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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 8,18-22)

Naquele tempo, vendo uma multidão ao seu redor, Jesus mandou passar para a outra margem do lago. Então um mestre da Lei aproximou-se e disse: “Mestre, eu te seguirei aonde quer que tu vás”. Jesus lhe respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. Um outro dos discípulos disse a Jesus: “Senhor, permite-me que primeiro eu vá sepultar meu pai”. Mas Jesus lhe respondeu: “Segue-me, e deixa que os mortos sepultem os seus mortos”.

Celebramos hoje com especiais louvores a memória de São Cirilo, patriarca de Alexandria, “honra da Igreja oriental e defensor preclaríssimo da Virgem Mãe de Deus” (Pio XII, Encíclica “Orientalis Ecclesiæ”, n. 1). Por ocasião dessa memória litúrgica e da situação atual da Igreja, vale a pena passar em revista as páginas que D. Prosper Guéranger, em seu conhecido O Ano Litúrgico [1], dedicou à vida de São Cirilo e, de modo particular, à atuação dos leigos na controvérsia nestoriana. Elevado ao patriarcado de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, Nestório proferiu, durante a homilia de Natal do ano 428, a seguinte heresia: “Maria não deu à luz a Deus; seu filho, Jesus, não era mais do que um homem, instrumento da divindade”.

Ao ouvir essa impiedade, abertamente contrária à fé católica, a multidão que abarrotava a catedral estremeceu de horror e, do meio do povo, levantou-se em protesto a voz de Eusébio, um simples leigo, condenando sem medo o erro do pastor. A indignação e o heróico atrevimento de Eusébio encontraram eco em muitos outros fiéis, que se manifestaram exigindo que se declarasse anátema quem quer que ousasse dizer, afastando-se da fé apostólica e ortodoxa, que “um é o Filho único do Pai e outro, distinto, o filho de Maria”. As blasfêmias de Nestório seriam confutadas vigorosamente por Cirilo, que em nome do romano Pontífice presidiu ao Concílio de Éfeso (431), no qual seria definida e conservada em sua integridade a fé da Igreja na unidade de Cristo e na maternidade divina da toda pura Mãe de Deus.

Quanto à atitude de Eusébio e dos demais leigos de Constantinopla, que não recearam opor-se aos erros de Nestório contra a ortodoxia, escreve Dom Prosper Guéranger: “Quando o pastor se transforma em lobo, cabe ao rebanho se defender. Não há dúvida de que, via de regra, a doutrina desce dos bispos para o povo fiel  e de que os súditos não devem julgar seus chefes em sua fé”. No entanto, continua Dom Prosper, “há no tesouro da Revelação certos pontos essenciais dos quais todo cristão, pelo só fato de ostentar tal título, tem o conhecimento necessário e a obrigação de conservar inviolados”. Não se trata, portanto, de questões de detalhe, próprias de especialistas ou acadêmicos, mas de verdades básicas e nucleares — como as tratadas na controvérsia suscitada por Nestório — que todo cristão tem de conhecer e defender, sob o risco de deixar a perder em sua alma e na dos outros a integridade e a pureza da fé católica.

Isso não significa, é claro, que os leigos tenham o direito de se insurgir contra os legítimos pastores, numa espécie de “desobediência eclesial”, mas que a todo cristão, seja leigo ou não, compete o dever de, por fidelidade à Igreja da qual é membro, defender pública e privadamente as verdades reveladas das quais nenhum batizado pode alegar ignorância. Que São Cirilo de Alexandria, cuja memória não deixa de fecundar o Corpo místico de Cristo, interceda por nós e nos alcance a graça de, perseverando constantes até a morte na sã doutrina, termos a coragem de defender sempre, com palavras e modos oportunos, o patrimônio da nossa fé e os princípios inegociáveis da moral cristã, tão desprezados nos tempos em que vivemos.

Referências

Cf. P. Guéranger, El Año Litúrgico. Trad. esp. dos monges do mosteiro de São Domingo de Silos. Burgos: Aldecoa, 1956, vol. 2, p. 744s.

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