, soube que ainda dispunha de uma pequena soma de dinheiro, disse aos que o rodeavam: “Rogo-vos, em nome de Jesus Cristo, que a entregueis sem demora aos pobres: pois nada podeis fazer que me dê tanto prazer.” O mesmo foi feito com os poucos móveis de sua residência.

Quando lhe foi anunciado, no dia seguinte, que sua ordem havia sido cumprida, voltou-se para o crucifixo e disse: “Agradeço-vos, ó meu Salvador, a graça que me concedestes de me deixar morrer na pobreza. Vós me destes a administração dos vossos bens, e eu os distribuí segundo a vossa santa vontade.” Pouco depois, lembrou-se de que a cama em que estava deitado era a sua e que ainda não era completamente pobre. Chamando imediatamente um dos que estavam no quarto para junto de si, disse-lhe: “Meu amigo, dou-te esta cama, mas, por amor a Deus, peço-a emprestada até que eu morra.”

Ninguém ficou indiferente a este exemplo de completa renúncia a tudo o que é temporal. Apenas São Tomás estava alegre, e pediu que lessem pausadamente a Paixão de Cristo, durante a qual manteve os olhos fixos no crucifixo, enquanto seus ardentes suspiros mostravam sua ânsia de unir-se ao Senhor. Depois disso, pediu que se celebrasse a Missa em seu quarto, à qual assistiu com grande devoção. As lágrimas brotaram dos olhos do santo bispo quando o sacerdote, após a consagração, elevou a Sagrada Hóstia. Na elevação do cálice, começou a repetir lentamente o Salmo 30 (In te, Dómine, sperávi), fazendo uma pausa depois de cada versículo, e enquanto o sacerdote comungava, disse suas últimas palavras: In manus tuas comméndo spíritum meum.

Depois fechou os olhos e a alma deste grande e santo bispo partiu para o Todo-Poderoso, quando estava com 68 anos de vida, no ano 1555 de Nosso Senhor, por ocasião da Natividade da Santíssima Virgem. Antes e depois de sua morte, Deus honrou-o com muitos e grandes milagres operados por sua intercessão.  

Considerações práticas

I. Toda a vida de São Tomás foi uma prática contínua de caridade para com os pobres e doentes. Por causa disso, consumia quase todos os seus rendimentos. 

Quanto você gasta por semana, por mês ou por ano em obras de caridade cristã? Será que não gasta muito mais em vaidades, em excessos na comida e na bebida, na criação de animais inúteis ou em vários prazeres proibidos? Isto lhe consolará na última hora? Agindo assim, você poderá se justificar perante Deus? Diz São Basílio: “Que responderás ao teu Juiz, se cobriste as paredes de tua casa, mas deixaste o pobre andar nu e despido? Se adornaste ricamente teus cavalos, mas desprezaste teu irmão por causa de suas vestes rasgadas? Se deixaste o milho apodrecer, mas não alimentaste o faminto? Não abriste tua casa aos pobres. Por isso, as portas do Céu permanecerão fechadas para ti.” 

Considere o que você pode fazer pelos pobres, de acordo com suas circunstâncias. Siga a admoestação que Tobias deu ao seu filho: “Sê misericordioso segundo as tuas posses. Se tiveres muito, dá com abundância; se tiveres pouco, dá desse pouco de bom coração” (Tb 4, 8-9).

“A caridade de São Tomás de Vilanova”, por Bartolomé Esteban Murillo.

II. São Tomás levava uma vida santa, mas temia não poder justificar-se perante Deus. A fé ensina que você terá de prestar contas de todos os seus pensamentos, palavras, ações e omissões a um Juiz onisciente, justo e todo-poderoso. 

Essa prestação de contas será muito mais difícil para você do que para milhares de outros, porque recebeu mais benefícios de Deus do que milhares de outras pessoas. “A quem muito é dado, muito será cobrado”, diz uma sentença pronunciada pelo Altíssimo. “Com o aumento dos dons ou benefícios de Deus, também aumenta a conta que teremos de prestar deles”, diz São Gregório. Os habitantes de Sodoma e Gomorra não têm, segundo as palavras de Cristo, de prestar contas tão pesadas no dia do juízo, como os de Corazim e Betsaida, porque estes receberam mais graças do que aqueles (cf. Mt 11, 21). Por isso, os judeus e os pagãos têm menos contas a prestar do que os cristãos. 

E, pelo mesmo motivo, você tem mais contas a prestar do que milhares de outros cristãos. É possível, então, que não tema essa responsabilidade, essa prestação de contas? Os santos temeram, mas você não, apesar de levar uma vida indiferente, até mesmo pecaminosa! Será isso possível? E de onde vem o fato de não temer? Talvez porque não pense nisso com seriedade, ou porque imagine que o momento de prestar contas ainda está muito distante. No primeiro caso, você se engana, pois deveria pensar nisso com frequência, já que muita coisa disto depende. No segundo caso, não é menor o seu equívoco, pois você não sabe se está próxima ou distante a sua morte e, portanto, ignora a conta que terá de prestar. 

“Eis que o juiz está à porta”, diz São Tiago (Tg 5, 9). Se Ele ainda demorar muito, porém, mesmo assim você deve pensar nisso e preparar-se para a vinda dele. Deve regular sua vida de tal maneira que possa justificar-se perante Deus. Como deve comportar-se? Escute as palavras de São João Crisóstomo: “Mantenhamos o julgamento de Deus sempre perante os nossos olhos, e certamente nos esforçaremos por ser piedosos de fato. Pois assim como cai nos vícios quem dele se esquece, anda sempre no caminho da virtude quem o traz sempre na mente.

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 353ss.

Notas

  1. No original, o Pe. Weninger se confunde, dizendo que São Tomás entregou a alma a Deus depois de dizer “as últimas palavras do salmo: ‘A ti recorro, ó Senhor: não permitas que eu seja confundido para sempre’”. Na verdade, estas não são as últimas palavras do salmo em questão; e, segundo outras fontes, o santo expirou depois de dizer o versículo 6: “Nas tuas mãos encomendo o meu espírito: vós me libertareis, ó Senhor, Deus fiel”. (N.T.)

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