23 de janeiro é o dia tradicional da festa dos Esponsais da Virgem Maria com São José. Embora nunca tenha feito parte do calendário geral, esta era mantida por muitas Ordens religiosas, especialmente aquelas com uma devoção particular à Virgem Maria, e em muitos calendários locais. (Os padres que a quiserem celebrar podem clicar neste link, onde terão acesso ao formulário litúrgico desta memória devocional.)

Em 10 de janeiro de 2015, Sua Eminência, o Cardeal Raymond Burke, celebrou uma Missa votiva dos Esponsais da Virgem na Basílica de São Nicolau no Cárcere (San Nicola in Carcere), em Roma, como parte de uma conferência da Confraternity of Catholic Clergy; esta Missa foi escolhida porque o matrimônio e a família, e questões relacionadas a eles, foram o tema da conferência. Sua Eminência gentilmente permitiu que o site New Liturgical Movement compartilhasse o texto completo de seu sermão — e nós o traduzimos a seguir. (As leituras bíblicas desta Missa foram Provérbios 8, 22-35 e Mateus 1, 18-21.)


Cardeal Burke, durante Missa votiva dos Esponsais da Virgem, 2015.

Celebrando a Missa votiva do matrimônio da Bem-aventurada Virgem Maria com São José, contemplamos de novo o grande mistério do amor incomensurável e incessante de Deus por nós. No breve relato do Evangelho de São Mateus, vemos como Deus providenciou que seu Filho unigênito se encarnasse no seio imaculado da Virgem Maria e, ao mesmo tempo, por sua Encarnação, passasse a fazer parte da família de José e Maria. Em outras palavras, embora São José e a Bem-aventurada Virgem tivessem se casado antes da concepção virginal de Deus Filho no ventre dela, eles o fizeram com todo o respeito à consagração da virgindade de Maria a Deus desde a sua juventude, [com todo o respeito] à oferta de sua virgindade, consagrada a Deus. Ou seja, São José casou-se com Maria com o intuito de honrar, ao longo do casamento, a virgindade consagrada dela.

Pelo texto do Evangelho segundo São Mateus fica claro que Maria já era casada com São José na época da Anunciação, mas que São José ainda não a tinha acolhido em sua casa. Por isso, ao saber de sua gravidez, São José, por uma questão de decência, pensou em se divorciar dela da maneira mais discreta possível. Para ficar claro, a palavra “prometida” não pode ser entendida como “noiva”, mas sim como “desposada” ou “casada”, como o restante das palavras do texto deixa claro.

Aqui é importante recordar o rito do casamento judaico, que a Virgem Maria e São José, como judeus devotos, observaram atentamente. O rito consistia em duas fases: uma primeira fase, pela qual o contrato de casamento era selado, tornando as partes verdadeiramente marido e mulher; e uma segunda fase, pela qual o casamento era consumado com a chegada da esposa à casa de seu marido. Em sua Exortação Apostólica Redemptoris Custos, o Papa São João Paulo II descreveu a observância da prática do casamento judaico pela Virgem Maria e São José com as seguintes palavras:

Segundo o costume do povo hebraico, o matrimônio constava de duas fases: primeiro, era celebrado o matrimônio legal (verdadeiro matrimônio); e depois, só passado um certo período, é que o esposo introduzia a esposa na própria casa. Antes de viver junto com Maria, portanto, José já era o seu “esposo” (n. 18).

Maria é, de fato, a esposa de São José e, portanto, o divino Menino, concebido em seu ventre pela sombra do Espírito Santo, é membro da família de José e Maria, e goza da maternidade divina da Virgem Maria e da paternidade adotiva, ou da guarda, de São José.

O Padre René Laurentin, referindo-se à decisão de Maria desde a juventude de “não pertencer a nenhum homem, mas somente a Deus”, descreve assim o seu estado civil à época da Anunciação:

As Bíblias erroneamente traduzem como “noiva”, mas Maria está realmente casada com José, de acordo com as duas fases do casamento hebraico: o consentimento (qidushin) antes da Anunciação, e a segunda fase, a introdução da esposa na casa do marido (nissuin), conforme o acordo com José de um casamento virginal (não consumado) (Marie, source directe de l'Évangile de l'Enfance).

O Padre Laurentin passa a explicar como Maria, em razão de sua condição de esposa em um casamento virginal, acreditava ter renunciado à possibilidade da maternidade do Messias. Assim, na Anunciação, ela perguntou ao Arcanjo Gabriel: “Como se fará isso, se eu não conheço homem?” (Lc 1, 34). O Arcanjo deixou claro que foi precisamente a sua virgindade que a preparou para ser a Mãe de Deus. O Padre Laurentin, referindo-se ao seu voto de virgindade, escreve: “Mas este voto trouxe, pelo contrário, o único meio de alcançar este privilégio único. Tais são os paradoxos do Altíssimo. Ela recebe, então, a resposta que tudo torna novo e esclarece” (ibid.).

A Igreja, de fato, sempre viu no texto sobre a sabedoria eterna de Deus, do livro dos Provérbios, uma imagem da Virgem Maria, que Deus escolheu, desde o início, para ser a Mãe do Redentor: “O Senhor me criou, como primícia de suas obras, desde o princípio, antes do começo da terra” (Pr 8, 22). O texto inspirado nos leva a uma reflexão mais profunda sobre o matrimônio de Maria com José e sua maternidade divina no grande mistério da fé, o mistério da nossa salvação eterna. Pesquisando seu significado mais profundo, entendemos a verdade dos versículos finais: “Pois quem me acha encontra a vida e alcança o favor do Senhor. Mas quem me ofende, prejudica-se a si mesmo; quem me odeia, ama a morte” (Pr 8, 35-36).

Contemplando o matrimônio da Bem-aventurada Virgem Maria com São José, nós vemos como, logo no início da obra da salvação, Deus Pai cuidou para que a concepção de seu Filho unigênito em nossa carne humana fosse virginal, como de fato devia ser, mas, ao mesmo tempo, completamente legítima, a fim de manifestar plenamente a verdade, a beleza e a bondade de Deus. Deus Filho é concebido virginalmente no ventre de Maria, esposa de São José. O Evangelho segundo São Mateus é marcado, em particular, pela atenção à natureza jurídica da nossa fé e da sua prática, apresentando Cristo como o novo Moisés, o novo Legislador, mais eminentemente no Sermão da Montanha. É inconcebível que Deus Filho, em sua Encarnação, não respeitasse totalmente e, na verdade, não levasse à perfeição, tanto a virgindade da Virgem Maria quanto a santidade de seu casamento com São José.

A compreensão exata do estado civil de São José e da Bem-aventurada Virgem Maria é importante para que, de nossa parte, haja um conhecimento e um amor mais completos do mistério da fé, mas também é importante para evitar uma confusão e um erro que são comuns hoje. A grave situação é referida na edição revisada do livro The Father John A. Hardon S.J. Basic Catholic Catechism Course. Será útil citar uma parte de seu desenvolvimento sobre o assunto:

O fato de que Jesus foi concebido virginalmente e nasceu depois do casamento de Maria e José significa que Jesus foi concebido e nasceu dentro do casamento. É o contrário do que muitos, mesmo sacerdotes, dizem na atualidade, a saber, que Jesus nasceu fora do casamento, como os filhos de tantas mulheres solteiras hoje, e que esta não é uma situação “anormal”. Uma mãe grávida e solteira estaria, segundo essas pessoas, nas mesmas condições de Maria, que, elas alegam, também estava solteira na época em que concebeu Jesus. Isto é falso; é, de fato, uma falsidade muito séria, pois mina a santidade do casamento e a razão dessa santidade. Os defensores dessa posição dizem que Jesus foi concebido depois de Maria e José ficarem noivos, não estando eles ainda casados (The Father John A. Hardon S.J. Basic Catholic Catechism Course, Manual, Revised Edition, ed. Raymond Leo Cardinal Burke).

A posição errônea descrita acima é sustentada não apenas por quem deliberadamente discorda do ensino perene da Igreja, mas também por muitas pessoas simplesmente mal catequizadas e, por isso, vítimas de tais ensinamentos falsos.

A clareza em relação ao casamento da Bem-aventurada Virgem Maria com São José torna-se ainda mais importante para as discussões sobre o casamento empreendidas atualmente pelo Sínodo dos Bispos [1]. Ao mesmo tempo que o Sínodo dos Bispos é chamado a exaltar a beleza do matrimônio, como Deus o estabeleceu desde o princípio, há uma forte tentativa de introduzir discussões sobre os chamados “elementos positivos” na coabitação de um homem e de uma mulher, como marido e mulher, sem respeito pelo santo sacramento do Matrimônio. Vemos no casamento de Maria e José, de maneira notável, a beleza do casamento, estabelecido por Deus na Criação e restaurado à sua perfeição original por Deus Filho encarnado na Redenção. Contemplando o casamento de Maria e José, entendemos de forma mais completa e sincera as palavras do próprio Cristo, quando os fariseus o testaram sobre a verdade da indissolubilidade do casamento: “Não lestes que o Criador, no começo, fez o homem e a mulher e disse: ‘Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e os dois formarão uma só carne’? Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu” (Mt 19, 4-6).

O ensino de Cristo sobre o santo Matrimônio brilha com particular esplendor no casamento de sua Mãe, Maria, e seu pai adotivo, José.

Estamos prestes a testemunhar a grande vitória da Cruz, a grande obra de Deus Filho que assumiu a nossa natureza humana no seio imaculado da Virgem Maria. Cristo agora oferece sacramentalmente o sacrifício do Calvário. Ele nos dá o fruto incomparável do seu sacrifício: seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Ele nos dá o remédio e alimento celestiais pelos quais vencemos o pecado em nossas vidas e vivemos em verdadeira liberdade, por amor a Deus e ao próximo. Que a nossa contemplação do mistério da fé no casamento da Bem-aventurada Virgem Maria com São José nos inspire a ensinar, a celebrar e a viver a verdade sobre o santo Matrimônio, como Deus o estabeleceu desde o início e o redimiu por sua Paixão, Morte e Ressurreição redentoras. Busquemos sempre no mistério eucarístico a graça de ensinar, de celebrar e de viver [a verdade do Matrimônio].


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