Em uma das muitas cartas escrita ao seu irmão Isidoro Guérin, Zélia Martin,a piedosa mãe de Santa Teresinha do Menino Jesus, relata um fato corriqueiro da vida de Alençon [1], do qual extrai para si e seu irmão — e, agora, também para nós — uma importantíssima lição espiritual.

Ela indaga ao irmão se havia conhecido um senhor, “dono do moinho grande”, que estava a construir com sua esposa “uma casa magnífica”, em frente a um bom estabelecimento da cidade, Le Grand Café de La Renaissance. Segundo Santa Zélia, “esta casa era já a delícia dos dois”, que planejavam mudar-se “e não sair de lá senão por sua morte”. A mulher, principalmente, cheia de satisfação, dizia a quem quer que a encontrasse:

“Oh! meu Deus! que feliz que eu sou! Não me falta nada: tenho saúde, tenho riqueza, compro tudo o que me apetece, não tenho filhos que me perturbem o descanso, enfim, não conheço ninguém com tanta sorte como eu.”

Certamente alguns de nós já ouvimos história ou conhecemos caso semelhante. O próprio Jesus conta no Evangelho segundo São Lucas (12, 13-21) a parábola de um homem rico que, não tendo onde pôr a fartura de sua colheita, decidiu derrubar seus celeiros e construir maiores, a fim de abrigar todos os seus bens e dizer a si mesmo: “Meu caro, tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, goza a vida!”. A resposta do Céu para ele, no entanto, era outra: “Tolo! Ainda nesta noite, tua vida te será tirada. E para quem ficará o que acumulaste?”.

A mãe de Santa Teresinha, conhecendo a sabedoria evangélica, continua a sua carta dizendo que sempre tinha ouvido dizer: “Ai de quem fala deste modo!”. O desfecho da vida deste casal anônimo ela o relata em seguida:

“Mas voltemos à nossa história:

No Sábado, pela seis horas da tarde, o Senhor e a Senhora Ch... foram visitar a sua esplêndida moradia e passar a tarde com os parentes no Café do Renascimento. Pelas oito e meia o marido disse à esposa: ‘Tenho de pôr uma carta no correio e já é tarde; vem comigo’. Partiram imediatamente e ao regressarem, disseram: Para chegar mais depressa vamos pelo atalho que atravessa o nosso jardim. De facto o jardim dava para aquele sítio e terminava mesmo em frente do Café onde estavam à espera deles.

Mas ao cabo do jardim andavam a abrir uma fossa e era preciso passar de lado, por cima de umas tábuas. Como já não se via bem, o marido aproximou-se demais e caiu lá dentro. A seguir caiu a senhora, arrastando consigo uma pedra que matou o marido. Chamou por socorro e acorreram aos gritos. A ela encontraram-na gravemente ferida e levaram-na para casa da irmã onde expirou daí a uns dez minutos.

Por volta das nove horas e meia oiço muitos passos junto de casa e forte vozearia. Vou a ver: transportavam os corpos em duas macas. E aqui está a história dum casal tão feliz!...”

O angustiante fim que teve esse casal é o mesmo que teve o rico insensato do Evangelho e pode ser concluído com as palavras exatas do Senhor: “Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não se torna rico diante de Deus” (Lc 12, 21).

Todavia, o tom assustador com que Zélia conclui a história não nos deveria assustar, mas fazer-nos refletir sobre a ilusão em que vivemos muitos (tantos de nós!) com as coisas deste mundo. Quando vamos entender, afinal, que a conquista de uma casa nova, ou do último lançamento de um carro, ou de um título acadêmico importante — uma vida abastada, enfim — nada disso pode saciar nosso coração? Por que, então, continuarmos perseguindo a todo custo essas coisas, enquanto descuramos, ao mesmo tempo, de nossa salvação eterna?

Ouçamos, por fim, a conclusão que Santa Zélia Martin dá a todo o caso:

“Meu caro amigo, estou tão persuadida disto que te acabo de dizer, que em certas épocas da minha vida em que eu me julgava realmente feliz não era sem tremer que eu pensava nisso, porque é certo e provado pela experiência que a felicidade não é deste mundo... Não, a felicidade não é deste mundo, e quando tudo prospera é mau sinal. Deus, na Sua infinita sabedoria, assim o quis, para nos recordar que a terra não é a pátria verdadeira.”

Guardemos conosco o ensinamento precioso desta sábia mãe de família, que sabia buscar as coisas do alto (cf. Cl 3, 1). Fixemos também em nosso coração essa verdade tão sublime, que a família Martin viveu plenamente ao educar as suas filhas para o Céu. Meditando sempre em nossa morte e na eternidade, com certeza resistiremos à tentação da avareza.

Referências

  1. Carta da Senhora Martin ao irmão, em 28 de março de 1864. In: PIAT, P. Stéphane Joseph. História de uma família. 3. ed. Braga, Apostolado da Imprensa, pp. 60-61.

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