Nesta última reflexão da série “Paixão de Cristo”, vamos meditar sobre os sacramentos como instrumentos de salvação que Cristo nos deixou na Cruz. Tal reflexão é fundamental para termos clareza sobre a nossa identidade de católicos, principalmente na sociedade atual que, sob a égide do indiferentismo religioso e do relativismo moral, dissolve as verdades de fé, a fim de que se tornem mais palatáveis e menos inconvenientes ao homem moderno.
Embora haja uma constante tentativa de negar o caráter redentor da Paixão de Cristo e a eficácia salvífica dos sacramentos, não há retórica ou figura de linguagem que consiga amenizar as palavras do próprio Cristo Ressuscitado: “Quem crer e for batizado será salvo, quem não crer será condenado” (Mc 16, 16). Tal afirmação de Nosso Senhor, que aos olhos do mundo moderno merece a pecha de “intolerante” e “radical”, deriva do fato de que, na Cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo conquistou a nossa redenção e, ao mesmo tempo, deixou-nos os meios de alcançá-la, os sacramentos.
Inicialmente, convém refletirmos sobre como essa redenção nos foi conquistada. Com sua morte na Cruz, Jesus restaurou para nós o caminho de acesso a Deus. Tal mistério salvífico é representado de forma simbólica por dois acontecimentos: o Coração de Cristo transpassado no Calvário e o véu que se rasgou no templo de Jerusalém.
Assim que Nosso Senhor morreu, os Evangelistas nos dizem que o véu do templo se rasgou. Para compreender o significado desse acontecimento, precisamos entender que o templo de Jerusalém estava dividido em partes, cada uma com suas respectivas restrições de acesso: o pátio em frente ao templo era destinado ao povo; a parte interna do templo, chamada de “santo” por sua sacralidade, era destinada somente aos sacerdotes; mas havia uma parte interna mais sagrada ainda, o “santo dos santos”, ao qual tinha acesso somente o sumo sacerdote uma vez por ano.
Para expressar o grau máximo de sua sacralidade, o santo dos santos era separado do restante do templo por um véu, uma espécie de cortina. E foi justamente esse véu que se rasgou, de cima a baixo, no momento da morte de Jesus na Cruz, quando o soldado transpassou com uma lança o seu sacratíssimo Coração. Com esse gesto, Deus estava nos mostrando que aquele templo já não era mais sagrado, porque havia entre nós um novo templo, o corpo de Cristo, como Ele próprio anunciara ao falar sobre sua Ressurreição: “Destruí vós este templo, e eu o reerguerei em três dias” (Jo 2, 19).
Enquanto no templo antigo só entravam os sacerdotes, no novo todos podem ingressar. Esse novo templo tem como véu o Coração transpassado de Cristo, por meio do qual temos acesso a Deus. Por isso, a Igreja tanto incentiva a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, forma real e concreta pela qual Deus expressou o seu amor por nós.
Em termos simbólicos, o Coração de Jesus constitui uma eloquente metáfora da Encarnação, por meio da qual Deus se fez homem a fim de que o amor divino se realizasse num coração humano. E é por meio dessa união que nós somos salvos. Por isso, precisamos recorrer a Jesus que, do seu peito aberto, nos concede os sacramentos para a união mística com Deus. Essa realidade é perceptível quando observamos que do seu Coração jorraram sangue, que remete ao maior dos sacramentos, a Eucaristia; e água, que representa o primeiro deles, o Batismo.
Dada a verdade sobre os sacramentos, negar sua eficácia e necessidade constitui uma atitude tão insensata quanto presunçosa. No entanto, lamentavelmente, esse é o caminho que muitos trilharam a partir da revolução protestante, que, ao negar a existência de sacerdotes ordenados, rejeitou praticamente todo o sistema sacramental da Igreja [1]. Fazendo isso, os protestantes desprezaram a torrente de graças que Jesus derramou sobre nós no Calvário. Mesmo que, na Cruz, Nosso Senhor já tenha conquistado a salvação para nós, precisamos aplicá-la em nossas vidas, por meio dos sacramentos.
Que este tempo de privação dos sacramentos seja, portanto, uma oportunidade para valorizarmos ainda mais esses instrumentos com os quais Deus quer nos salvar. Aproximemo-nos do Coração de Jesus e aproveitemos as graças sacramentais que dele jorraram. Também não esqueçamos de oferecer orações e sacrifícios por aqueles que se afastaram de Deus, a fim de que se convertam e, assim que tudo isso passar, redescubram na vida sacramental, sobretudo na Eucaristia e na Confissão, um caminho de santificação.
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