Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 11, 16-19)
Naquele tempo, disse Jesus às multidões: “Com quem vou comparar esta geração? São como crianças sentadas nas praças, que gritam para os colegas, dizendo: ‘Tocamos flauta e vós não dançastes. Entoamos lamentações e vós não batestes no peito!’ Veio João, que não come nem bebe, e dizem: ‘Ele está com um demônio’. Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: ‘É um comilão e beberrão, amigo de cobradores de impostos e de pecadores’. Mas a sabedoria foi reconhecida com base em suas obras”.
1. O tempo da Lei. — No Evangelho de hoje, vemo-nos diante de um conflito entre a figura de Jesus e a de S. João Batista. Batista é a figura austera e penitente do Antigo Testamento; Jesus apresenta-se mais doce, manso e humilde. Esse contraste parece, no fundo, inconciliável. Afinal, o que temos é um Deus severo, que quer penitência e de cujos castigos nos devemos precaver, ou um Deus de misericórdia, que, no fim das contas, irá perdoar a todos e levar-nos para o céu? A resposta é que temos os dois, que são um só. Por quê? Porque os atributos divinos não se contradizem. A bondade e o amor divinos que se manifestam em João Batista são os que se manifestam no Antigo Testamento, quando Deus ainda preparava o seu povo para a vinda de Cristo e da misericórdia. Por isso, era preciso passar antes pelo tempo da Lei. Há quem queira seguir o Evangelho sem compreender que, antes disso, é preciso interiorizar a lei, isto é, a lei natural, os Dez Mandamentos do Antigo Testamento. Sim, devemos amar a Deus, mas para isso precisamos, primeiro, respeitá-lo. Acaso é possível amar a quem não se respeita? Podemos até gostar, por exemplo, dos carinhos, dos afagos, da amabilidade de nossa mãe, mas se a todo momento a tratamos de forma rude, com grosserias, é porque não a amamos de verdade. É necessário entender que, para entrar no Novo, há que passar pelo Antigo Testamento, e isso significa observar os mandamentos da lei de Deus.
2. O tempo do amor. — João Batista é esse precursor, o πρόδρομος, que veio preparar o caminho, razão por que é ao mesmo tempo o último dos profetas do Antigo e o primeiro do Novo Testamento; é aquele que apontou para o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1, 29). Ao vir a este mundo, Jesus vê que nós, frágeis que somos, apesar da nossa boa vontade em seguir as leis de Deus, precisamos contudo de misericórdia. Precisamos, sim, de um Deus compassivo e bondoso, pronto para nos reerguer, se cairmos. Não porque se deva fazer da queda um “projeto de vida”. Não achemos que ser cristão é comprometer-se a cair. Não! O que Jesus quer é o nosso amor, um amor firme, e Deus nos oferece sua misericórdia para fazer de nós pessoas melhores, e não para nos acomodar ao pecado. Ouvimos falar às vezes de certas pessoas que, embora discursem muito sobre a misericórdia, levam no entanto vidas terríveis, vidas piores, por fazerem da misericórdia uma muleta, uma “desculpa para ser ruim”, para ser egoísta. É evidente que não é isso que Deus quer. Não há contradição entre o Antigo e o Novo Testamento, porque não pode havê-la entre o respeito às leis de Deus e amor ao Deus que perdoa e deseja fazer de nós grandes santos. Nesse tempo de Advento, o Senhor vem-nos visitar com a graça de que precisamos para cumprir seus mandamentos e, depois, realizá-los em perfeição pelo mandamento do amor. Generosidade! Aí a lei já não é mais “necessária”: Ama et fac quod vis — tudo é possível ao que realmente ama, desde que esteja realmente amando.
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