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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 16,5-11)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Agora, parto para aquele que me enviou, e nenhum de vós me pergunta: ‘Para onde vais?’ Mas, porque vos disse isto, a tristeza encheu os vossos corações. No entanto, eu vos digo a verdade: É bom para vós que eu parta; se eu não for, não virá até vós o Defensor; mas, se eu me for, eu vo-lo mandarei. E quando vier, ele demonstrará ao mundo em que consistem o pecado, a justiça e o julgamento: o pecado, porque não acreditaram em mim; a justiça, porque vou para o Pai, de modo que não mais me vereis; e o julgamento, porque o chefe deste mundo já está condenado”.

No Evangelho de hoje, Jesus começa a anunciar a vinda do Paráclito e convence os discípulos de uma verdade difícil de engolir: “Convém a vós”, ou seja, é oportuno para vós “que eu me vá”. É um grande discurso de despedida. Os discípulos estão entristecidos e acabrunhados pela ausência de Jesus. No entanto, “convém que eu me vá, para que venha o Paráclito”.

Por quê? Porque, com a vinda do Espírito Santo Paráclito, inaugura-se uma nova forma de presença de Jesus entre nós, uma presença mais íntima e mais constante. Jesus ressuscitado fisicamente se encontra agora no Céu e, é claro, sacramentalmente nos sacrários da terra; mas nós podemos a todo momento recorrer a Ele. Jesus é verdadeiramente uma presença no dia a dia, mas não é uma presença física. Trata-se de uma presença virtual, mas não se deixe enganar pela palavra. Virtus, em latim (de onde vem ‘virtual’), não tem a ver com computador, mas com força.

Presença virtual quer dizer que nós temos o toque da graça do ressuscitado, porque é Ele quem nos envia o Espírito Santo. O Espírito Santo é derramado em Jesus ressuscitado. Lá no Céu, há desde toda a eternidade o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Acontece que o Filho veio ao mundo e se fez homem. Ora, essa humanidade, corpo e alma, é a humanidade de Cristo, o Ungido, um ser humano tão unido à divina Pessoa do Filho, que recebe todo o agrado e todo o amor do Pai. E o nome do Amor do Pai é Espírito Santo.

É por isso que no Batismo de Jesus os céus se abrem e a voz celeste do Pai diz: “Eis o meu Filho muito amado, no qual coloquei todo o meu agrado”, ou seja, toda a minha complacência, e o Espírito Santo a pairar em forma de pomba atesta isso. Então, o amor do Pai é derramado no Filho encarnado, Jesus. Acontece que o Amor do Pai, o Espírito Santo, com a subida de Cristo aos céus, pode transbordar da Cabeça para os membros da Igreja. É a imagem do óleo derramado sobre a cabeça, mas um óleo tão abundante, que escorre pelo corpo e toma conta dele por inteiro.

Portanto, o Amor do Pai derramado sobre Jesus ressuscitado transborda agora sobre nós. Por isso “convém”, é oportuno “para vós que eu me vá”, porque a presença de Jesus se dá agora pelo fato de nós recebermos o Espírito dele. Nós recebemos este óleo que antes tocou a Cabeça, Jesus Cristo, e pode agora tocar a nós também. Para isso, é necessário que nos afastemos do pecado denunciado por Jesus no Evangelho: o pecado de não crer nele.

Ele sobe para o Pai. Nós não o vemos, mas ali já se dá a justiça, ou seja, a santidade. A humanidade de Cristo é totalmente glorificada, e a santidade ou justiça se derrama sobre nós. É por isso que Satanás está julgado. Nós, que antes éramos escravos do demônio, fomos libertos porque, tendo recebido o Espírito de Deus, não temos mais espírito de escravo nem o espírito que antes nos escravizava, Satanás; agora temos o espírito de filhos livres, a ponto de clamarmos com o Espírito Santo: “Abá, Pai”.

* * *

COMENTÁRIO EXEGÉTICO

A ida do Mestre será boa para os discípulos (vv. 5–15). — V. 5s. No versículo precedente apareceu o conceito de ausência; daqui se passa naturalmente à iminência da partida, da qual se falou já muitas vezes no sermão (cf. Jo 13,33; 14,2-5.12): Agora, parto para aquele que me enviou, e nenhum de vós me pergunta: Para onde vais? Na verdade, tinham-lho perguntado Pedro (cf. Jo 13,36) e Tomé (cf. Jo 14,5); mas Jesus queixa-se em tom amigável de que os Apóstolos, demasiado abatidos e como que ensimesmados, não insistissem em perguntar, até entenderem perfeitamente para onde ia o Mestre, com que fim, em proveito de quem, com que glória etc. [2]. — Mas… a tristeza encheu os vossos corações: pensando não haver nada melhor do que minha presença física, não entendeis que é à minha glória (cf. Jo 14,28) e à vossa utilidade (cf., infra, v. 7) que se ordena minha partida.

V. 7. No entanto… é bom para vós que eu parta; se eu não for, não virá até vós o Defensor (cf. Jo 14,26; 15,26); mas, se eu me for, eu vo-lo mandarei, i.e. tal é o decreto da Santíssima Trindade: que primeiro o Filho, e, depois de sua morte e ascensão, o Espírito Santo seja enviado para a salvação e a santificação dos homens (cf. Jo 7,39). Subentende-se que a ação do Espírito Santo será para os discípulos e para toda a Igreja mais proveitosa do que a presença do Mestre (por ser mais universal no tempo e no espaço, além de mais íntima). — ‘Tendo Cristo partido corporalmente, não só o Espírito Santo, mas também o Pai e o Filho esteve espiritualmente com eles [os Apóstolos]’ (S. Agostinho, in Ioh., 94.5).

N.B. — Agostinho propõe outra razão (cf. ibid., 94.4), sustentada também por S. Tomás (cf. III 57, 1 ad 3): enquanto os Apóstolos estavam afetivamente apegados à presença corporal do Senhor, não eram aptos para receber o Espírito Santo, pois ainda amavam Cristo de modo demasiado carnal, i.e. mais por amor de concupiscência que de benevolência.

V. 8-11. Explica a ação do Espírito contra o mundo (κόσμος, no sentido do IV Evangelho): Ele argüirá o mundo do pecado, da justiça e do juízo.

N.B. — Para que se entenda esse texto algo obscuro, imagine-se um litígio judicial entre os judeus e os discípulos de Cristo. Os primeiros alegam: ‘Não temos culpa na morte de Cristo. Era um ímpio, digno de morte, por isso foi justa e devidamente condenado’. Os cristãos, por sua vez, acusam os judeus de incredulidade e de injustiça, proclamando Cristo justo e verdadeiro Messias. Qual das partes diz a verdade? Quem delinquiu, Jesus ou os judeus? Quem tem culpa? Qual dos lados sairá vencedor? ‘O Espírito Santo’, diz Jesus, ‘irá, qual Advogado, dirimir a questão em vosso favor, mostrando que o mundo erra tragicamente em todos estes pontos’.

V. 8s. O Paráclito argüirá (lt. arguet, gr. ἐλέγξει) o mundo. O verbo ‘ἐλέγξει’ significa tanto demonstrar (oferecer argumentos) quanto convencer (levar a inteligência a assentir). O Espírito ἐλέγξει, i.e. irá demonstrar de forma claríssima e incontestável ou, antes, irá convencer objetivamente [3] (i.e. dará provas tão robustas, que, a menos que a [má] vontade se interponha, levará a inteligência a assentir). — ‘Mundo’ significa os adversários de Cristo, ou talvez só os judeus.

O Espírito, por conseguinte, argüirá o mundo do pecado, i.e. demonstrará que ele (os judeus) não estão de modo algum isentos de pecado, senão que, pelo contrário, pesa sobre eles (ao menos) um pecado gravíssimo, a saber: porque não acreditaram em mim, i. e. o pecado de infidelidade.

V. 10. Da (minha) justiça também argüirá o mundo, i.e. demonstrará que eu, contra o que pensavam, não fui jamais ímpio, apóstata, subversivo e contrário à Lei (cf. Jo 9,24; 18,3), mas justo e amado por Deus, e isto porque vou para o Pai, ou seja, por minha ressurreição e ascensão, como sugere a frase seguinte: de modo que não mais me vereis. [4] Logo, demonstrará que sou justo pelo fato de o Pai ter-me glorificado.

N.B. — É a interpretação comum e coerente dessa difícil passagem. Mas há quem prefira outras, e.g.: o Espírito Santo ensinará ao mundo, i.e. aos judeus que a verdadeira justiça não consiste na vã religião deles, mas na fé informada pela caridade; ou: convencerá o mundo de vossa justiça, porque vou para longe de vós, mas vossa fé em mim não irá desfalecer etc.

V. 11. Do juízo argüirá o mundo porque o chefe deste mundo já está condenado, i.e. sobre a questão se há de ser condenado Jesus ou ou mundo, o Espírito demonstrará que é o mundo, não Jesus, o digno de condenação, uma vez que (ὅτι = porque) o chefe (ἄρχων, príncipe) deste mundo, i.e. o diabo (cf. Jo 12,31; 14,30) já está condenado, (por prolepse) já foi vencido e expulso de seu reino (cf. Jo 3,15; 12,31s) pela morte de Cristo. Isso se tornará evidente com a conversão dos gentios, os exorcismos realizados pelos Apóstolos, o triunfo dos cristãos contra os perseguidores e assim por diante. [5] Quem, com efeito, ousaria afirmar hoje que os judeus calaram Jesus Cristo?

N.B. — Eis, pois, o primeiro benefício trazido pelo Espírito Santo: provar acima de qualquer dúvida (a) que os que se recusaram a crer em Jesus permanecem em seus pecados; (b) que Jesus foi justo, o verdadeiro Messias e o Filho de Deus; (c) que, pela morte de Jesus, o império do diabo foi destruído. [6]

Referências

  • Tradução adaptada de H. Simón; G. G. Dorado, CSSR, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. Turim: Marietti, 61944, vol. 1, p. 912ss, n. 679.

Notas

  1. O que Jesus diz em Jo 16,8 é περὶ ἁμαρτίας, sem artigo definido (τῆς).
  2. Outra solução possível é por via estilística, pela qual assim o traduzem certos autores: ‘. . . e nenhum de vós me pergunta mais: “Para onde vais?”’ Com efeito, ‘em semítico, assim como no grego semitizante dos evangelhos, o nosso “mais” em “não… mais” é quase sempre omitido’ (Joüon, SJ, L’Évangile[1930] 562 nt. 5).
  3. E não ‘convencerá subjetivamente’, i.e. levará de facto a inteligência de (todos) os inimigos a assentir (= ‘obrigará o mundo a confessar…’). A razão é que o assentimento intelectual em matéria de fé pressupõe, sob a moção da graça, o império prévio da vontade, sobre a qual o Espírito Santo não fará violência.
  4. Em gr., ‘θεωρεῖτε’, no presente, mas com força de futuro, como traduz a Vg, ‘videbitis’.
  5. Viu-o até mesmo Loisy, modernista condenado pela Igreja: ‘A demonstração não se considera feita unicamente pela pregação evangélica, mas por toda a atividade do Espírito na Igreja, testemunho dado a Cristo sempre vivo pela vida mesma que ele comunica aos seus’ (Le quatrième Évangile [1903] 782).
  6. Entre os modernos, Zahn, Sickenberg, Lauck e outros exmplicam-na assim: ‘O Espírito Santo mostrará ao mundo [= aos ímpios] que há pecado, justiça e juízo [em sentido teológico ou sobrenatural]’.

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