O pecado do desespero se origina sobretudo por defeito de fé, como de sua causa primeira e universal, e por defeito de caridade ou de firme conversão, isto é, por uma vida voltada para os desejos da carne, o que dá lugar ao tédio dos bens espirituais chamado acídia.
Ora, uma vez que os contrários se curam por seus contrários (similia similibus curantur), segue-se que o primeiro remédio contra a desesperança é fomentar o exercício da fé e da caridade, de modo que a fé sirva de fundamento à esperança e a caridade, por sua vez, a una com seu fundamento e termo, e assim a solidifique. É por isso que escreve S. João: “Se a nossa consciência nada nos censura, temos confiança diante de Deus, e tudo o que lhe pedirmos, receberemos dele porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que é agradável a seus olhos” (1Jo 2, 21-22). S. Agostinho o expõe com a beleza de sempre, ao escrever:
Assim como a má consciência está toda no desespero, assim também a boa consciência está toda na esperança. Espera, com efeito, quem tem boa consciência; aquele, porém, a quem punge uma consciência má se afasta da esperança, e não espera senão a condenação. Para esperar o Reino, é preciso ter boa consciência, e para ter boa consciência, é preciso crer e obrar. O crer se deve à fé; a obra, à caridade. A esperança, pois, é o meio pelo qual se vai do início, que é o crer, ao fim, que é o obrar [1].
Deve-se fortalecer especialmente a fé, que é a substância ou base das coisas que se esperam (cf. Hb 11, 1), segundo aquilo: “Conservemo-nos firmemente apegados à nossa esperança” (Hb 10, 23). Deve-se alimentar acima de tudo a fé na Encarnação, que nos mostra que Deus, “por nós, homens, e pela nossa salvação desceu dos céus”, como se reza no Símbolo da fé, aplicando-a a si mesmo, junto com Paulo: “Vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2, 20); “Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força” (2Cor 12, 9); “Tudo posso naquele que me conforta” (Fp 4, 13), e recordando as palavras de Cristo aos seus discípulos: “Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16, 33) e “Vou preparar-vos um lugar” na casa de meu Pai (Jo 14, 3), para que, “onde eu estou, estejais comigo vós também” (Jo 17, 24).
Assim, pois, escreve S. Agostinho:
“Vós, Senhor, nos cobristes com o escudo da vossa benevolência” (Sl 5, 13). Com efeito, a benevolência de Deus precede a nossa boa-vontade, a fim de chamar os pecadores à penitência. Eis a arma com que é expugnado o inimigo, contra quem está dito: “Quem poderia acusar os escolhidos de Deus?” e “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas que por todos nós o entregou” (Rm 8, 31-33); “se, quando éramos ainda inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, com muito mais razão, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida” (Rm 5, 10). Este é o escudo poderosíssimo que repele o inimigo, que induz ao desespero da salvação mediante incontáveis tribulações e tentações [2].
E em outro lugar:
Eis que garantias recebemos da promessa de Deus: temos a morte de Cristo, temos o Sangue de Cristo. Quem foi morto? O Unigênito? E por quem foi morto? Quiçá pelos bons, talvez pelo justos. Mas quê? Cristo, diz o Apóstolo, morreu pelos ímpios (cf. Rm 5, 6). Ora, o que entregou sua vida pelos ímpios, que outra coisa tem reservada aos justos senão a sua própria vida?
Erga-se, pois, a fragilidade humana, não desespere, não se abale, não se extravie nem diga: ‘Não poderei’. É Deus quem nos promete, e Ele veio para deixar-nos a promessa: manifestou-se aos homens, veio suportar a nossa morte e prometer-nos a sua vida; veio à região da nossa peregrinação receber o que aqui abunda: ultrajes, flagelos, golpes, cusparadas, injúrias, uma coroa de espinhos, ser pregado à cruz, a morte. É disto que está cheio o nosso mundo, e foi para sofrê-lo que Ele aqui desceu.
O que Ele nos deu, e o que de nós recebeu em paga? Deu-nos conselho, deu-nos doutrina, deu-nos o perdão dos pecados; recebeu, porém, ofensas, morte, cruz. Trouxe-nos os bens da sua pátria, e provou dos males do nosso desterro. Prometeu-nos, contudo, que iremos um dia ao lugar donde Ele veio: “Pai, quero que, onde eu estou, estejam comigo” (Jo 17, 24). Tanto foi o amor com que nos precedeu, que Ele quis estar onde estávamos, a fim de estarmos nós um dia onde Ele agora se encontra.
O que te prometeu Deus, ó homem mortal? Que hás de reinar eternamente. Não o crês? Crê, tem fé. Pois é muito mais o que Ele já fez do aquilo que prometeu. Ora, o que fez Ele? Morreu por ti. E o que prometeu? Que hás de viver com Ele. E o que é mais incrível do que ter morrido Aquele que é eterno, a fim de que por toda a eternidade vivesse com Ele o que é mortal? Se por causa do homem Deus se entregou à morte, acaso não irá o homem viver com Deus? Acaso não há de viver para sempre o mortal por cuja causa morreu Aquele que vive eternamente? [3]
Temos a Deus como Pai; temos no céu a nossa pátria; temos a eterna felicidade por herança. E se em Cristo, que é a nossa Cabeça, já se cumpriu o que nos foi prometido, também nós, que somos membros dele, alcançaremos a mesma felicidade.
A fé nos ensina, pois, o quanto Deus fez e dispôs para que sejamos salvos. Entregou-se por nós; permanece conosco no Sacramento do altar; deixou-nos os sacramentos, donde podemos haurir a haustos plenos a graça que eles operam por virtude própria; destinou a cada um de nós um anjo da guarda, para defender-nos continuamente; deu-nos a Virgem SS. como Mãe e os santos dos céus como intercessores. Deve-se dizer, portanto, com toda verdade que não é só possível, mas também fácil, com tantos e tão grandes meios, chegar ao porto da eterna bem-aventurança.
É preciso também fortalecer a caridade, para que ela vivifique a esperança e a incremente. Graças à caridade, tornam-se saborosas as coisas celestes e tediosas as terrenas, e é por isso que, com ela, se evita tanto a luxúria como a acídia, dois pecados que por si mesmos provocam desesperança.
Graças à caridade, “somos julgados tristes, nós que estamos sempre contentes” (2Cor 6, 10), porque — como nota S. Tomás —, “ainda que nos bens exteriores e que dizem respeito à carne padeçamos tristezas e amarguras, no entanto, gozamos internamente uma alegria contínua, que cresce em nós em virtude das consolações do Espírito Santo e pela esperança da recompensa eterna” [4]. Digamos, pois, com o Apóstolo: “Gloriamo-nos até das tribulações. Pois sabemos que a tribulação produz a paciência, a paciência prova a fidelidade e a fidelidade, comprovada, produz a esperança. E a esperança não engana” (Rm 5, 3-5).
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